O Elevador da Glória descarrilou e matou 16 pessoas. Os mortos são o espelho de uma Lisboa internacionalizada pelo turismo e não só. A par de 5 portugueses, morreram pessoas de 7 nacionalidades desde o Canadá até à Coreia do Sul e à Ucrânia. Isso ajuda a explicar a grande atenção ao caso, durante alguns dias, na imprensa de todo mundo. Além de se procurar aliviar o sofrimento dos feridos e a dor dos familiares dos mortos, bem como de os compensar, precisamos de esclarecimentos céleres e rigorosos, que permitam avançar com medidas que garantam que será possível evitar que isto se repita, seja em Lisboa, seja noutras partes do país.
O que mais se pode dizer sobre o caso? Alguma coisa do ponto de vista da política interna e também da imagem global do país.
Não devíamos misturar política com um acidente deste tipo? Se há questões profundamente políticas são as de vida ou de morte. Não há maior dever do Estado do que proteger a vida dos cidadãos. Garantir uma melhor defesa contra ameaças e riscos é a razão de ser da criação de qualquer comunidade política. Falhanços nessa missão podem ter uma razão técnica, mas são profundamente políticos. Isso é diferente de um aproveito populista da desgraça alheia, porém, até por isso, este não pode ser um tema tabu. Na era das teorias da conspiração alimentadas pelas redes sociais isso só incitaria suspeitas pouco saudáveis.
A grande questão do momento parece ser se alguém se devia demitir? Não tenho resposta taxativa. Há argumentos para defender uma resposta negativa, por exemplo, por regra os mais altos responsáveis não tomam decisões técnicas e importa haver quem conheça os dossiers. Também há argumentos para defender que sim, nomeadamente, estas funções de direção não são um emprego para a vida e evita-se suspeitas de interferência no apuramento do que correu mal. O fundamental, para mim, é que os responsáveis mostrem capacidade de resposta em tempo útil, com eficácia, e que não haja razões para suspeitar falta de rigor no apuramento de responsabilidades ou para duvidar da credibilidade das mudanças a introduzir. Seria talvez bom que, entretanto, os políticos refletissem sobre o facto de gestos populistas na oposição muitas vezes se tornarem num problema de (in)coerência quando se chega ao poder.
Para já é possível dizer que foi prudente suspender o funcionamento de todos os equipamentos semelhantes. Sobretudo porque tivemos a informação – arrepiante – de que o elevador tinha sido inspecionado na manhã do acidente sem que nada de anormal tivesse sido detetado. Claramente também será indispensável rever a forma como é feita a manutenção e a inspeção, sobretudo, mas não só, deste tipo de equipamentos mais antigos e mais icónicos, em Lisboa e no resto do país. É igualmente evidente que o inquérito e as mudanças de fundo necessárias não podem ficar para as calendas. Manter infraestruturas de qualidade é a tarefa mais importante do Estado, seja para a segurança ou para a economia nacionais.
Ocupo-me sobretudo de política internacional, por isso é inevitável refletir sobre o impacto destas mortes evitáveis na imagem externa da cidade e do país. Portugal beneficia com o facto de ser visto com um dos países mais seguros do Mundo (pela elevada produtividade ou baixa carga fiscal não será). O país está de forma recorrente no top 10 do Global Peace Index: em 2025 em 7º lugar no Mundo, acima da Dinamarca e abaixo de Singapura. Ou seja, somos reconhecidos como um dos países com níveis mais baixos de violência armada em todo o Mundo. Isso é parte de uma imagem de marca de Portugal como muito seguro, uma mais-valia fundamental para captar investimentos e turistas.
É sabido que temos a tendência para exagerar o impacto futuro de uma tragédia mortal que acabámos de testemunhar. Vimos grandes crises de turismo e de investimento sobretudo em países a braços com guerras prolongadas e imprevisíveis, bem como com vagas muito intensas de terrorismo, e sobretudo quando ataca frequente e deliberadamente estrangeiros, como foi o caso, em décadas recentes da Tunísia ou da Indonésia. Mesmo nesses casos foi possível recuperarem ao fim de alguns anos e a partir do momento em que a situação foi vista como resolvida.
Se o desastre do Elevador da Glória for um caso isolado não deverá ter um grande impacto na atratividade externa de Portugal. Até porque duvido que continue a haver uma grande atenção na imprensa internacional ao caso. Infelizmente não faltam novas tragédias sangrentas todos os dias pelo Mundo fora. Mas isto significa que a manutenção deste tipo de equipamentos – em Lisboa e no resto do país – não pode falhar. Não há campanhas publicitárias milionárias que substituam essa tarefa fundamental para a segurança de todos, para a saúde da nossa economia e para a nossa boa imagem internacional.
Por fim, temos de decidir se vamos usar mais turismo para garantir que este gera não apenas mais rendimentos para alguns, mas mais qualidade de vida para todos. Se optarmos pela segunda hipótese isso implica uma ação estatal mais eficaz. Supostamente, com exceção dos anarquistas, todos queremos um melhor Estado, mais eficiente. Por exemplo, em Lisboa, isso implica lidar com transportes públicos envelhecidos, mas também com o caos no aeroporto ou no trânsito, com carros parados em segunda fila a fazer cargas e descargas em plena hora de ponta. Lidar com o descontrolo na recolha do lixo. Lidar com a ineficácia das medidas para impedir níveis inaceitáveis de ruído na rua, durante a noite, em cada vez mais zonas. Certamente não será o mercado a resolver esses problemas, e seremos todos a pagar essas externalidades negativas. Se quisermos muitos turistas à procura de cerveja barata provavelmente continuaremos a ter. Se quisermos mais turismo de qualidade, que traga mais-valias significativas, então temos de investir mais, fazer respeitar regras claras e básicas, e até cobrar mais aos turistas, começando pela taxa turística. Espero que este episódio trágico sirva de alerta para a urgência de se mudar de rumo, em Lisboa e no resto deste “país do turismo”, não com mudanças “para inglês ver”, mas com mudanças de fundo para o bem de todos.