A semana passada, a China recebeu uma parada comemorativa do final da Segunda Guerra Mundial. Ao lado de Xi Jinping, estavam Vladimir Putin, Kim Jong-un e Narendra Modi. Uma parte do mundo assistiu de boca aberta. E, no próximo Domingo, o Papa vai presidir a uma oração anunciada como “Comemoração dos mártires e testemunhas da fé do séc. XXI”. À primeira vista, entre ambas as circunstâncias não há semelhanças, mas não é bem assim: grande parte dos líderes que festejaram, em Pequim, o fim da Segunda Guerra Mundial governa países onde hoje a liberdade religiosa é restringida e onde os cristãos vivem, frequentemente, sob perseguição.
Na China, cruzes são retiradas de templos, igrejas são vigiadas, padres e bispos permanecem detidos e estes últimos, num polémico acordo entre o Vaticano e o estado chinês, necessitam de autorização do governo para serem nomeados. Na Índia, de Narendra Modi, as estatísticas são brutais: só em 2025, no estado de Manipur, centenas de igrejas foram destruídas e milhares de cristãos expulsos das suas aldeias. Na Coreia do Norte, de Kim Jong-un, a perseguição é absoluta: praticar o cristianismo é crime contra o Estado. Na Rússia, de Putin, o controlo não é menor: igrejas fora da órbita da Igreja Ortodoxa russa são perseguidas, missionários são expulsos e comunidades cristãs minoritárias são tratadas como braços do “inimigo ocidental”.
A lista é ainda maior. Em Cabo Delgado, Moçambique, aldeias cristãs foram devastadas por insurgentes ligados ao Estado Islâmico. Só no verão de 2025, mais de 46 mil pessoas foram deslocadas, muitas delas cristãs, fugindo de casas queimadas e de decapitações. Na Nigéria, relatórios internacionais apontam para mais de sete mil cristãos assassinados apenas nos primeiros meses de 2025. Na Síria, em junho, um bombista suicida entrou numa igreja grego-ortodoxa, em Damasco, durante a missa. O resultado: 22 mortos e dezenas de feridos. Na Nicarágua, o regime de Daniel Ortega mantém bispos na prisão, expulsa congregações religiosas e silencia rádios católicas. E podíamos continuar pelo Egipto, o México, o Sudão, a Indonésia, a Republica Centro Africana, ou o Haiti onde muitas paróquias da arquidiocese de Port-au-Prince estão fechadas ou parcialmente operacionais, porque os bairros ou zonas onde elas se encontram passaram para domínio de gangues.
Ora, apesar de a ONU e organizações como a UNICEF ou o Programa Alimentar Mundial estarem presentes no terreno a verdade é que os meios disponíveis ficam muito aquém das necessidades. Em Moçambique, na Nigéria ou no Haiti, os planos humanitários de 2025 começaram com apenas 17 a 19% de financiamento, e no caso haitiano não chegaram sequer a 10%. Nas regiões onde a violência atinge diretamente comunidades cristãs, a resposta não cobre mais do que os “mínimos vitais”, quando não obriga ao fecho de programas inteiros, como aconteceu na Nigéria. Também nos media europeus esta realidade é tratada de forma desigual. Alguns casos chegam a ser noticiados, mas quase sempre como flashes episódicos, sem continuidade proporcional à dimensão humanitária.
Quando a repressão religiosa coincide com geografias que não são estratégicas, o sofrimento tende a ser descartado como “colateral”. O drama de aldeias incendiadas em Cabo Delgado, das igrejas esventradas no Sudão ou das paróquias fechadas no Haiti não pesam nas mesas de Bruxelas ou Nova Iorque. A invisibilidade mediática é, no fundo, o reflexo da invisibilidade diplomática: fala-se de direitos humanos enquanto abstração, mas cala-se quando esses direitos são esmagados em territórios considerados marginais. O que está em causa não é apenas a liberdade de culto, mas a credibilidade de um sistema internacional que se diz baseado em valores universais e que, diante da perseguição de milhões, reage com desatenção burocrática ou silêncio. Na Europa do século XXI, falamos de diversidade, de tolerância, de pluralismo, mas diversidade termina onde acaba o nosso próprio interesse.
Pode parecer uma contradição, mas isto não é apenas como um problema moral ou humanitário, mas como um sintoma de disputas de poder mais vastas. Regimes autoritários utilizam a religião como ferramenta de controlo social e de legitimação política: sufocam comunidades que possam criar identidades paralelas ao Estado, reprimem igrejas para limitar redes de solidariedade independentes e manipulam símbolos religiosos para reforçar a narrativa nacional. Assim, a repressão aos cristãos na China, na Índia ou na Rússia não é apenas intolerância espiritual, mas parte de uma estratégia para centralizar soberania, consolidar regimes e moldar alianças externas. Não se trata apenas de um problema religioso, mas de prioridades políticas e culturais. E, a verdade, é que o Cristianismo, muito especial o catolicismo, é um perigo para as diversas tentativas totalitárias; algo que autocratas e demagogos não podem sequer sonhar permitir.
Falamos recorrentemente das ameaças às democracias. Esquecemo-nos que a Igreja é das grandes ameaças às novas tiranias.