Charlie Kirk, um intelectual americano de 31 anos, cristão evangélico, fundador do movimento nacional-conservador Turning Point USA, foi assassinado na quarta-feira, quando falava na Utah Valley University. Kirk derivava das suas convicções religiosas os valores e princípios éticos, com implicações políticas, que eram o centro da sua militância. Tinha 7,3 milhões de seguidores no TikTok, mais de 5 milhões na plataforma X, 6,9 milhões no Instagram e 3,8 no Youtube. Era convicto e eficaz. Gostava de debater com civilidade, de trocar ideias, de ouvir, de responder a perguntas, num país dividido onde já quase ninguém quer saber o que “a outra metade” pensa.
Começara a sua militância aos 18 anos, uma militância patriótica e cristã de alguém que achava que a América era “o melhor país do mundo” e a Constituição americana “o melhor documento político”.
As reacções à sua morte não se fizeram esperar. A crer em grande parte da comunicação social, Kirk, “o aliado de Trump”, era um proeminente emissor de discurso de ódio, que defendia o direito dos cidadãos americanos a usar armas e criticava a ideologia libertária da Esquerda; enfim, alguém que, tendo semeado ventos, acabaria inevitavelmente por colher tempestades (tal como, por aqui, para alguns “animalistas”, o jovem forcado que morreu no Campo Pequeno só teve o que merecia).
Não surpreende. A Esquerda – e parte do Centrão – tendem a barricar-se num mundo cada vez mais cheio de “outros”, mas onde “os outros”, aparentemente, não existem ou não deviam existir. Para esses “outros” não há inclusão possível. A vaga eleitoral que cada vez mais tende a ser-lhes desfavorável é puro fruto da manipulação das “forças do mal”. Não tem razão de existir e não devia existir. O voto do “povo”, que outrora era quem mais ordenava, já conta pouco, dada “a alienação” do povo. De um lado e de outro sucedem-se as teorias da conspiração. É assim nos Estados Unidos, onde, “incompreensivelmente” e apesar da “boa opinião”, governa Trump.
Na Europa o panorama não é muito diferente. Na Alemanha, a AFD, no Reino Unido, o Reform Party, em França, o Rassemblement National são os primeiros partidos em caso de eleições gerais. Em Itália, os Fratelli de Meloni já governam; como na Hungria governa o Fidezs e na Eslováquia o SMER-SD. Nas eleições na Noruega, o Partido do Progresso ficou em segundo lugar, tendo dobrado a votação; e de acordo com o El Mundo de Domingo passado, em Espanha, se as eleições fossem agora, o Vox já passaria os 15%, reduzindo a distância que o separa do Partido Popular. Para completar o quadro, em França, uma convergência de votos da direita e da esquerda radicais levou à queda do Governo Bayrou, e o presidente Macron, apesar da sua agitação internacional, não parece capaz de arrumar a casa. Entretanto, neste nosso “país de Abril”, o Chega fica pela primeira vez à frente nas intenções de voto, segundo o barómetro DN/Aximage – uma verdadeira “happy meal” para Ventura, esta preferência dos concidadãos, e um grande amargo de boca para a generalidade dos mediadores de opinião. Porque tudo isto perturba os eleitos do sistema, a classe dirigente, a classe dominante, os seus intelectuais, os seus comunicadores, os seus comentadores, os seus atarantados e exaltados pivots.
E perante o que se vê (ou se dá a ver) como o perigo existencial das sucessivas vitórias das direitas nas urnas, que fazer? Recorre-se a estratagemas alternativos: aos tribunais, com julgamentos políticos, como em França e no Brasil, ou à anulação e repetição de eleições, como na Roménia. E vai-se insistindo no discurso de ódio dos “outros”, e só dos “outros”, no perigo fascista, na reencarnação de Hitler no Presidente dos Estados Unidos, na ameaça à democracia e às instituições que “os outros”, e só “os outros”, representam… terreno fértil para que radicais e paranoicos se achem investidos de uma missão secreta de salvação da humanidade e da democracia e passem a “formas superiores de luta”. Donald Trump sofreu um atentado e só não morreu por uma orelha negra.
Charlie Kirk não teve essa sorte. Era um combatente das ideias, um homem civilizado, inteligente, tranquilo. Morreu “a combater o bom combate”, ao serviço da sua fé, do seu país, da sua família e das suas convicções – e também da sua e da nossa liberdade.
Mas como era um “activista de direita”, um “aliado de Trump” facilmente se conclui que “estava a pedi-las”, de onde a tácita absolvição do assassino, quem quer que ele seja. Kirk tinha-se “posto a jeito”. Como? Apresentando-se indecorosamente no espaço público com ideias provocatórias, contraditórias e pouco recatadas, exibindo despudoradamente a sua capacidade argumentativa em plena universidade e cometendo vários delitos de opinião, entre eles, o de querer debater opiniões e o de ganhar debates. O que é que ele queria?
Calaram-no para sempre. Estava do lado errado da História.