Ela queria uma casa onde fosse capaz de escrever. É espantoso como os lugares nos incitam ou nos intimidam. A mesma mulher, dependendo do espaço, pode ficar paralisada ou tornar-se uma fonte. Então, buscava casas como se procurasse a própria vida. Sabia o que era escrever na casa errada e como uma casa podia impedir-lhe a progressão dos parágrafos.
Era preciso que, de noite, houvesse silêncio, e de dia se ouvisse o burburinho da rua. Era preciso que a casa não fosse igual a todas as outras, que pudesse ser sua, que pudesse despir-se lá dentro e sentir a nudez da casa de perto.
Entrava em casas, em visita, espiava o resto da vida dos outros, de quarto em quarto, copos de cristal, peças de presépio, toalhas brancas, o relógio de parede com o autocolante — “para o tio Mário” — um roupeiro entreaberto no qual restava uma camisa de cetim azul, que ninguém passara a ferro desde a morte da senhora que ali vivera.
Precisava de se afastar dos mediadores imobiliários, de se afastar do marido com quem tinha ido fazer a visita, e fechar os olhos por uns minutos, deixar que a casa lhe falasse — e tinha de ser à pressa, porque as visitas aos apartamentos tinham os minutos contados. Sabia aquilo que buscava, conhecia como era quando as duas coisas acertavam, a mulher e o apartamento, era-lhe familiar o instante do acordo da casa consigo, cada vez mais raro.
Sonhava acordada: o que seria se pedisse para passar uma tarde sozinha na casa à venda, e deixar-se sondá-la ainda vazia, sentar-se no chão, deitar-se na sala, ouvir os sons da rua de noite, adormecer sem querer e acordar umas horas depois?
Nada lhe parecia tão sério, naquele tempo, quanto a procura, agora que, aos cinquenta anos, comprava uma casa pela primeira vez, aquela onde contava morrer, a casa para a sua escrita, um espaço seu, onde estar enlutada pelos vivos que lhes restavam, à medida que fossem morrendo.
A busca infinita revestia-se de cores que a assustavam. Tudo lhe parecia demasiado definitivo e complicado, da necessidade de obras, à manutenção do prédio, dos procedimentos da escritura à avaliação bancária, queria uma casa que tivesse a sua cara, mas a procura da casa revelava-lhe que não sabia bem como era a sua cara.
(Se as casas eram quase todas iguais, igualmente tristes, teriam todas as pessoas a mesma cara?) Temia isso, descobrir-se como realmente era na cara da casa nova, quando esta estivesse finalmente à sua medida. E se, por hipótese, no fim de contas, não gostasse da sua cara final?
A casa como destino último — mas seria mesmo assim? Procuraria uma casa para viver ou o lugar onde encerrar os seus fantasmas? Escrevia sobre fantasmas, sabia-o, porque andava à procura de casa desde criança.
Não poderia ter a certeza, percorrendo os sete quartos escuros do apartamento à venda por um valor interessante, quem ali tinha vivido, nem porque havia no armário tantos missais e blocos com preces manuscritas, não podia sabê-lo, ao ver de raspão a vizinha do rés-do-chão do prédio e os jovens sisudos que com ela falavam, habitantes do andar de baixo daquele que tinha ido visitar, não poderia ter a certeza, percorrendo ruas onde havia sido triste e feliz, não sabia se ali queria viver, para sabê-lo teria de arriscar.
Na espera da visita a mais um apartamento, saída do café onde tinha ido matar saudades, reencontrando o carteiro, que estava na mesma, diante do veterinário onde costumavam levar o cão quando era vivo, num instante mínimo, fumava um cigarro, sentiu que levava o seu cão ressuscitado, pela trela da mão direita, sentiu que o tinha ido passear pelo bairro, o que a fez por momentos feliz e liberta de tudo o que alguma vez a tinha feito sofrer. E pensou que, para parar a busca, bastava seguir o corpo do seu cão em movimento, porque os cães sabem sempre o caminho de volta a casa.