(c) 2023 am|dev

(A) :: Acabaram os cortes de juros, confirma o BCE, que promete socorrer França nos mercados "se for necessário"

Acabaram os cortes de juros, confirma o BCE, que promete socorrer França nos mercados "se for necessário"

Christine Lagarde tenta manter opções em aberto mas dá a maior confirmação, até agora, de que, a menos que haja imprevistos, a taxa de juro não irá baixar para um nível inferior aos atuais 2%.

Edgar Caetano
text

A taxa de inflação “está onde queremos que ela esteja” e “o processo desinflacionista [dos últimos trimestres] terminou“, afirmou neste quinta-feira Christine Lagarde, sinalizando claramente que, a menos que surjam imprevistos, a taxa de juro não irá baixar para menos do que atuais 2%. Embora tenha procurado manter as opções em aberto, a presidente do BCE deu a maior confirmação, até agora, de que terminou o ciclo de descidas das taxas de juro iniciado em junho de 2024 – e avisou possíveis especuladores contra a dívida francesa de que o banco central poderá intervir nos mercados de dívida, “se for necessário”.

Além de passar uma mensagem de serenidade em relação às pressões inflacionistas, a presidente do BCE também se mostrou, na conferência de imprensa após a reunião do Conselho do BCE desta quinta-feira, invulgarmente otimista em relação à evolução da economia – mais um fator que torna improváveis novas descidas dos juros nos próximos tempos.

Os indicadores avançados acerca da atividade na indústria e nos serviços continuam a indicar que estes setores estão a crescer, “sinalizando algum ímpeto positivo” na economia europeia, afirmou Christine Lagarde. Nota-se algum “esmorecimento” no mercado de trabalho mas ele continua numa situação “robusta” e “sólida”.

Reunião do BCE terá sido a última em que participou Mário Centeno

Esta reunião do Conselho do BCE, em Frankfurt, terá sido a última em que participou Mário Centeno como governador do Banco de Portugal.

O próximo encontro do Conselho está marcado para 30 de outubro, na cidade italiana de Florença. E, nessa altura, é previsível que Álvaro Santos Pereira já seja o novo representante do Banco de Portugal no conselho.

O Álvaro dos pastéis de nata que é “independente” e escreve romances vai ser governador do Banco de Portugal

O ex-economista da OCDE e ministro da Economia deverá ser ouvido no parlamento na próxima quarta-feira, antes da tomada de posse oficial como próximo governador do Banco de Portugal.

As novas projeções macroeconómicas, que o BCE atualiza trimestralmente, suportam o maior otimismo: os economistas do BCE melhoraram as previsões de crescimento da economia da zona euro em 2025 – passa a ser previsto um crescimento de 1,2%, bastante acima dos 0,9% previstos em junho.

Já o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) em 2026 foi revisto ligeiramente em baixa, para 1%, e a previsão para 2027 manteve-se inalterada em 1,3%. Quanto à evolução dos preços, o BCE passou a prever que a taxa de inflação em 2025 será de 2,1% em 2025, uma décima mais do que o previsto em junho (2%). Depois, em 2026, a previsão é que a inflação baixe para 1,7% (1,6% era a anterior previsão).

Tudo isto são indicadores que não só suportam a decisão desta quinta-feira de manter inalteradas as taxas de juro mas, também, levam a crer que o BCE vai manter tudo na mesma nos próximos tempos.

Juros podem manter-se em 2% até ao final de 2026, admite analista

“Já se sabia, à partida, que o BCE não iria cortar as suas taxas de juro diretoras na reunião desta quinta-feira”, refere Jörg Krämer, economista do alemão Commerzbank, em nota de reação à decisão e à conferência de imprensa desta quinta-feira. O especialista salienta que, “no entanto, com vista aos próximos meses, existia alguma esperança nos mercados de futuros de taxas de juro que poderia haver mais um último corte das taxas” até ao final do ano – mas “a presidente do BCE, Christine Lagarde, matou essas expectativas” nesta quinta-feira.

Em concreto, Jörg Krämer nota que “o BCE deixou de falar em ‘riscos [predominantemente] negativos’ para o crescimento, mas sim em riscos ‘mais equilibrados‘”. Esta é uma descrição que confirma que, para o banco central, é adequado o atual nível de juros porque se acredita que este tem um efeito neutral sobre a economia – nem a restringe (com juros mais elevados) nem procura estimulá-la (com juros mais baixos).

Os analistas do holandês Rabobank têm a mesma opinião: “Lagarde não anunciou explicitamente o fim do ciclo de cortes, mas o resumo que fez do debate no conselho indica que o BCE, essencialmente, concluiu esse trabalho, a menos que se materialize uma surpresa negativa significativa”.

No mesmo sentido, assinala Filipe Garcia, economista do IMF – Informação de Mercados Financeiros, “Lagarde disse taxativamente que o processo de desinflação terminou, o que implica que o ciclo de corte de taxas de juro também já chegou ao fim“. Isto, sublinha o especialista, “não é uma surpresa, mas foi agora confirmado pelo próprio BCE”.

E, assim, perante esta orientação dada aos investidores pelo BCE, “o mercado desconta taxas inalteradas nos próximos meses e, provavelmente, ao longo de 2026″, admite Filipe Garcia.

O economista do IMF – Informação de Mercados Financeiros salienta, também, que Lagarde pareceu dar a entender que ficou satisfeita com o acordo comercial obtido pela Europa com a administração Trump.

“Lagarde comentou que, apesar de haver riscos, o acordo comercial da UE com os EUA traduz-se numa diminuição da incerteza“, salienta Filipe Garcia, embora a francesa tenha dito que a incerteza no comércio externo é um dos principais que podem tolher a atividade económica na zona euro nos próximos trimestres.

A presidente do BCE mostrou-se preocupada com os riscos no comércio externo para a inflação – tanto no sentido de poder baixá-la demasiado como fazê-la subir. Por outro lado, embora possam ter um impacto positivo na economia, os planos de investimentos em defesa e infraestruturas podem fazer subir a inflação, admitiu.

“É crucial tornar mais robusta e produtiva a economia europeia, tendo em conta a indefinição geopolítica”, afirmou Lagarde, recomendando aos Governos que avancem na aplicação das recomendações do Relatório Draghi.

BCE avisa especuladores que poderá socorrer França “se for necessário”

Numa reunião do Conselho do BCE que ocorreu três dias depois da queda do Governo em França, Christine Lagarde – também ela francesa e ex-ministra das Finanças do país – já sabia que iria ser questionada pelos jornalistas acerca do impasse orçamental e da crise política. A resposta, como seria previsível, começou com o disclaimer habitual: o BCE é um organismo supranacional e não deve fazer comentários sobre situações particulares deste ou daquele estado-membro.

Porém, a presidente da autoridade monetária disse-se “confiante de que os países, todos eles, vão querer respeitar as regras orçamentais” – isto numa fase em que França está a ter dificuldades em aprovar um orçamento do Estado que reduza os níveis de endividamento público, que se aproxima de 115% do PIB anual.

“Estou confiante de que os responsáveis políticos vão querer reduzir a incerteza o mais possível”, referiu Christine Lagarde, insistindo que “há um conjunto de regras orçamentais que são as regras que os países têm de respeitar” e que “todos os governos, estejam onde estiverem, quererão operar de acordo com essas regras”.

A reação dos mercados de dívida pública soberana à incerteza em França tem sido relativamente contida – e Lagarde sublinhou isso mesmo: “neste momento, os mercados de dívida soberana europeia estão a funcionar de forma ordenada e fluída, como boa liquidez”. Porém, é notório que as taxas de juro de França estão a registar um agravamento consistente, atingindo os 3,6% no prazo a 10 anos (Portugal tem menos de 3,1%).

Estamos sempre a monitorizar os desenvolvimentos dos mercados“, sublinhou a presidente do BCE, sustentando que a estabilidade financeira é uma condição essencial para “assegurar uma boa transmissão da política monetária”.

Por outras palavras, episódios passados, designadamente na crise das dívidas soberanas, mostraram que em momentos de instabilidade em torno de um ou mais emitentes de dívida soberana pode gerar-se uma perturbação nos mercados financeiros capaz de reduzir a eficácia da política monetária do BCE – ou seja, fazendo com que as decisões tomadas pelo banco central não produzam os efeitos desejados com a intensidade pretendida.

Nesse contexto, disse Lagarde, o BCE está “convencidos de que temos todos os instrumentos para, se necessário, intervir caso essa transmissão não seja eficiente em toda a zona euro”. Em concreto, está a falar-se do Instrumento de Proteção da Transmissão (Transmission Protection Instrument, ou TPI) e da possibilidade de ele ser usado para combater quaisquer “perturbações indesejáveis” nos mercados financeiros.

https://observador.pt/2025/09/10/novo-primeiro-ministro-frances-promete-mudancas-profundas-para-tirar-a-franca-da-crise/

Este é um instrumento que está disponível desde há cerca de um ano para intervir nos mercados com a compra de dívida pública, para combater um agravamento significativo dos juros de um país. O banco central tem vindo a comprar cada vez menos dívida pública dos países, ao longo dos últimos anos, mas este é um programa que nunca foi usado, na prática, mas que pode entrar em cena se o BCE assim entender, comprando dívida dos países e evitando (ou limitando) a desvalorização do preço dessas obrigações (e a consequente dilatação dos respetivos juros implícitos).

Além de fazer essa referência em viva voz, o BCE colocou essa ideia logo no comunicado oficial divulgado meia hora antes da conferência de imprensa – num aviso claro aos investidores de que aqueles que tentarem apostar contra os preços da dívida francesa podem ser apanhados em contra-pé pela intervenção do banco central com a compra dessa mesma dívida (fazendo subir os preços dessas obrigações e gerando perdas potencialmente elevadas aos investidores que tiverem apostado na queda dos preços).

“Lagarde afirmou que o mercado obrigacionista está a funcionar de forma ordeira, com liquidez e spreads [prémios de risco] apertados. Portanto, o BCE está tranquilo… até que o mercado deixe de estar!”, salienta Filipe Garcia.