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Fernando Alexandre: “Estou aqui para fazer. Se não, volto para Braga”

Em entrevista, Fernando Alexandre fala sobre o arranque do ano letivo, defende-se das críticas dos agentes do setor e deixa uma garantia: se não conseguir reformar a Educação volta para Braga.

Carla Jorge de Carvalho
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Mariana Marques Tiago
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Miguel Santos Carrapatoso
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João Porfírio
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Reconhece que os números de alunos sem aulas “não são fiáveis”, lamenta que alguns sindicatos usem dados incorretos para causar mau nome à escola pública, mas garante que, neste momento, o problema é mais regional e concentrado em Lisboa, Setúbal e Sul do país do que exatamente estrutural. Ainda assim deixa uma promessa: no próximo ano letivo, o Ministério da Educação será capaz de avançar com números certificados. E se falhar, retirará consequências? “Eu assumo sempre as minhas responsabilidades”, promete.

Em entrevista ao Observador, no dia em que arranca oficialmente o novo ano letivo, Fernando Alexandre fala das dificuldades na colocação de professores, mas também sobre o que perspetiva para o futuro da carreira docente, nomeadamente a revisão das regras de avaliação (que terão de passar a considerar de alguma forma o desempenho dos alunos) e uma maior autonomia das escolas para contratar professores — princípio que motivou sempre uma grande oposição por parte dos sindicatos.

Nesta entrevista, o Ministro da Educação não foge também aos temas mais divisivos. Assume que o descongelamento das propinas é uma questão ideológica, garante que “a identidade de género está praticamente excluída da disciplina de Cidadania” e fala sobre a última polémica em que se viu envolvido: as alegadas pressões sobre o reitor da Universidade do Porto. Neste último ponto, Fernando Alexandre sugere que António de Sousa Pereira terá de explicar porque é que recuperou um assunto que estava encerrado a 21 de agosto e que, se os estudantes lesados avançarem para a Justiça, será a Universidade do Porto em responder em tribunal.

Organização dos sistemas do Ministério “não faz sentido nenhum”

Disse que os professores estão todos colocados em 98% ou 99% das escolas e que os alunos vão ter aulas a todas as disciplinas. Mas também afirmou que os números do Ministério da Educação não são fiáveis. Sabe dizer com exatidão quantos alunos é que vão começar as aulas sem um professor a pelo menos uma disciplina?
Uma auditoria concluída em junho comprova o que fiquei a saber por experiência própria: os números do Ministério não são fiáveis. De qualquer maneira, sabemos como é que as coisas funcionam. Quando começamos a medir o número de alunos sem aulas, o nosso foco é perceber qual é o número de alunos sem aulas durante períodos muito prolongados. E não conseguimos identificar exatamente esses alunos de uma forma sistemática, mas estamos a falar de uma população muito grande, de mais de 120.000 professores. É natural que nessa população em que milhares se reformam, em que uma percentagem elevadíssima tem mais de 50 anos, haja muitas baixas, haja gravidezes… Durante o ano letivo, há muitos professores a terem que ser substituídos. Quando eu digo que de uma forma geral não temos um problema de alunos sem aulas que prejudique as aprendizagens, estou a dizer que o problema é muito localizado. Quase todas as estatísticas que uso vão dar ao mesmo ponto: 40% das situações associadas a alunos sem aulas estão na Grande Lisboa, 10% estão em Setúbal. Ou seja, metade…

Mas é também onde há mais alunos.
Não. O Norte é a região com mais alunos e há faltas, mas os pais sabem que, de uma maneira geral, quando deixam os filhos na escola, vão ter aulas em todas as disciplinas.

Há uma diferença entre estar na sala de aula e estar a ter aprendizagem.
Temos cerca de 20.000 professores profissionalizados na região Norte que não estão colocados. Não estão é disponíveis para vir para o Sul. A mensagem que é fundamental transmitir às famílias portuguesas é que a escola pública em Portugal, tirando casos que estão localizados, garante aulas a todos os alunos, a todas as disciplinas. Vou a uma escola marcar o início do ano letivo em Mem Martins, à Escola Básica Ferreira de Castro, e o diretor diz-me que tem cerca de meia dúzia de horários por preencher que podem ficar tratados esta semana. Mas também me garantiu que todos os alunos estão a ter aulas com os instrumentos que nós demos das horas extraordinárias, que os bons diretores sabem usar.

Disse recentemente que os dados usados em Portugal servem para causar um “mau nome à escola pública” e referiu-se em concreto aos sindicatos. Estão a causar um mau nome à escola pública?
Não são todos os sindicatos. Acho que toda a gente nos últimos anos acabou por contribuir para isso. Eu próprio, quando cheguei ao Ministério, dei os números por fiáveis. Toda a gente os usa há muitos anos e, de facto, aquilo que se verificou é que não são fiáveis.

E quando é que vão passar a sê-lo?
Temos sistemas de informação que estão a funcionar, que fazem a colocação dos professores e nós não substituímos isso de um dia para outro. Um sistema informático que está a fazer colocação de professores, não posso parar isso.

Mas disse-nos que seria este ano letivo.
Apesar de tudo, as mais de 300 aplicações que produzem imensa informação que não é consistente muitas vezes, cumprem uma função. Se forem utilizadas devidamente — e a auditoria da KPMG deu pistas nesse sentido — onde nós vamos medir os alunos sem aulas é na sala de aula a partir do sumário. É aí que tudo acontece.

Se isto falhar e se não conseguir dar números, vai assumir responsabilidades políticas por isso?
Este ano temos que ter esse sistema a funcionar. Garanto que vamos ter. E assumo sempre as minhas responsabilidades. E o objetivo em dois anos é termos toda uma reconfiguração dos nossos sistemas de informação, associada à grande reforma que estamos a fazer. Temos neste momento três entidades que gerem recursos humanos. Uma identifica necessidades, a outra contrata, a outra paga e dão números diferentes, quando em qualquer departamento de recursos humanos numa empresa, quem contrata sabe a quem é que está a pagar. Isto não faz sentido nenhum e o que vamos ter é uma agência para a gestão do sistema educativo que vai ter um novo sistema de informação integrado e em que este tipo de erros vão deixar de existir. Mas temos que fazer contratação pública e é preciso construir o sistema.

"Há quem me acuse de ser rápido. Mas acho que não há reformas sem rapidez. Reformas em Portugal são difíceis. As pessoas não estão habituadas, estão habituadas a gerir a vida como habitualmente. É uma frase que se diz desde o Estado Novo"

“Queremos reforçar a autonomia das escolas”

Em 2024, indicou que o modelo de contratação de professores tinha de acabar. Quando vai haver essa reforma?
O modelo de contratação não pode ser interrompido da forma que existe. A sua revisão vai estar associada à revisão do Estatuto da Carreira Docente, que será retomada no final de setembro. A negociação decorrerá até ao final deste ano e durante 2026. Mas não podemos alterar o sistema de forma a que se frustrem as expectativas dos professores que andaram durante 20 anos a aceitar dar aulas muito longe da sua casa, na expectativa de um dia se poderem aproximar.

Mantém como princípio a ideia de dar mais autonomia às escolas e descentralizar a contratação de professores? No passado, isso motivou um braço de ferro com os sindicatos.
A contratação pelas escolas já existe. Há muitos horários que não estão a ser preenchidos centralmente, mas através da contratação direta por escola. Não sei dar o valor.

E o caminho é esse, mesmo contra a vontade dos sindicatos.
Vai entrar no âmbito da revisão do Estatuto da Carreira Docente. Queremos reforçar a autonomia das escolas. A contratação pode vir a ser feita de moldes diferentes: por exemplo, em 2024, fizemos uma inovação que vamos repetir agora, um concurso externo extraordinário direcionado apenas às escolas mais carenciadas. E permitimos a vinculação, condicional à profissionalização, de professores que apenas têm a chamada habilitação própria. A verdade é que todos os sindicatos, uns colocando mais objeções do que outros, acabaram por aceitar porque a alternativa é termos alunos sem aulas. E no apoio à deslocação em que estamos a pagar mais a alguns professores, percebendo que era um incentivo para conseguirmos colocar professores nas escolas com mais dificuldades, todos os sindicatos aceitaram essa medida diferenciadora. Quando eu comecei esta discussão, da parte dos sindicatos, houve logo a objeção de que estaríamos a pagar mais a uns do que a outros. Estamos. Mas se para trazermos professores para Lisboa onde a habitação é mais cara, e se precisarmos de dar esse incentivo, daremos.

Consegue dizer a percentagem de professores colocados sem formação específica? Porque este número quadruplicou nos últimos dez anos.
Em 2024, colocámos muitos professores no concurso externo extraordinário que estão nessa situação. Com a Universidade Aberta, preparamos a contratualização para permitir a profissionalização em serviço desses professores. Eram cerca de 800. A Universidade Aberta vai oferecer um curso suportado integralmente pelo Ministério que permite compatibilizar a lecionação com a profissionalização, frequentando esse curso. É online. O que estamos a fazer agora é porque temos muito mais professores com habilitação própria: estamos a contratualizar para que tenham a possibilidade de se profissionalizar e serem integrados definitivamente na carreira. Porque a integração, com habilitação própria, é condicional.

Mas preocupa-o que o número tenha quadruplicado nos últimos dez anos?
Não. Temos que caminhar no sentido de garantir que esses professores têm a necessária componente pedagógica na sua formação, didática, tudo isso. Mas o nosso sistema de ensino superior é um sistema com elevada qualidade. Aliás, nas condições para habilitação própria temos situações que não fazem sentido, em que muitas vezes diplomados numa licenciatura de uma boa instituição, pelas regras que estão definidas, ficam excluídos. A brincar, as pessoas do meu gabinete estiveram a ver isso, se podiam ir dar aulas — não devem estar satisfeitos se calhar —, e quase ninguém podia dar aulas. E estamos a falar de pessoas com mestrados, pessoas muito qualificadas, e não podiam dar aulas.

Não é preciso só qualificação, é também precisa a dimensão pedagógica.
É importante, sem dúvida, mas a dimensão científica basilar para poder ser professor, está garantida.

“Avaliação de professores tem que ser baseada no mérito”

Em entrevista à Antena 1, afirmou que existem mais de 20.000 professores não colocados e a maior parte no Norte do país. Não aceitam deslocar-se para outras regiões, principalmente no Centro e no Sul, e recusam horários completos. Porque é que o Governo não reforça ainda mais os incentivos para que venham para estas regiões do país?
Fizemos isso com o apoio à deslocação. Tivemos 2.800 professores a receber em 2024 o apoio à deslocação.

Mas houve pessoas que acharam que a compensação não era suficiente.
O salário dos professores no início de carreira é baixo. E por isso o custo de vida é muito elevado. Mais as viagens entre o Norte e Lisboa, ou Algarve, que é outra região muito carenciada. Aumentámos este ano de 450 para 500€ o valor máximo para quem está a mais de 300 quilómetros. Não quer dizer que não estejamos, no âmbito da revisão do Estatuto da Carreira Docente, disponíveis para rever esse valor. Mas temos que rever o modelo, foi esse o compromisso que eu tive com os sindicatos. É uma medida de urgência, mas temos que pensar como é que ajustamos a colocação do professor ao custo de vida. Isto é um problema que se coloca em muitas áreas, não apenas na educação. E nós vamos contratualizar com as instituições de ensino superior de Lisboa, de Setúbal e do Algarve, a formação de professores nestas regiões. Se tivermos um professor que vive, estudou e que fica nesta região, é mais fácil que depois lá fique a dar aulas.

Já admitiu alterar o modelo de avaliação dos professores. Admite que o desempenho dos alunos possa vir a contar para esta avaliação?
O sistema de avaliação tem que ser baseado no mérito, que tem que ver com resultados. Não pode ser a nota dos exames dos alunos, mas se calhar olhar para os resultados que temos. Esta semana, as escolas receberam informação sobre o resultado das provas ModA. Cada escola recebeu informação sobre resultados por turma, muito importante para o diretor para ver como é que as diferentes turmas, no mesmo ano, se comportaram nessa avaliação. Quais são os critérios para a composição da turma, que é muito importante para os resultados finais? Qual foi o papel do professor no resultado conseguido? O Ministério tem que olhar para as escolas, os diretores têm que olhar para as turmas e nós temos que ter formas de avaliação daquilo que são os resultados do sistema educativo. Se não tivermos um sistema bem feito, se juntar só alunos muito bons e que vêm de um meio socioeconómico muito favorecido, até um professor mediano vai parecer excelente. É preciso ter muito cuidado. Temos que premiar o mérito e neste momento temos um sistema que não o faz. Em parte por causa do sistema de quotas, na passagem do quarto para o quinto escalão e do sexto para o sétimo, temos uma distorção enorme nas avaliações que faz com que muitas vezes, o que se faça é dar a nota melhor àquele que está em condições de progredir. Alguém que fez um excelente trabalho de corpo e alma aos alunos, ao não ter depois a avaliação que resulta do seu trabalho, obviamente fica desmotivado. Ora, a avaliação nunca pode desmotivar, porque tem que incentivar os professores a empenharem-se na sua profissão e terem melhoria contínua.

Tem sublinhado muito a importância dos mediadores culturais e linguísticos na integração das crianças imigrantes, mas há problemas na colocação destes profissionais. Filinto Lima, presidente da Associação Nacional de Diretores, veio dizer que as escolas vão arrancar com zero mediadores. Como é que se explica isto?
Comecei o ano letivo 2024/25 a visitar um conjunto de escolas no Algarve que tem projetos interessantíssimos para a integração de alunos imigrantes. Estes projetos existem há muito tempo. Mediadores culturais e linguísticos foi uma medida do nosso Governo que entrou em vigor a meio do ano letivo passado. Mas não era possível renovar os que já estavam a trabalhar e, por isso, as escolas agora têm que contratar. As aulas estão a começar agora, mas a autorização para contratação já foi enviada no início de agosto.

Então, foram os diretores das escolas?
Estas coisas demoram, é natural que a contratação não esteja completa, mas têm autorização para contratar, como também tem autorização nas escolas todas, para garantir que todas as escolas têm um psicólogo. Permitimos a contratação de modo permanente de 1.404 técnicos especializados, terapeutas da fala, nutricionistas, psicólogos e, fazendo uma análise, que vai garantir que todas as escolas — o que não acontece atualmente — tenham pelo menos um psicólogo. Também foi aprovado em agosto.

"Colocação de professores? Este ano temos que ter esse sistema a funcionar. Garanto que vamos ter. E assumo sempre as minhas responsabilidades. E o objetivo em dois anos é termos toda uma reconfiguração dos nossos sistemas de informação, associada à grande reforma que estamos a fazer"

“Nenhum aluno ficará excluído por causa da propina”

A questão das propinas no ensino superior motivou um debate acalorado. Considerou que a diminuição dos alunos colocados no ensino superior era preocupante, mas entretanto, anunciou o descongelamento das propinas. Há um problema evidente de falta de habitação e de modo concreto, no alojamento estudantil. Este descongelamento das propinas não surge em contraciclo, quando há tantos obstáculos ao acesso ao ensino superior?
Dissemos em 2024 que olharíamos para as propinas quando estivéssemos em condições de alterar o modelo de ação social, que tínhamos previsto alterar em 25/26. A crise política atrasou os nossos trabalhos e vamos ter uma revisão do modelo de ação social com base num estudo apresentado na semana passada. Já anunciei um reforço de 43% das verbas de receitas de impostos de 70 para 100 milhões de euros para a ação social e por isso em 26/27, quando vamos ter a atualização em 13 € da propina de licenciatura, teremos um novo modelo de ação social. E nenhum aluno ficará excluído do acesso ao ensino superior por causa da propina, porque o custo será coberto e iremos além daquilo que são as necessidades tendo em conta as condições de rendimento do agregado familiar, aquilo que é o custo de vida. Nos alunos deslocados temos um problema, em parte por causa do custo da habitação. Nesse estudo, o custo da habitação é considerado a maior restrição. Mas no próximo ano, relativamente àquilo ao início do PRR, vamos ter mais 90 residências no país todo…

A funcionar? Perfeitamente habitáveis?
As obras têm que ser concluídas e a nossa perspetiva é que as metas vão ser concretizadas. Temos 19 que já abriram e que adicionaram cerca de 1.500 camas. Durante o mês de setembro vamos ter mais nove que vão adicionar 1.100 novas camas e até meados de 2026, vamos ter a concretização das restantes. Ao todo, vão adicionar cerca de 11.000 camas. Nesta fase, e dadas as condições da nossa indústria da construção, seria um erro estar a apresentar mais projetos de construção de residências. Só ia inflacionar os preços. Aquilo que eu tenho dito às instituições de ensino superior é que planeiem o pós- PRR, face àquilo que são as suas estratégias de desenvolvimento e de atração de alunos, que planeiem as infraestruturas para receber estudantes deslocados. As residências têm que ser vistas de uma forma muito mais ampla. Porque qualquer estudante deslocado tem dificuldades de integração. Sabemos que o insucesso escolar é muito maior nos estudantes deslocados e, por isso, as residências deviam ser vistas como instrumentos de integração de todos os alunos deslocados.

Reconheceu que ainda há um caminho a percorrer, sobretudo no que diz respeito ao alojamento estudantil. Não seria mais avisado minorar o problema do acesso à habitação para os estudantes deslocados, resolver também a questão da ação social e depois sim avançar com o descongelamento das propinas?
Mas vejam: isto é para o ano letivo 2026/2027. Ou seja, a atualização das propinas, que no fundo é basicamente garantir que elas não diminuem em termos reais…

Nas licenciaturas. Nos mestrados, não.
Já podemos falar dos mestrados. Nas licenciaturas, vamos ter ação social e vamos ter esta construção de residências. Estamos a ser consistentes, estamos a fazer isso de uma forma que é consertada. No início do próximo ano letivo, vamos ter as tais mais 11 mil e tal camas e vamos ter um novo modelo de ação social. E isso garante que não é por causa desses 13 euros que algum aluno vai ficar excluído do acesso ao ensino superior.

Em relação às propinas de mestrado.
Diziam que era uma visão ideológica…

Sem qualquer tom depreciativo.
Claro, mas é que é uma visão ideológica de facto. Na nossa perspetiva, a autonomia das instituições de ensino superior é essencial. Ora, a autonomia, só existe se as instituições puderem ter recursos próprios. Uma instituição que dependa integralmente do Orçamento do Estado depende integralmente do governo. Temos que introduzir aqui algum espaço para as instituições, que seguem diferentes estratégias, poderem ter capacidade de ir buscar diferentes formas de financiamento. Porque são essas diferentes formas de financiamento que vão permitir executar projetos inovadores, projetos diferentes. Caso contrário, se dependerem do Orçamento de Estado, vão receber todos por igual, com a mesma regra, para fazer todos o mesmo. E não é isso que nós queremos. Nos mestrados, Portugal está hoje num espaço internacional. Temos instituições que competem ao mais alto nível e que conseguem atrair estudantes de todo o mundo. Isto é um ativo extraordinário. Portugal forma talento ao mais alto nível em algumas áreas. Só pode fazê-lo se puder competir com as melhores instituições a nível internacional. Como é que o vai fazer com uma forma de financiamento que dá o mesmo a todas as instituições? Estamos a permitir que compitam com os mesmos instrumentos que os outros. O que depois essas instituições têm que garantir — e algumas estão a trabalhar nesse sentido — é com as receitas que conseguem uma parte seja de facto dedicada aos estudantes portugueses que não têm condições financeiras para integrar esses mestrados.

"Estamos aqui mesmo para trabalhar. Foi para isso que eu vim para o Governo e me mudei de Braga para aqui. Estou aqui para fazer e quando não puder fazer volto a Braga, que tenho lá muito que fazer"

“Provas digitais para o 9.º ano são para manter”

Vamos voltar ao ensino obrigatório. Todos os exames do nono ano foram realizados em formato digital e houve algumas dificuldades. Houve falhas técnicas, houve atrasos na divulgação de resultados, houve até a fuga do enunciado. O que vai fazer este ano para que estes problemas e este tipo de problemas não se repitam?
Sem querer parecer um otimista inconsciente, penso que aquilo que aconteceu com as provas digitais do nono ano foi um grande sucesso. O país deve orgulhar-se daquilo que as escolas conseguiram fazer. Aliás, houve muita gente a dizer ‘não devem fazer porque isso não vai ser possível’. Os problemas foram mesmo marginais.

Ou seja, este modelo é para continuar.
Este modelo é para continuar. Foi um sucesso. Foi um sucesso que mostrou que quando colocámos foco na organização e definimos um objetivo, mobilizando a comunidade, todos trabalham para conseguir. E é fundamental garantir que a aquisição de competências digitais é para todos os portugueses, em todo o território nacional. E esta é uma das razões para a importância das provas digitais. Não foi perfeito, mas foi um grande sucesso.

Mas as vantagens que existem não são mais na ótica do professor, que corrige as provas, e menos do aluno?
Para o aluno é importante porque tem que ter destreza digital a escrever e a pensar. Isso é fundamental. E para o professor, para o corretor e para a qualidade da correção, há também uma enorme vantagem, que vai, aliás, acontecer no secundário, em que as provas passarão a ser corrigidas de forma digitalizada. Não teremos os professores a andar com um monte de papel no carro, para trás e para a frente. E às vezes as chatices acontecem. Teremos uma correção de provas muito mais justa e muito mais fiável, porque os professores deixarão de corrigir o exame na íntegra. Corrigirão apenas uma questão que é muito mais eficiente para o professor e reduz o viés que sabemos que cada professor introduz na correção.

O que está a dizer é que as provas digitais vão ser estendidas também ao 12.º ano?
Não, não. A correção é que é digital no secundário. São provas decisivas para a vida das pessoas. Não podemos ter alguém que anda a preparar-se três anos para fazer um exame, chega ao dia do exame, ter uma falha no computador e ficar nervoso por causa disso. O governo anterior tinha previsto que as provas do secundário seriam digitais. Não concordamos e fizemos essa alteração. Provas que são tão decisivas para a vida das pessoas não podem depender de tantos fatores que não são controláveis pela escola, como  a energia ou a conectividade. Os exames do secundário continuarão a ser feitos em papel.

Vamos ainda ao ensino pré-escolar. Continua a ser um problema por resolver. Anunciou que o número de vagas vai aumentar com protocolos com municípios. O governo prometeu abrir mais 6 mil vagas. Ainda a tempo deste ano letivo. Quantas dessas 6 mil vagas já foram abertas?
Criámos mais 54 salas da rede pública do que o ano passado. E, com os privados, conseguimos contratualizar cerca de 1300 vagas. Sabemos que continuamos a ter milhares de alunos para colocar e não consigo dar exatamente o valor porque no portal das matrículas há pessoas que se matriculam numa escola pública e depois podem ter lugar na privado, mas sabemos que serão, pelo menos, 7 a 8 mil. Aquilo que identificamos foram os municípios, onde estão concentradas essas necessidades. E vamos dar mais uma vez ao mesmo: Grande Lisboa, Península de Setúbal e Algarve. Enviámos uma proposta às autarquias que agora estamos a negociar com elas para que possa haver um aumento de salas. É uma responsabilidade das autarquias, mas em que o Governo dá as condições financeiras para a concretização da medida. Não garanto que consigamos responder a todas as solicitações, mas a resposta que estamos a ter por parte das autarquias é muito positiva e vamos assinar vários acordos nos próximos dias.

"Não percebi porque é que a questão da Universidade do Porto surgiu agora. Motivações político-partidárias? Não faço a mínima. Isso é algo que o senhor reitor terá que explicar. Porque é muito estranho. Agora, ele tem um problema para resolver dentro instituição. Se os estudantes avançarem para tribunal, será a Universidade do Porto que colocarão em tribunal. Não é o Ministério"

“A identidade de género está praticamente excluída da Cidadania”

Recentemente o Ministério anunciou alterações às aprendizagens essenciais de Cidadania e Desenvolvimento, que causou um grande clamor político, em particular na questão da identidade de género. Repare que não estamos a falar da educação sexual, mas sim de “identidade de género”. Na altura, disse que este era um tema que tinha de ser tratado com “muito mais cuidado pela sua complexidade”, mas nunca chegou a explicar o que é que estava a correr mal, o que é que tinha de ser corrigido.
O que estava a correr mal nessa área, como na disciplina como um todo, é que ela não tinha estruturação nenhuma. Fomos o primeiro Governo a dar verdadeiramente atenção à disciplina de Cidadania. Estruturámos a disciplina e a questão que se coloca aqui é: quem é que vai lecionar estas matérias? Como sabem, não há um grupo de recrutamento, não há um professor especialista em todas estas áreas. Demos até ao final do primeiro período, tempo para as escolas se organizarem e planificar os vários conteúdos ao longo dos vários anos e também para pensarem nos recursos que vão afetar a isso. Na área da identidade de género, porque não havia regulação, aquilo que tivemos foi, muitas vezes, a intervenção de algumas entidades na escola de forma desregulada. Isso foi pontual, mas, porque a escola não tratou bem o tema, isso resultou num choque para as famílias. Ora, nenhum pai pode colocar uma criança na escola — e estamos a falar muitas vezes de crianças do primeiro ciclo — e pensar que se vai passar lá algo que não estava previsto. Quando a coloca lá tem de estar totalmente tranquilo.

Por isso é que agora é esperado maior envolvimento dos pais.
Exatamente. Vamos ter mais regulação. Quando estamos a falar de crianças que não têm capacidade de decisão, ainda não têm a capacidade de dizer ‘eu não quero fazer isto, eu não quero ouvir isto’, o Estado tem a obrigação de regular.

Mas os pais vão ter poder de veto?
Isso vai ser feito no âmbito do Conselho Geral e do Conselho Pedagógico, onde os pais estão representados e a própria escola regulará isso. Respeitamos também a autonomia das escolas.

As escolas terão a última palavra.
Demos indicações suficientes para que, no âmbito da autonomia, as escolas possam decidir a implementação desta disciplina.

Mas isso não se pode traduzir em diferenças programáticas? Imagine que há uma escola num determinado contexto que, em conjunto com pais e professores, entende que questões como a identidade de género não devem ser abordadas.
A identidade de género está praticamente excluída. Pode ser tratada no âmbito dos direitos humanos.

Com exemplos de violência dirigida contra estas pessoas.
Exatamente. Gostava de referir que foi feita uma análise internacional desta disciplina e não é sequer comum ter educação sexual nesta disciplina. Como em Portugal também não era. Não tinha que ser. A educação sexual está regulada noutras disciplinas. Tenho dito isto várias vezes: se a educação sexual dependesse da disciplina de cidadania, a educação sexual em Portugal seria um desastre, um desastre completo.  A educação sexual é algo tão estruturante que temos que garantir que todos os alunos têm esses conteúdos e têm essas aprendizagens. É essencial para o seu bem estar e para o seu desenvolvimento. Isso não pode ser agora uma decisão ad hoc de uma escola que vai ter ou não vai ter educação sexual.

"O governo anterior tinha previsto que as provas do secundário seriam digitais. Não concordamos e fizemos essa alteração. Provas que são tão decisivas para a vida das pessoas não podem depender de tantos fatores que não são controláveis pela escola, como  a energia ou a conectividade. Os exames do secundário continuarão a ser feitos em papel"

“Veto do Presidente à extinção do FCT seria um revés para o país”

De todo modo, essa decisão causou clamor. Mas também houve outras comunicações que o obrigaram a novas explicações em cima de explicações. Foi o caso da extinção dos organismos como o Plano Nacional de Leitura ou a Rede de Bibliotecas Escolares. Também aconteceu com a extinção do FCT e a criação de uma nova agência. Todos estes anúncios têm um aspeto em comum: surpreenderam os agentes do setor e obrigaram-no a ter de explicar em concreto o que é que se estava a passar.
É porque estamos a mudar as coisas. Se não mudássemos nada, não era preciso explicar anda.

Mas esta é a melhor forma de comunicar? É porque há quem o acuso de não saber dialogar.
Não. Há quem me acuse de ser rápido. Mas acho que não há reformas sem rapidez. No caso da nova agência para a investigação, queremos que entre em vigor a 1 de janeiro, mas o processo de discussão pública vai acontecer antes disso. A mudança de paradigma vai ser discutida com a comunidade científica.

Mas já decidiu.
A nova agência já é uma prerrogativa do Governo. Vamos ter uma agência para investigação e inovação organizada de uma forma diferente. Mas em que áreas é que vamos colocar o orçamento e como é que vamos colocar, aquilo que é importante para comunidade, tudo vai ser discutido. Podíamos dizer: ‘Precisamos aqui de um ano para fazer a revisão disso’. E eu disse aos reitores: ‘Em Portugal, cria-se um prazo de um ano e depois, durante seis meses, não se faz nada’. Ora, aqui estamos mesmo a trabalhar. Foi para isso que eu vim para o Governo e me mudei de Braga para aqui. Estou aqui para fazer e quando não puder fazer volto a Braga, que tenho lá muito que fazer.

Mas essa “rapidez” não pode fazer com que perca a confiança do setor?
Não me parece.

No caso da FCT, são públicas e conhecidas as reservas lançadas pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa. Compreende essas reservas?
O Presidente da República pode ter reservas, como é óbvio, em relação a tudo. E nós estamos cá para explicar. Mas penso que ele se pronunciou sem ter tido nenhuma informação.

Não procurou saber?
Está haver um diálogo nesse sentido.

Mas o Presidente da República não se procurou informar antes de dizer o que disse? É isso que está a sugerir?
Ou seja, pronunciou-se antes de ter a informação, porque ele ainda não tinha. O que anunciámos a 31 de julho foi a reforma do Ministério. Em termos globais, isso é um mistério muito grande em muitas áreas. Vejam, na semana passada apresentámos a criação da nova agência para a Investigação e Inovação, o Instituto para o Ensino Superior e o RJIES — Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior. A proposta de RJIES esteve 16 anos para ser revista. Nós revimo-la, no governo anterior, em oito meses. Também há quem ache que foi rápido, não é? Talvez estejamos a ser rápidos a fazer reformas, mas é isso que o país precisa. Obviamente temos contestação de alguns setores, mas garanto que temos muito apoio na comunidade científica, na comunidade de inovação e nos professores. As pessoas sabem que é preciso mudar e que é preciso melhorar e nós estamos a trabalhar para melhorar os serviços.

O decreto para extinção da FCT terá de passar ainda pelo Presidente da República, que ainda poderá vetar o diploma. Seria um revés para a sua reforma?
Seria. Mas não era para a minha reforma; era para o país, era para a comunidade de investigação. Era basicamente saber que temos uma instituição anquilosada, algo que ela própria reconhece. O mundo está a mudar e queremos continuar com uma organização que vem dos anos 90. Era simplesmente parar o desenvolvimento do país. Não tenho dúvidas nenhumas sobre isso. Nenhumas. Vamos aguardar pela decisão do Presidente da República. Reformas em Portugal são difíceis. As pessoas não estão habituadas, estão habituadas a gerir a vida como habitualmente. É uma frase que se diz desde o Estado Novo. A mudança traz riscos, claro, mas se continuarmos a fazer tudo como fazemos na área da ciência e da inovação, não vamos ter mais e melhor ciência e com mais impacto.

"Se Carlos Moedas tivesse feito alguma alteração que fosse significativa e que tivesse ligação com o que aconteceu, aí sim ele teria responsabilidade política"

“A acontecer, será a Universidade do Porto que os estudantes colocarão em tribunal”

Tem dito que a questão dos 30 candidatos ao curso de mestrado de Medicina está encerrada. Não é bem assim, até porque vai ter que ir ao Parlamento dar explicações. Por outro lado, temos também 30 pessoas que estão com a vida alterada e ainda sem solução. O Ministério está a preparar-se para litígios legais?
O litígio será com a Universidade do Porto.

O Ministério não tem nada que ver com isto?
Não. Respeitamos muito a autonomia das instituições. Mas autonomia não é autonomia para fazer o que se quer. É autonomia de uma instituição pública financiada com recursos públicos. E, por essa razão, demos atenção ao tema. No telefonema que tive com o senhor reitor, em que devolvi a chamada que o senhor reitor me fez, aquilo que eu concordei,  com que concordámos os dois, foi que, se houvesse base legal, ele me pediria a criação das vagas, porque eu não posso pedir, e o que eu lhe disse foi que, havendo base legal, se o senhor reitor pedisse, eu aprovava. Ora, não tivemos base legal para isso. Isto foi a 21 de agosto. Por isso é que fiquei surpreendido, confesso. Não percebi porque é que isto surgiu agora.

Acredita que teve motivações político-partidárias? O reitor faz parte do conselho estratégico do PS.
Não faço a mínima. Isso é algo que o senhor reitor terá que explicar.  Porque é muito estranho. A 21 de agosto, ele foi informado que, da parte do Ministério, era uma questão encerrada. Agora, ele tem um problema para resolver dentro instituição: é que a instituição informou a esses 30 alunos. E se houve um comportamento indevido da Faculdade de Medicina, ele tem que mover um processo disciplinar. Isso é que eu gostava de saber se ele já fez. Se ele já fez isso de facto, é de certa forma, uma responsabilidade do ministério. Se os estudantes avançarem para tribunal, será a Universidade do Porto que colocarão em tribunal. Não é o Ministério. Que fique muito claro. Autonomia? Totalmente e sempre respeitada. E com prestação de contas. É isso que é preciso.

“No lugar de Moedas, não me teria demitido”

Nos últimos dias, a propósito do acidente no Elevador da Glória, discutiu-se muito o que significa a responsabilidade política. Considera, como disse o Presidente da República, que Carlos Moedas é o máximo responsável?
Na minha área, em que o nosso grande objetivo é a igualdade de oportunidades em todo o território nacional, quando há crianças que não têm acesso ao pré-escolar, eu sou responsável por resolver o problema. Mas o facto de haver concelhos onde um presidente da Câmara não está a resolver o problema, a minha responsabilidade é garantir que isso se concretiza. A minha responsabilidade é garantir o recurso e as condições para que isso aconteça. Ora, Carlos Moedas garantiu isso. Penso que fez aquilo que tinha que fazer.

Nem mais, nem menos.
Fez aquilo que tinha que fazer.

No lugar de Carlos Moedas teria feito o que ele fez? Não se teria demitido?
Não, não me teria demitido. Se tivesse ele tivesse feito alguma alteração que fosse significativa e que tivesse ligação com o que aconteceu, aí sim ele teria responsabilidade política. Agora, que eu saiba, é algo que funcionava assim há muitos anos e esta tragédia, infelizmente, aconteceu.