Não havia como ficar a meio da ponte. Pelo menos, foi isso que pensou a equipa de Carlos Moedas. Quando o presidente da Câmara Municipal de Lisboa aceitou dar a primeira entrevista depois do acidente no Elevador da Glória, tinha duas hipóteses: escolher a pose institucional e ignorar os ataques políticos; ou carregar contra os adversários e radicalizar o discurso. Escolheu a última opção sabendo que, com umas eleições autárquicas à porta, não podia continuar a ser queimado em lume brando e tinha de assumir as despesas do combate político. O objetivo foi e é claro: partir o debate a meio e transformá-lo numa discussão entre os apoiantes de Carlos Moedas e os apoiantes de Alexandre Leitão.
A estratégia, reconhecem as pessoas mais próximas do presidente da Câmara de Lisboa, não está isenta de riscos. E presta-se a erros, como foi o caso da utilização da expressão “sicários“, que não estava no guião preparado para aquela entrevista na SIC, e a referência a Jorge Coelho, que também não foi particularmente feliz e obrigou Carlos Moedas a ensaiar uma espécie de retractação três dias depois, na Assembleia Municipal de Lisboa. Mas, no essencial, os quatros momentos de comunicação com direito a contraditório — entrevista à SIC, reunião da Câmara, ida à CMTV e Assembleia Municipal — foram usados para tentar servir os propósitos da equipa de Moedas: delimitar claramente as trincheiras do debate político e torná-lo mais emocional.
No núcleo próximo de Moedas, a sondagem do ISCTE para o grupo Impresa, publicada em julho, continua bem presente: apesar de superar a adversária direta em todos os indicadores (quantitativos e qualitativos), o eleitorado que se posicionava contra o atual autarca aparecia mais mobilizado, com 84% dos eleitores de Alexandra Leitão a darem a “certeza” de que iriam votar. À direita, a fasquia caía para a casa dos 77%, o que indicia que os eleitores potenciais de Moedas estão (ou estavam) menos empenhados na reeleição do autarca — ou até desencantados com a governação dos últimos quatro anos.
Ora, a tragédia do Elevador da Glória e a forma como o autarca geriu politicamente o caso tiveram o efeito natural de reforçar o ânimo da frente anti-Moedas. E é aqui que entra o dilema em que mergulhou a equipa do presidente da Câmara Municipal: uma reação não musculada poderia desiludir os tiffosi; carregar politicamente contra Alexandra Leitão poderia ser mal interpretado pelo centro moderado. Moedas escolheu o segundo caminho para animar as tropas da coligação e insistir na ideia de que Leitão é uma radical ao serviço da extrema-esquerda.
No fundo, o que Moedas tentou fazer foi passar a imagem de um líder que, cercado pelos adversários, decidiu que não podia ficar calado. “Estive quatro dias a ser atacado no meu carácter por máquinas políticas que querem ganhar votos e politizar uma tragédia desta dimensão. Reconheço que utilizei palavras fortes, mas elas não mudam o que aconteceu. Sou um moderado assertivo. Aqueles que vão para os extremos gostam de moderados fofinhos. Não sou um moderado fofinho. Tenho de me defender e tenho de o fazer com palavras fortes”, sintetizou o mesmo Carlos Moedas em entrevista à CMTV.
Segundo os primeiros sinais recebidos pela equipa de Carlos Moedas, com base em dados qualitativos, as entrevistas — em particular a da SIC — produziram o efeito pretendido. A forma como o presidente da Câmara Municipal de Lisboa reagiu foi particularmente elogiada pelos potenciais eleitores da coligação e, no terreno, as estruturas do PSD e do CDS sentiram o toque a rebate — a IL ainda é um corpo estranho, embora se tenha colocado ao lado de Moedas. O facto de, à direita, o Chega ter apresentado uma moção de censura inconsequente também ajudou a reforçar o sentimento de união em torno do atual presidente da Câmara.
O exemplo da Spinumviva
O ataque de Carlos Moedas a Alexandra Leitão e a referência a Jorge Coelho irritaram muito os socialistas, como foi público e notório. Mas a candidata está apostada em travar a subida de tom. Dentro do PS/Lisboa, como explicava o Observador, receiam-se os efeitos de uma campanha que acabe afunilada na questão do elevador. “Seria um erro crasso”, assumia um socialista, fazendo a comparação possível com o uso do caso Spinumviva na campanha das legislativas e o resultado que isso deu.
O mesmo socialista dizia, de resto, que o acidente “até pode desmobilizar algum do eleitorado de direita”, mas o PS só irá “buscar esses votos se conseguir demonstrar que é mais credível para governar”. “Para mobilizar a sua base de apoio, o PS tem de sinalizar que Moedas é um mau presidente e apresentar o seu projeto”, reforçava outro elemento do partido, sugerindo que os socialistas não devem cair na tentação de transformar a próxima corrida eleitoral numa campanha negativa.
Ora, a equipa de Carlos Moedas está a preparar-se para qualquer que seja a abordagem política de Alexandra Leitão, mas desconfia que a socialista não conseguirá resistir em utilizar o Elevador da Glória como arma de arremesso político. Nesse caso, o autarca apostará tudo no facto de ser o presidente em exercício — em momentos como estes, o estatuto de incumbente favorece tradicionalmente quem aparece no terreno com o fato de líder capaz de acorrer e responder aos problemas. Por isso é que, apesar das críticas que tem recebido, Moedas tem procurado, repetidamente, colocar-se no centro da tragédia: para recordar aos lisboetas que esteve lá desde o primeiro minuto.
Além disso, e como aconteceu com a Spinumviva e as eleições legislativas, a perceção do núcleo duro de Moedas não está muito distante do entendimento da equipa de Alexandra Leitão: se os ataques dos socialistas passarem uma determinada fronteira, será fácil convencer os eleitores de que está em curso um ataque ad hominem. Mas aplica-se o mesmo a Carlos Moedas: se a vitimização soar a falso, acabará penalizado. Caminham os dois no fio do arame.
https://observador.pt/especiais/moedas-irrita-socialistas-leitao-tenta-travar-pedido-de-demissao/