A violação do espaço aéreo polaco por vários drones russos esta quarta-feira não vai ficar sem resposta. Numa conferência de imprensa esta sexta-feira, o secretário-geral da NATO, Mark Rutte, anunciou uma nova missão — a Eastern Sentry (Sentinela Oriental, em português) — no flanco leste da aliança transatlântica que será a “primeira linha de defesa” contra ameaças aéreas da Rússia e reforçará a presença militar na região. O líder da organização pretendeu tranquilizar os Estados-membros de que “todos os centímetros dos seus territórios serão defendidos” e também deixou vários recados ao Presidente russo, Vladimir Putin.
A NATO não sabe “até onde a Rússia vai” e o que poderá fazer nos próximos tempos contra a Aliança. Porém, a organização não vai tolerar “comportamentos inaceitáveis”. O secretário-geral da NATO reconheceu que ainda não é possível determinar se o ataque russo com dezenas de drones contra a Polónia foi “intencional”: “Há investigações a decorrer”. De qualquer forma, “seja propositado ou não, é perigoso e é inaceitável”, classificou Mark Rutte, recordando que este não “foi um acidente isolado”. “O que está a acontecer é que estamos a assistir a um aumento da frequência de drones nos céus do flanco leste.”
Roménia, Estónia, Letónia e agora Polónia. Todos estes Estados-membros já viram o seu espaço aéreo violado por drones russos desde que a Ucrânia foi invadida, confirmou o líder da NATO. Estas ações “irresponsáveis e extremamente sérias” têm agora uma resposta, que será “flexível, ágil e vai contribuir para dissuasão onde for preciso”, detalhou o Comandante Supremo Aliado da Europa, o general norte-americano Alexus G. Grynkewich, que esteve na conferência de imprensa ao lado de Mark Rutte.

Vendo a NATO como ameaça, o Kremlin deverá certamente reagir. Esta sexta-feira, aliás, a Rússia e a Bielorrússia iniciaram a primeira fase de exercícios militares em território bielorrusso, os Zapad 2025. A Polónia olha com preocupação para estes treinos, que estavam programados há meses, apesar do recente aumento de tensão. Mas o porta-voz da presidência russa, Dmitry Peskov, deixou uma garantia: “Quero lembrar as palavras do nosso Presidente: a Rússia nunca ameaçou ninguém e não será uma ameaça aos países da Europa”.
Em redor das fronteiras entre o flanco leste da NATO e a Rússia ou a Bielorrússia, existe uma grande incerteza. Os países da Europa Oriental temem que os exercícios militares, juntamente com as incursões aéreas, sejam um aviso do Kremlin. Por isso, a Polónia e os Países Bálticos estão a tomar medidas para se fortalecerem e a NATO entra agora em cena para proteger o que Alexus G. Grynkewich disse ser a “primeira linha de defesa” contra a Rússia e os mísseis que, segundo Mark Rutte, “viajam a cinco vezes mais do que a velocidade do som” e podem atingir capitais como Madrid ou Londres “numa questão de minutos”.
NATO e países europeus reforçam presença no leste da Europa. Mas e os EUA?
Não são apenas os países perto das fronteiras da Rússia a agir. Estados-membros da NATO fora dessa região também estão preocupados e estão a tomar medidas. A Alemanha foi a primeira a anunciar que “vai prolongar e ampliar a vigilância aérea sobre a Polónia”, como demonstração do “seu compromisso na fronteira oriental da NATO”. “O número de aviões deste esquadrão de alerta será duplicado para quatro aeronaves [caças] do tipo Eurofighter, incluindo as tripulações”, informou o gabinete do chanceler alemão, Friedrich Merz.

França vai enviar três caças Rafale para “contribuir com a proteção do espaço aéreo polaco no flanco leste com os nossos aliados”. “A segurança do continente europeu é a nossa prioridade máxima”, definiu o Presidente francês Emmanuel Macron no X esta quinta-feira, garantindo que a Europa não vai ceder “perante a intimidação crescente da Rússia”.
Durante a conferência de imprensa, na apresentação da missão, Mark Rutte adiantou que França e Alemanha contribuirão para a Sentinela Oriental, assim como a Dinamarca e o Reino Unido, “bem como outros Estados-membros”. O esforço é europeu. Os Estados Unidos da América (EUA) não deverão enviar meios aéreos para esta missão, segundo confirmou o Presidente norte-americano, Donald Trump. “Não vamos proteger ninguém”, realçou o chefe de Estado, numa entrevista a um programa da Fox News esta sexta-feira.
Embora não participem diretamente neste reforço da presença militar no flanco leste da Aliança, os Estados Unidos continuam “empenhados” em apoiar a NATO, segundo garantiu Mark Rutte: “Não há dúvida de que o compromisso é à prova de bala”. O secretário-geral da Aliança também descartou a ideia de que os EUA desvalorizaram o ataque de drones russos à Polónia e garantiu que os Estados-membros “estão unidos”.

Enquanto Comandante Supremo Aliado da Europa, na conferência de imprensa, Alexus G. Grynkewich rejeitou igualmente que os EUA estejam a tentar ver-se livres das obrigações no quadro da NATO: “Estou envolvido. Estou aqui. Os EUA mantêm o seu compromisso ao comando integral da estrutura militar da NATO”. Ainda não é claro qual será o papel de Washington em específico, mas o general prometeu que não vai desiludir os aliados do outro lado do Atlântico.
A nova missão da NATO no flanco leste
Foi apenas anunciado na tarde desta sexta-feira, mas ao final do dia a operação já deverá entrar em funcionamento. “Vai demorar algum tempo para juntar tudo com as novas contribuições que chegaram, mas vamos continuar a trabalhar e definir os moldes da operação. Mas ela começa imediatamente”, referiu Alexus G. Grynkewich, acrescentando que a Sentinela Oriental vai inspirar-se na forma como as Forças Armadas ucranianas combatem os drones russos.
O general norte-americano também justificou esta nova missão com o aumento drástico de violações por drones russos do espaço aéreo dos países da NATO: “A escala da incursão era algo que nunca tínhamos visto até agora. Víamos alguns drones aqui e ali em número pequeno. Se tivesse sido só isso, teríamos intercetado todos. Porém, com o número que atravessou a fronteira [polaca]… É altura de dar um novo começo. Estamos sempre a aprender”.
Mesmo assim, o norte-americano defendeu a atuação da NATO na interceção de objetos aéreos que violaram o espaço aéreo polaco, adjetivando como “bem-sucedida”. Perante estas novas ameaças, a Aliança transatlântica sentiu, porém, que era altura de dar um novo passo. De acordo com o Politico, os sistemas de defesa antiaéreos europeus não têm sido eficazes em lidar com drones russos. As soluções são bastante dispendiosas e pouco eficientes.
Este reforço militar no flanco leste terá agora como objetivo “centralizar” e “integrar” as respostas de todos os Estados-membros da NATO, especificamente aqueles que fazem fronteira com a Rússia. “Antes, tínhamos respostas individualizadas em várias localizações. Diferentes nações trabalhavam caso a caso. Agora vai haver uma resposta integrada”, detalhou o general norte-americano, acrescentando que haverá “ações de policiamento aéreo e sistemas de defesa aérea que estarão em terra”.
“Em todo o flanco leste, vamos constantemente ajustar e mudar a nossa postura de uma maneira que apanhe o adversário desprevenido, mas que também responda a ameaças específicas que temos visto a emergir”, descreveu Alexus G. Grynkewich, frisando que essa missão contará com dois caças F-16 e uma fragata da Dinamarca, três caças franceses Rafale e quatro caças alemães Eurofighter, entre outros equipamentos que não foram especificados. Também não é claro se haverá mais militares a serem mobilizados para a missão Sentinela Oriental.

Tal como já tinha feito há umas semanas, Mark Rutte reiterou que todos os Estados-membros da NATO “vivem agora no flanco leste”. Ou seja, existem riscos quer para os países fronteiriços da Rússia, quer para aqueles na Europa Ocidental. Neste sentido, o secretário-geral da NATO frisou que os mísseis mais sofisticados russos “levam apenas cinco ou dez minutos a mais a atingir Madrid ou Londres do que Talin ou Vilnius”.
Complementando a visão do secretário-geral, o Comandante Supremo Aliado da Europa sublinhou que o “alcance que os drones [russos] podem voar e os trajetos que podem percorrer deixam vulneráveis” todos os Estados-membros da Aliança. Como tal, o flanco leste servirá como “uma primeira linha de defesa”.
“Se os drones ultrapassarem a primeira linha de defesa, podem juntar-se mísseis balísticos ou outras capacidades que colocam toda a Aliança em risco”, advertiu Alexus G. Grynkewich, constatando, assim, que a missão da Sentinela Oriental vai “trabalhar para defender toda a Aliança”. Por causa disso, é preciso que este reforço da presença militar seja “flexível, ágil e que contribua para dissuasão onde for preciso”.
Além dos drones, Rússia faz exercícios militares na fronteira com a NATO
Ainda mesmo antes dos ataques com drones, o primeiro-ministro da Polónia, Donald Tusk, anunciou, na terça-feira, que encerraria a fronteira com a Bielorrússia, o país em que decorrem os exercícios militares Zapad juntamente com a Rússia. O líder do executivo polaco avisou que estas manobras militares eram “muito agressivas de uma perspetiva da doutrina militar” e iam acontecer “muito perto da fronteira polaca”.
Para o governo polaco, há uma zona que motiva especial preocupação: o Corredor de Suwałki, uma região em que quatro países fazem fronteira: a Rússia, a Bielorrússia, a Polónia e a Lituânia. É nesta zona que Varsóvia teme que tropas russas e bielorrussas ataquem a NATO. Estes exercícios poderão ser uma preparação para esse cenário, avisou Donald Tusk.
Os exercícios militares Zapad entre a Rússia e a Bielorrússia ocorrem de quatro em quatro anos. Os últimos ocorreram em 2021, um ano antes da invasão da Ucrânia, e contaram com a mobilização de 200 mil soldados russos. Desta vez, por causa das tropas que estão na linha da frente ucraniana, serão muito menos os militares envolvidos nestas manobras. Inicialmente, a Bielorrússia estimou que seriam 13 mil, mas deverão ser menos.

A Rússia destacou que estes treinos militares contarão com duas fases. A primeira, que começou esta sexta-feira, será focada na defesa e na coordenação entre as tropas. A segunda terá um enfoque mais ofensivo com manobras a simular a conquista de território e combates com tropas inimigas. Os exercícios ocorrerão em solo russo, bielorrusso e também no Mar Báltico e no Mar de Barents, no extremo norte.
O Ministro da Defesa da Rússia, Viktor Khrenin, precisou que maioria dos exercícios militares vai ter lugar na cidade bielorrussa de Borisovc, a norte da capital de Minsk, e a 380 quilómetros da Lituânia e a 410 quilómetros da Polónia. No entanto, o responsável militar admitiu que “pequenos batalhões vão levar a cabo tarefas práticas para repelir um inimigo hipotético” nas proximidades das fronteiras lituanas e polacas.
Adicionalmente, o governante russo destacou que as tropas russas vão “praticar o uso” de armas nucleares russas, em particular os mísseis hipersónicos Oreshnik, alguns dos quais que já estão estacionados na Bielorrússia. Esta componente dos exercícios militares eleva a preocupação dos países fronteiriços com a Rússia e a Bielorrússia.
https://observador.pt/2024/12/27/lukashenko-bielorrussia-vai-receber-uma-duzia-de-oreshnik-os-novos-sistemas-de-misseis-hipersonicos-russos/
Por agora, no entanto, é improvável que estes treinos militares sejam mais do isso. Face a 2021, houve uma redução abrupta do número de militares mobilizados. “Por agora, Moscovo não pode enviar dezenas de milhares de tropas para a Bielorrússia, o que seria o necessário para representar uma ameaça credível para os países do flanco leste da NATO”, explicou, em declarações à France 24, Ryhor Nizhnikau, especialista do think tank Finnish Institute of International Affairs.
No entanto, o mesmo especialista adverte que estes exercícios militares poderão efetivamente testar a prontidão e a capacidade de as tropas russas atacarem a aliança transatlântica. “A ideia de que a Rússia pode usar um dia os treinos Zapad para atacar os países do flanco leste da NATO é, de facto, credível”, aclara, ressalvando, no entanto, que isso deverá apenas acontecer quando Moscovo “alcançar os seus objetivos na Ucrânia e libertar, em função disso, recursos militares”.
Em reação, a Rússia pediu para que a Polónia reconsiderasse a sua decisão de fechar as fronteiras com a Bielorrússia, justificando que não faz sentido tomar atitudes tão exageradas. O porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, desvalorizou também as preocupações da Europa Ocidental. Num momento em que os europeus “assumem uma posição hostil” em relação ao Kremlin, a condução de exercícios militares levou a uma “sobrecarga emocional” dos líderes europeus, atirou.
Drones a invadir o espaço aéreo da NATO e exercícios militares que contam com mísseis com capacidades nucleares. Mesmo que seja apenas para NATO ver, a Rússia parece estar a aumentar o nível de ameaças no espaço transatlântico. A NATO já reagiu e vai aumentar a presença militar com uma nova missão. Mas será suficiente para travar as provocações do Kremlin?