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(A) :: Duas detenções, a confissão ao pai e a denúncia às autoridades. As 33 horas da caça ao homem do FBI que levaram à detenção de Tyler Robinson

Duas detenções, a confissão ao pai e a denúncia às autoridades. As 33 horas da caça ao homem do FBI que levaram à detenção de Tyler Robinson

Tyler Robinson, estudante de 22 anos de engenharia elétrica, é suspeito de ter matado Charlie Kirk. Nunca votou, mas nos últimos tempos tinha-se politizado, disse o familiar que o denunciou.

Madalena Moreira
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The American Comeback“. Era este o nome da digressão da organização norte-americana Turning Point, em que o influencer da direita conservadora Charlie Kirk iria percorrer universidades para promover sessões de debate com os alunos, abertas a toda a comunidade. A primeira de 15 paragens foi na Utah Valley University (UVU) esta quarta-feira. Seria também a última com a presença do fundador.

Durante o debate, Kirk foi questionado por um membro da audiência sobre o número de tiroteios que tinham acontecido nos Estados Unidos na última década. “A contar com a violência entre gangues?”, retorquiu Kirk, imediatamente antes de ser baleado no pescoço. Eram 12h23 em Orem, Utah. Às 14h40 locais, o Presidente Donald Trump recorreu às redes sociais para confirmar a sua morte. “O grande, até lendário, Charlie Kirk, está morto“, escreveu.

Nas horas que se seguiram ao assassinato, autoridades locais e federais colaboraram para montar uma caça ao homem em busca do atirador, que disparou contra o influencer a partir do telhado de um edifício em frente ao relvado onde decorria o evento, a uma distância de cerca de 125 metros. Depois de duas detenções de “pessoas de interesse” e de pedidos para que o público colaborasse com a investigação, até com a atribuição de uma recompensa, o suspeito foi detido nesta quinta-feira à noite (madrugada de sexta-feira em Lisboa).

O anúncio da detenção, tal como o anúncio da morte, foi feito por Trump. Em entrevista ao programa Fox&Friends, da Fox News, esta sexta-feira de manhã, o chefe de Estado norte-americano declarou que tinha sido feita uma detenção que seria “com grande grau de probabilidade” o atirador, revelando ainda uma série de informações preliminares, sobre as quais admitiu não ter certezas, uma vez que só tinha sido informado das mesmas alguns minutos antes de entrar no programa.

Momentos mais tarde, as autoridades confirmaram a detenção de Tyler Robinson, um jovem de 22 anos, residente noutra localidade do Utah, que terá confessado à família ter matado Charlie Kirk. Como o diretor do FBI, Kash Patel, sublinhou em conferência de imprensa, passaram apenas 33 horas entre o disparo e a sua detenção.

A entrada em cena do FBI, duas detenções e uma linha telefónica popular

Donald Trump estava numa reunião para discutir a ampliação do salão de baile da Casa Branca, esta quarta-feira, quando os seus assessores interromperam o encontro, relatou o Presidente na Fox News. “Eles entraram e disseram: ‘Charlie Kirk está morto’. Eu não sabia o que é que eles queriam dizer. Eu disse: ‘Como assim, morto?‘”, partilhou, acrescentando que colocou imediatamente um ponto final na reunião. “Eu só disse àquelas pessoas: ‘Saiam, vocês têm de sair’.”

Do outro lado do país, as autoridades chegavam à UVU, nos subúrbios de Salt Lake City, apenas 16 minutos depois do tiro. Ao longo do dia, autoridades locais, estaduais e federais, incluindo o FBI, foram chegando ao campus para isolar o local do crime e recolher provas forenses. Ao mesmo tempo, as provas foram sendo enviadas para laboratórios noutros pontos do país para análise, relatou Kash Patel.

Imediatamente a seguir à morte de Kirk foi feita uma detenção. Mais tarde, o diretor do FBI confirmou uma segunda detenção. A primeira pessoa, admitiu, tinha sido presa por obstrução à justiça e não por acreditarem ser responsável pela morte. Nos momentos a seguir ao incidente, o FBI revelava-se “confiante” que o segundo detido era o atirador. Contudo, cerca de uma hora mais tarde, também esta pessoa foi libertada, depois de ter sido sujeita a interrogatório.

Sem qualquer suspeito detido, foi lançada uma caça ao homem e aberta uma linha telefónica para o envio de possíveis informações sobre o caso — até esta sexta-feira de manhã, menos de 48 horas depois do ataque, a linha tinha recebido 11 mil denúncias.

A arma do crime e as balas gravadas com palavras antifascistas e referências ao mundo online

As horas que se seguiram à morte de Charlie Kirk foram dominadas pelo clima de tensão política: Donald Trump publicou um vídeo a culpar a retórica da “esquerda radical” pelo crime, trocaram-se insultos entre os congressistas reunidos no Capitólio, democratas lamentaram a morte do influencer com quem discordavam em quase tudo e republicanos do movimento MAGA (Make America Great Again) pediram “vingança” e declararam estar em guerra.

Já a manhã de quinta-feira, 11 de setembro, trouxe uma série de desenvolvimentos na investigação do FBI. Primeiro, foi recuperada uma arma, “uma espingarda de alta potência“, encontrada enrolada numa toalha na área arborizada para onde o atirador tinha sido visto a fugir depois de sair do telhado de onde disparara. Além disso foram recolhidas roupas, impressões das mãos e antebraços.

No local, foram ainda encontradas balas, do calibre utilizado na arma. Nos invólucros dessas balas estavam gravadas mensagens com uma série de referências da cultura online, reveladas pelo governador do Utah, Spencer Cox. Num invólucro estavam desenhadas setas, pela seguinte ordem — para cima, para a direita, três para baixo. A sequência é a mesma que se utiliza em alguns videojogos para lançar uma bomba, como escreveu o New York Times. Noutro, lia-se “Notices bulges OWO what’s this“, uma referência a uma paródia utilizada pelas comunidades de roleplay; noutro, a letra do “Bella Ciao“, hino da resistência antifascista italiana durante a II Guerra Mundial; noutro ainda “Hey fascista! Apanha!” — “Acho que fala por si mesmo”, comentou Cox sobre a frase —; e, no último, “Se estás a ler isto, és gay, LMAO [laughing my ass off, “a rir muito” em tradução livre].

Às 10h, Kash Patel ordenou a publicação das primeiras imagens do suspeito, em que este pode ser visto completamente vestido de preto, de óculos escuros e boné também preto e anunciou uma recompensa de 100 mil dólares para quem desse informações que levassem à sua detenção. Ao longo do dia, o FBI publicou mais imagens e vídeos do suspeito no campus. Mas as fotografias não terão chegado a ser necessárias para o deter.

As mudanças de roupa e as mensagens no Discord

Faltava um minuto para as 8h30 quando Tyler Robinson estacionou o seu Dodge Challenger no campus da UVU. As imagens de videovigilância mostram que, nessa altura, vestia uma camisola bordeaux, calções claros e um boné branco. Às 11h52, é apanhado novamente pelas câmaras de vigilância a entrar no campus. Os investigadores acreditam que terá mudado para as roupas pretas enquanto estava no telhado, disparado um único tiro e descido. Sobram dúvidas sobre como tinha capacidades para o fazer com tamanha precisão àquela distância.

Dirigiu-se a uma zona arborizada, onde deixou a arma enrolada numa toalha, também de cor escura. Por esta altura, terá mudado novamente de roupa. Na versão relatada por Spencer Cox, o plano para todo este processo foi relatado por Tyler ao colega de quarto através de mensagens trocadas entre os dois na plataforma Discord dias antes do crime e que o colega mostrou às autoridades.

Contudo, o Discord diz que as mensagens descritas pelas autoridades não foram trocadas entre Tyler e o colega de quarto. “Estas são comunicações entre o colega de quarto do suspeito e um amigo, em que o colega de quarto estava a recordar os conteúdos de uma nota que o suspeito tinha deixado noutro sítio”, corrigiu a plataforma em comunicado.

"Quando os nossos investigadores lá chegaram, conseguiram estabelecer contacto com ele de forma pacífica. Ele foi muito cumpridor. [A família] fez um ótimo trabalho a ajudá-lo a chegar a uma resolução positiva para se entregar."
Beau Masou, comissário de saúde pública do Utah

Saído da UVU, Robinson voltou para o carro e conduziu cerca de três horas e meia a quatro horas, cerca de 400 km, até chegar ao condado de Washington, no extremo sudoeste do estado do Utah, perto da fronteira com o Nevada. Foi aí que o suspeito cresceu e é aí que moram os pais, relataram as autoridades.

A confissão à família e a detenção pacífica

Chegado a casa na quarta-feira, Robinson “confessou ou deixou implícito” a um familiar que tinha sido ele a matar Charlie Kirk, relatou Spencer Cox. O governador não adiantou o parentesco deste familiar, mas, na Fox, Trump identificou-o como o pai de Robinson. Aí, a família de Robinson contactou um “amigo de família” que denunciou o caso às autoridades — Trump disse que esta “pessoa próxima” era “uma pessoa de fé, um clérigo“.

Perante a confissão e feita a denúncia, a família terá convencido o jovem a entregar-se às autoridades. Tyler acedeu e, por volta das 22h00 de quinta-feira, foi detido. “Quando os nossos investigadores lá chegaram, conseguiram estabelecer contacto com ele de forma pacífica. Ele foi muito cumpridor”, declarou Beau Masou, comissário de saúde pública do Utah, que acrescentou que a família “fez um ótimo trabalho a ajudá-lo a chegar a uma resolução positiva para se entregar”.

Spencer Cox relatou que o jovem utilizava a mesma roupa — camisola bordeaux e calças claras — com que tinha sido visto nas câmaras de videovigilância e que o Dodge Challenger também foi identificado como seu. Apesar de ter colaborado com as autoridades numa primeira instância, depois de ter falado com um advogado, Robinson recusou-se a responder a mais questões, avançou a CNN, citando duas fontes próximas do processo.

A acusação formal deverá ser apresentada na próxima terça-feira e Tyler Robinson deverá ser acusado de três crimes estaduais: homicídio qualificado, utilização criminosa de arma com danos graves e obstrução à justiça. Como o governador fez questão de relembrar, no estado do Utah, o crime de homicídio qualificado é punível com pena de morte.

O filho mais velho de uma família que não gostava dos “pontos de vista cheios de ódio” de Charlie Kirk

Tyler James Robinson nasceu em 2003 e era o mais velho de três filhos. É o que mostram as muitas imagens partilhadas pela mãe no Facebook, onde a família pode ser vista a celebrar aniversários, em viagens ou também a caçar. Um vídeo mostra Tyler a ler uma carta em que lhe é oferecida uma prestigiada bolsa académica completa para estudar na Utah State University.

Outra publicação mostra que conseguiu uma pontuação de 34 (em 36) nos exames de admissão à Universidade. Segundo a Reuters, que cita ambas as publicações, esta publicação poria Tyler no 1% de melhores resultados neste exame. Quando frequentava o ensino secundário, o jovem já tinha recebido uma bolsa da Utah Tech University. Contudo, apesar das bolsas, Tyler só frequentou o primeiro semestre na Utah State, em 2021.

Depois, começou um curso técnico de engenharia elétrica na Dixie Technical College, onde se encontrava a completar o terceiro e último ano do programa. A informação foi avançada pela porta-voz da Utah Valley University, onde Robinson nunca estudou, mas que fica localizada próximo da Dixie Technical College.

Já sobre política, Tyler Robinson nunca pareceu ter revelado grande interesse. O jovem não está filiado em nenhum partido e nos registos eleitorais aparece como “inativo”. Isto quer dizer que Robinson nunca se inscreveu como eleitor nas últimas eleições — as de novembro de 2024 em que Donald Trump foi reeleito Presidente. Dada a sua idade, esta teria sido a primeira vez que o jovem podia votar.

Contudo, o familiar que colaborou com as autoridades revelou que o jovem “se tinha tornado mais político nos últimos anos”. Há algum tempo, mencionou durante um jantar com a família que Charlie Kirk se iria deslocar a UVU para a digressão “The American Comeback”. O tema gerou uma conversa em que toda a família admitiu que não gostava do influencer ou dos seus pontos e vista “cheios de ódio”. Robinson e os familiares concordaram, disse Spencer Cox, que o aliado político de Trump se dedicava a espalhar ódio.