A França enfrenta um dos períodos mais delicados da sua história recente em termos de contas públicas. A dívida oficial atingiu 3345 mil milhões de euros no primeiro trimestre de 2025, quase 115% do PIB nominal, segundo o critério de Maastricht, que engloba não só as Obrigações do Tesouro a Médio e Longo Prazo (OAT), mas também os Bilhetes do Tesouro a Curto Prazo (BTF), as emissões indexadas à inflação e a dívida da segurança social e das administrações locais.
As OAT, por si só, somam 2557 mil milhões de euros, de acordo com dados da Bloomberg, e a situação agrava-se com a forte concentração de vencimentos entre 2025 e 2032, totalizando mais de 1500 mil milhões de euros, cerca de 60% do total, que terão de ser pagos ou, muito provavelmente, refinanciados em condições de mercado hoje bem mais exigentes do que há poucos anos. Em 2020, o Tesouro francês chegou a financiar-se a taxas negativas, mas atualmente o serviço da dívida absorve uma fatia crescente do orçamento do Estado.
A instabilidade política tem-se intensificado. Nos últimos três anos, cinco primeiros-ministros foram afastados. Desde 1958, início da Quinta República, raras vezes um governo caiu por rejeição de uma moção de confiança, evidenciando a excecionalidade, o peso político e as consequências de uma decisão desta natureza. A despesa pública francesa é, em grande medida, rígida: pensões, saúde, educação e salários da função pública constituem compromissos permanentes, difíceis de cortar sem gerar forte contestação social. Foi precisamente uma tentativa de consolidação orçamental através de cortes de despesa que precipitou a queda do governo Bayrou na Assembleia Nacional. Por outro lado, recorrer a aumentos de impostos para reduzir o défice deixou há muito de ser uma solução viável. A economia francesa parece situar-se já na parte descendente da Curva de Laffer, onde qualquer subida adicional dos impostos não só gera menor receita arrecadada, como também penaliza a atividade económica.
O crescimento anémico da economia francesa limita a capacidade de arrecadação fiscal num contexto de desaceleração estrutural e de perda gradual de relevância no panorama mundial. A este quadro interno negativo de França junta-se um ambiente externo igualmente desfavorável. A guerra na Ucrânia impõe a necessidade de reforçar os orçamentos de defesa, enquanto as tensões comerciais com os EUA acrescentam ainda mais incerteza. Assim, a segunda maior economia da Zona Euro encontra-se numa encruzilhada num momento em que a estabilidade é determinante para o bloco europeu.
O spread das obrigações francesas face às alemãs subiu de 65 para 80 pontos base desde agosto, refletindo maior incerteza. Poderá alcançar os 100 pontos base se o défice se mantiver elevado e a instabilidade política persistir. Num cenário extremo, como uma eventual demissão presidencial, poderia mesmo subir até 150 pontos base, níveis não vistos desde a crise da dívida soberana europeia (2011), o que forçaria uma eventual intervenção do BCE, sobretudo se coincidisse com uma crise mais ampla e risco de contágio.
As agências de rating acompanham de perto a sustentabilidade das finanças públicas francesas, e não são de excluir revisões em baixa da notação de crédito, dos atuais AA- para A+, encarecendo o financiamento e penalizando a perceção de risco por parte dos investidores.
Uma eventual agudização da crise de confiança em França teria impacto direto na Zona Euro e inevitavelmente em Portugal, pela via do agravamento dos custos de financiamento. A resposta do BCE, através de cortes nas taxas diretoras ou de novos mecanismos de apoio, seria, nesse cenário mais pessimista, crucial para conter riscos de contágio, mas, em boa verdade, só reformas estruturais em França garantem sustentabilidade a médio prazo.
