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Lisboa: depois da tragédia, a farsa

Acredita que o elevador nunca teria caído se estivesse pintado com as cores da Palestina? Porque deve haver na candidatura socialista alternativa a Moedas quem seja capaz de acreditar nisso.

Rui Ramos
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Depois da tragédia, a farsa. A tragédia foi o desastre do elevador da Glória, os mortos e feridos. A farsa foi proporcionada pela classe política. Não, não falo das exigências de explicações e de apuramento dos factos: tudo isso compete aos políticos. Falo do debate sobre a demissão do presidente da câmara de Lisboa, a um mês de eleições. Se isso não é o que se chama “aproveitamento político”, não sei o que é.

Quando abandonou o governo depois da queda da ponte de Entre-os-Rios, Jorge Coelho criou inadvertidamente a lenda de que, sempre que há um desastre, a “demissão” é a única opção digna de um governante, o modo adequado de reconhecer a sua “responsabilidade política”. Ficou a ser, desde aí, a primeira coisa que as oposições exigem e com que o jornalismo especula. Faz sentido? Não. Perante um acidente, a responsabilidade de um governante é acorrer às vítimas e minorar as consequências; é esclarecer causas; é reforçar a prevenção. A sua primeira opção não pode ser demitir-se: isso não é assumir responsabilidades, é fugir delas. A demissão só faz sentido quando na origem da catástrofe estiver a incúria ou o erro pessoal ou de serviços sob a sua tutela. Caso contrário, exigir e dar a demissão é apenas teatro. Precisamos desse teatro?

É claro que o Partido Socialista nunca esperou que Carlos Moedas se demitisse. Este é o mesmo partido que em 2017, com 115 mortos e provas aflitivas de desorganização e imprevidência do Estado, continuou impavidamente no governo. E mortes em incêndios ao nível de 2017 são um caso em que se justifica exigir demissões. A recorrência anual dos fogos impõe ao governo o dever de preparar o país para evitar as suas piores consequências (mortes, cortes de comunicações e de circulação, etc.). É legítimo considerá-lo culpado, para além da genérica “responsabilidade política”, se, tendo tido o devido tempo, falhar nessa missão. Os elevadores não caem regularmente em Lisboa para se aplicar o mesmo raciocínio. Ou melhor: quando um elevador caiu, em 2018, ninguém soube, porque a vereação socialista terá guardado segredo.

Quis-se apenas aproveitar o acidente para abalar Carlos Moedas em véspera de eleições. Mas é racional para um lisboeta decidir o seu voto em função de quem esteve pior ou melhor neste teatrinho? Lisboa, pela dimensão e simbolismo da câmara, é demasiado importante para essa leviandade. Em Lisboa, não estão em causa personalidades, mas as mesmas grandes opções políticas que dividiram o país nas últimas eleições nacionais. Carlos Moedas podia, em toda esta história, ter mostrado mais segurança e menos disponibilidade para o palco televisivo. Durante o seu mandato, talvez também pudesse ter percebido mais cedo que o país e Lisboa estavam a mudar. Mas um candidato nunca deve ser avaliado sem considerar a alternativa. Só Carlos Moedas, devido ao sistema eleitoral, pode evitar que a maior câmara do país caia sob a influência de quem acha que o problema da habitação é haver proprietários privados, que o problema da segurança é haver demasiado policiamento, que controlar as migrações é racismo, ou que a nossa história e as nossas tradições são para ser repudiadas.

Acredita que o elevador da Glória nunca teria caído se estivesse pintado com as cores da Palestina? Porque deve haver na candidatura socialista alternativa a Moedas quem seja capaz de acreditar nisso. Para que haja uma maioria de bom senso e para impedir que Lisboa seja reduzida a uma comuna woke, é possível — e até talvez recomendável — votar em outras listas que não a do PSD e dos seus aliados para a Assembleia Municipal. Mas para a presidência da câmara, só é possível votar em Carlos Moedas.