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(A) :: "Estamos em guerra". Depois de Trump atribuir culpas à "esquerda radical" pela morte de Charlie Kirk, movimento MAGA pede "vingança"

"Estamos em guerra". Depois de Trump atribuir culpas à "esquerda radical" pela morte de Charlie Kirk, movimento MAGA pede "vingança"

Trump culpou a retórica da "esquerda radical" pela morte de Kirk. Logo de seguida, apoiantes do movimento MAGA consideraram que o país já está em guerra e prometem "não recuar nem um centímetro".

António Moura dos Santos
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No rescaldo do assassinato de Charlie Kirk esta quarta-feira, muitas figuras da direita norte-americana prestaram homenagens e partilharam a sua dor pela partida precoce e violenta do ativista conservador de 31 anos, baleando no pescoço enquanto participava num evento público na Universidade Utah Valley.

Ao fim de 24 horas e depois de duas detenções de pessoas que entretanto foram libertadas, as autoridades ainda não encontraram o responsável pelo assassinato nem se sabe quais as suas motivações. O FBI, inclusive, divulgou as imagens do principal suspeito e ofereceu uma recompensa de 100 mil dólares a quem partilhe informações que leve à sua detenção.

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Não obstante as incógnitas à volta do caso, muitas figuras à direita — especialmente as ligadas à extrema-direita e ao movimento Make America Great Again (MAGA) — começaram a apontar o dedo à esquerda, a começar pelo próprio presidente dos EUA, Donald Trump, para quem Charlie Kirk era um dos mais fiéis e notórios aliados.

Durante a madrugada, Trump partilhou uma declaração em vídeo onde culpa a retórica da “esquerda radical” pela morte de Kirk, considerando que é “diretamente responsável pelo terrorismo que vemos hoje no nosso país e precisa parar agora mesmo”, já que “comparou americanos maravilhosos como Charlie a nazis e aos piores assassinos em massa e criminosos do mundo”. “A violência política radical da esquerda feriu muitas pessoas inocentes e tirou muitas vidas”, afirmou, citando ainda como exemplo o atentado de que foi alvo em 2024.

A tónica dada pelo Presidente dos EUA foi acompanhada por alguns dos seus mais conhecidos seguidores e apoiantes, a começar no próprio Congresso dos EUA. Segundo a revista Time, na quarta-feira à noite, era suposto ter sido cumprido um minuto de silêncio no plenário da Câmara dos Representantes por Kirk, cuja morte ainda não tinha sido anunciada. Tal momento foi interrompido por Lauren Boebert, deputada republicana do Colorado, que pediu uma oração em voz alta, dizendo “acredito que orações silenciosas trazem resultados silenciosos”. Face a algumas vaias de representantes democratas — que criticaram o facto de um tiroteio numa escola do Colorado no mesmo dia não ter recebido o mesmo tratamento —, a deputada republicana da Flórida Anna Paulina Luna terá gritado “vocês causaram isto!”.

A culpabilização do partido Democrata pela morte de Kirk partiu também de outros representantes republicanos nas redes sociais, como Marjorie Taylor Greene, que iniciou uma publicação no X com a frase “eles acabaram de disparar sobre Charlie Kirk”. Outro exemplo partiu de Derrick Van Orden, representante eleito pelo Wisconsin, que escreveu “a esquerda e as suas políticas estão a levar os Estados Unidos a uma guerra civil. E é isso que eles querem. Tal como o Partido Democrata quis a nossa primeira guerra civil. Vamos tirar as luvas”.

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Stephen Miller, vice-chefe de gabinete de Trump e um dos seus principais ideólogos, publicou um extenso texto na rede X onde denuncia uma “ideologia que tem vindo a crescer constantemente neste país, que odeia tudo o que é bom, justo e belo e celebra tudo o que é distorcido, perverso e depravado”, considerando que esta “conduz, sempre, inevitável e deliberadamente, à violência”. “Vemos o funcionamento dessa ideologia em todas as publicações online que aplaudem o assassinato maligno que cruelmente roubou a esta nação um dos seus maiores homens”, denunciou ainda.

A sua esposa, Katie Miller, que assumiu várias funções em ambas as administrações Trump, alinhou pela mesma bitola. “É um verdadeiro prazer ver todos esses liberais condenarem a violência política agora. Vocês chamaram-nos Hitler. Vocês chamaram-nos nazis. Vocês chamaram-nos racistas. Vocês têm sangue nas mãos”, apontou. A sua denúncia surge depois de várias figuras democratas, incluindo ex-presidentes, como Barack Obama ou Joe Biden, terem lamentado publicamente a morte de Kirk e condenado o ato de violência política.

Já Ed Martin, procurador responsável pelos pedidos de perdão apontado por Trump, limitou-se a partilhar uma passagem bíblica truncada. “Porque está escrito: ‘A vingança é minha, eu retribuirei’, diz o Senhor. Romanos 12:19”, escreveu, não incluindo a frase que precede estas palavras: “Meus amados, não façam justiça com as próprias mãos, mas deem lugar à ira de Deus”.

Os apelos à guerra e os pedidos de vingança

Ainda antes de Donald Trump fazer a sua declaração a sinalizar a culpa do atentado como da esquerda norte-americana, alguns ativistas e influencers MAGA já tinham iniciado invectivas a apontar o dedo aos seus adversários políticos.

“Estamos em guerra”, afirmou Alex Jones numa livestream. Teórico da conspiração de extrema direita e apresentador do famoso programa Infowars, Jones apontou para o “deep state democrata” como responsável pelo ataque. “A esquerda tem dito ‘coloquem um alvo no Trump, coloquem um alvo nos seus apoiantes’. Eles têm apelado à violência”, alertou.

“Temos de ter uma determinação de ferro. Charlie Kirk é uma vítima de guerra. Estamos em guerra neste país. Estamos mesmo”, disse, por seu lado, Steve Bannon, no seu programa War Room. “Não vamos recuar nem um centímetro. Se pretendes recuar, então isto não é para ti. Charlie Kirk deu a vida pelo seu país, ele está no campo de batalha do combate político, certo? E eles abateram-no com uma bala de assassino”, continuou o ex-conselheiro de Trump.

Ao seu lado, Jack Posobiec, figura de destaque na extrema-direita norte-americana, foi ainda mais longe, prometendo uma reação violenta. “Nunca haverá outro Charlie Kirk. Mas sabes o que mais vai acontecer? Nunca mais haverá outro assassino para eliminar alguém da maneira como eles fizeram, por causa do que virá a seguir. Porque o que virá a seguir será rápido, será imediato e será uma retribuição”, avisou.

A inflamação do discurso, de resto, não se circunscreveu a programas online ou de nicho, tendo Jesse Watters, pivô da Fox News, feito afirmações semelhantes em horário nobre. “Está a acontecer. Temos atiradores transgénero, temos motins em Los Angeles. Eles estão em guerra connosco. Quer queiramos ou não, eles estão em guerra connosco. E o que vamos fazer a respeito disso? Quanta violência política vamos tolerar? E essa é a pergunta que temos de nos fazer. Estamos fartos, estamos tristes, estamos zangados e estamos decididos. E vamos vingar a morte do Charlie da forma que o Charlie queria ser vingado”, declarou.

“Se eles não nos deixarem em paz, então a nossa escolha é lutar ou morrer”, publicou Elon Musk na sua rede social, tendo noutra instância escrito explicitamente que “a esquerda é o lado dos assassinatos“. “Estamos a enfrentar forças demoníacas vindas do inferno. Isto é existencial. Uma luta pela nossa própria existência e pela existência do nosso país”, afirmou, por seu lado, o podcaster Matt Walsh, que noutra publicação partilhou: “A esquerda quer-nos mortos. Essa é a opinião dominante. É assim mesmo. É a verdade. Eles não poderiam ser mais claros sobre isso. Parem de mentir a vós mesmos”.

Outras figuras MAGA foram ainda mais longe e pediram explicitamente para que o estado norte-americano vise diretamente associações e grupos de esquerda, como Laura Loomer. “É hora do governo Trump fechar, cortar o financiamento e processar todas as organizações de esquerda”, escreveu.

“O assassinato de Charlie Kirk é o incêndio do Reichstag americano. É hora de uma repressão total à esquerda”, sugeriu o ativista de extrema-direita e supremacista branco Matt Formey, aludindo ao ataque incendiário ao edifício do parlamento alemão por um comunista holandês em 1933 e que Adolf Hitler usou como pretexto para reprimir os comunistas na Alemanha Nazi. “Todos os políticos democratas devem ser presos e o partido banido sob a lei RICO. Todos os comentadores liberais devem ser silenciados”, pediu ainda, referindo-se à lei destinada a combater o crime organizado.

O assassinato de Kirk está ainda a ser utilizado como pretexto para reformar milícias armadas como os Oath Keepers. De acordo com a revista Wired, em declarações a Alex Jones no Infowars, Stewart Rhodes, cuja sentença por conspiração sediciosa em relação ao motim de 6 de janeiro no Capitólio foi comutada por Trump no início deste ano, anunciou que era hora de reiniciar o seu grupo miliciano para fornecer proteção pública a figuras como Kirk.