A Europa está numa luta. Por uma Europa livre e independente. Por uma luta pelos nossos valores e democracias. Por uma luta pela nossa liberdade e pela nossa habilidade para determinar o nosso destino. Pensei bastante sobre se deveria começar este discurso do Estado da União com este apelo tão forte. Nós, europeus, não estamos habituados — ou confortáveis — a falar nestes termos. Mas a verdade que o mundo de hoje é cruel.
A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, não começou de forma ligeira este discurso — e foi direta ao assunto. Num mundo geopoliticamente mais incerto e conturbado, a União Europeia (UE) tem de mudar a abordagem. A dirigente comunitária reconhece que os europeus não estão habituados a que estes termos sejam usados, mas as circunstâncias assim o requerem. Acima de tudo, é um combate pela “independência” — ou seja, os europeus devem tomar as suas próprias decisões, dado que não podem contar inteiramente com o seu grande aliado: os Estados Unidos da América (EUA).
Não podemos ignorar as dificuldades que os europeus sentem todos os dias. Eles sentem o chão a abanar. Eles sentem que as coisas estão a ficar mais difíceis, ao mesmo tempo que trabalham arduamente. Sentem o impacto da crise global, de custos de vida mais elevados e e sentem a velocidade da mudança a afetar as suas vidas e carreiras. Não podemos simplesmente ficar à espera que esta tempestade passe. Este verão mostrou-nos que não há tempo para nostalgia. Há novas linhas de combate a serem desenhadas numa nova ordem mundial baseada no poder. Por isso, sim, a Europa deve lutar. Pelo seu lugar no mundo em que grandes potências ou são ambíguas ou são abertamente hostis à Europa.”
Reconhecendo que os europeus têm enfrentado dificuldades nos últimos tempos, Ursula von der Leyen acredita que a União Europeia deve reagir e não pode ficar de braços cruzados. Não deixa de estar implícita nesta passagem uma certa crítica aos partidos centristas europeus, não têm conseguido dar respostas aos problemas dos cidadãos — o que tem levado a um aumento de votação dos partidos mais extremistas. Assim sendo, a presidente da Comissão Europeia diz que há que agir, num mundo mais hostil.
Este deve ser o momento da independência da Europa. Acredito que é a missão da União. Para garantir a nossa defesa e segurança. Para controlar as tecnologias e energias que alimentam as nossas economias. Para decidir que tipo de sociedade e democracia em que queremos viver. Para sermos abertos ao mundo e escolher novos parceiros ou aliados — novos e velhos. Em última instância, é sobre ter a liberdade e o poder para determinar o nosso próprio destino.”
A dependência da Europa face aos Estados Unidos da América foi uma constante depois do final da Segunda Guerra Mundial, em particular na questão da segurança, já abordada por Ursula von der Leyen. Este foi o primeiro discurso do Estado da União desde que Donald Trump regressou à Casa Branca — e voltaram as políticas isolacionistas de Washington e pouco colaborativas com Bruxelas. Perante esta nova realidade, a presidente da Comissão Europeia assume que é tempo de garantir a autonomia estratégica europeia para que a União Europeia não fique nas mãos da presidência norte-americana, que não se coíbe de chantagear e ameaçar parceiros.
Perdi a conta ao número de vezes que me disseram que a Europa não pode fazer isto ou aquilo. Durante a pandemia, durante o plano de recuperação, em defesa, em apoiar a Ucrânia, na segurança energética. Todas as vezes, a Europa manteve-se unida. A pergunta central é simples: tem a Europa estômago para lutar? Tem a unidade e o sentido de urgência? A vontade e capacidade política para fazer compromissos? Ou vamos lutar entre nós? Para ficarmos paralisados nas nossas divisões. [Deve haver] união entre instituições da UE. Unidade entre forças europeias pró-democráticas neste Parlamento.”
Numa parte mais motivacional, a presidente da Comissão Europeia recorda os sucessos da União nos últimos anos. Mas Ursula von der Leyen ressalvou que tal só aconteceu porque houve “união” — algo que apelou a que se fortalecesse. A dirigente comunitária realça que, para a Europa se reforçar na cena internacional, deve unir-se e não deve perder tempo com divisões. É um recado em particular à grande maioria formada no hemiciclo Europeu entre socialistas, populares e liberais: se querem ver a UE a prosperar num mundo hostil, não se podem perder em combates políticos.
O povo da Ucrânia luta pela sua liberdade e independência. […] Esta guerra precisa de terminar com uma paz duradoura e justa para a Ucrânia. Porque a liberdade da Ucrânia é a liberdade da Europa. A imagens do Alasca não foram fáceis de digerir. Mas, uns dias depois, os líderes europeus foram a Washington apoiar o Presidente Zelensky e garantir compromissos. Foram feitos progressos tangíveis. Na semana passada, 26 países da Coligação dos Dispostos disseram que estavam prontos para fazer parte de forças de segurança na Ucrânia no contexto de um cessar-fogo. Vamos continuar a apoiar todos os esforços diplomáticos para acabar esta guerra.”
Foram várias as farpas de Ursula von der Leyen a Donald Trump durante o discurso. Esta talvez seja a mais forte: a União Europeia não gostou que o Presidente norte-americano tivesse estendido uma passadeira vermelha ao líder do país que considera a sua principal ameaça geopolítica, a Rússia de Vladimir Putin. Por causa disso, a presidente da Comissão Europeia sugere que cabe aos europeus fortalecer e apoiar a Ucrânia, avisando que a presidência norte-americana mantém uma posição ambígua em relação a Putin. Assim, a UE não pode ser ingénua e confiar totalmente em Donald Trump nesta questão.
Hoje assistimos a uma violação irresponsável e sem precedentes do espaço aéreo da Polónia e da Europa por mais de 10 drones russos. A Europa está solidária com a Polónia. A mensagem de Putin é clara. E a nossa resposta também deve ser clara. Precisamos de mais pressão para que a Rússia se sente à mesa das negociações.”
Nota para um comentário sobre o ataque de drones que aconteceu na Polónia, que pode ser encarado como uma provocação à União Europeia. Esta ofensiva aconteceu no mesmo dia em que foi feito o discurso do Estado da União — e pode ser uma forma de intimidar os dirigentes europeus. Para Ursula von der Leyen, isso apenas mostra que Vladimir Putin não quer a paz.
Estamos a trabalhar no 19.º pacote de sanções em coordenação com os nossos parceiros. Estamos particularmente a ver como podemos livrar-nos de combustíveis fósseis russos mais rapidamente, da frota fantasma e de países terceiros. E ao mesmo tempo precisamos de mais apoio para a Ucrânia. Ninguém contribuiu tanto como a Europa. Cerca de 170 mil milhões de euros em ajuda financeira e militar. Mais será preciso.”
Nesta passagem, Ursula von der Leyen aparenta mandar vários recados a Washington. O primeiro é que a União Europeia vai avançar com novas sanções, mas espera que os Estados Unidos também fazçam jus às promessas que têm feito sobre o endurecimento da política sancionatória contra Moscovo. A menção a “países terceiros” não é inocente; vários meios de comunicação social estão a noticiar que Donald Trump exige que a UE aplique tarifas à Índia e à China pelo papel que estes dois países desempenham na economia russa. Além disso, a dirigente comunitária também tenta mostrar que Bruxelas lidera o apoio militar à Ucrânia, contrariando a tese norte-americana (em particular dos republicanos) de que esta guerra foi totalmente financiada pelos Estados Unidos.
A guerra económica de Putin não vai parar — mesmo que a guerra pare. Isto significa que a Europa deve responsabilizar-se pela sua própria segurança. Claro que a NATO será sempre essencial. Mas apenas uma postura forte e credível europeia será capaz de garantir a nossa segurança. […] A Europa vai defender todos os centímetros do seu território.”
Os tempos em que o “guarda-chuva norte-americano” protegia a Europa estão a acabar. Ursula von der Leyen avisa que agora cabe aos europeus pagar e investir na sua própria segurança. Ainda que realce que a NATO desempenhará um “papel essencial” e que os Estados Unidos não viraram totalmente as costas ao Velho Continente, a União Europeia deve fortalecer-se, mais que não seja por uma questão de dissuasão. A confiança em Washington é menor — e isso obriga a mudanças estruturais.
O que está a acontecer em Gaza mexeu com a consciência do mundo. Há pessoas a serem mortas enquanto pedincham por comida. As imagens são simplesmente catastróficas. A fome nunca pode ser uma arma de guerra. Isso deve parar. Tudo isto também é parte de uma mudança sistemática nos últimos meses que é simplesmente inaceitável. Vimos o sufoco financeiro da Autoridade Palestiniana. As ações e declarações dos ministros mais extremistas do governo israelita que incitam a violência. Tudo isto aponta para uma clara tentativa de minar a solução de dois Estados. Para minar a visão de um Estado palestiniano, e nós não devemos deixar que isso aconteça.”
Ainda em questões geopolíticas, Ursula von der Leyen endureceu o discurso contra Israel. A presidente da Comissão Europeia acusou os dirigentes israelitas de usarem a fome como “arma de guerra” — uma acusação que Telavive tem negado categoricamente. Mais: a dirigente comunitária assume que Israel está a fazer tudo para obstaculizar a criação de um Estado palestiniano. Fruto de várias divisões internas, a UE mantém uma postura ambígua face ao que se passa na Faixa de Gaza; mas esta passagem mostra que os líderes europeus estão a perder a paciência com Telavive.
Custa-me dizer estas palavras. E sei que para muitos cidadãos a incapacidade da Europa para avançar é igualmente dolorosa. Eu entendo. Mas o que está a acontecer em Gaza é inaceitável. Não devemos ficar paralisados. Vou por isso propor um pacote de sanções. Vamos colocar os nossos apoios bilaterais a Israel em pausa. Vamos parar todos os pagamentos sem afetar o nosso trabalho com a sociedade civil israelita. Vamos depois propor sanções nos ministros extremistas e colonos violentos. E também vamos propor uma suspensão parcial do acordo de associação comercial.”
Das condenações aos atos. Não fosse a dirigente comunitária alemã, Ursula von der Leyen reconhece que é difícil aplicar estas sanções. Mas chegou a um ponto em que a Europa tem de agir e coube à líder endurecer a política sancionatória contra o Estado israelita. A suspensão parcial do acordo de associação comercial é talvez o maior revés para a diplomacia israelita. Além disso, a presidente da Comissão vai avançar com sanções a ministros de extrema-direita, como o da Segurança Nacional, Itamar Ben-Gvir, ou o das Finanças, Bezalel Smotrich. Espanha já tinha anunciado esta terça-feira que ia sancionar aqueles governantes — e agora é a vez da UE.
Sou uma amiga de longa data de Israel. Sei o quão os ataques atrozes do 7 de Outubro dos terroristas do Hamas chocaram o país. Os reféns estão em cativeiro há mais de 700 dias. 700 dias de sofrimento e dor. O Hamas é composto por terroristas que querem destruir Israel. E infligem terror ao seu próprio povo. […] A longo prazo, o único plano de paz realista é um baseado em dois Estados. Viverem lado a lado em paz e segurança. Com Israel seguro, uma Autoridade Palestiniana viável e sem o Hamas.”
A presidente da Comissão Europeia tentou equilibrar o discurso em relação a Israel. Apesar das sanções, Ursula von der Leyen deixou vários ataques contra o Hamas e pediu a libertação dos reféns. Para a líder europeia, a solução adequada continua a ser a do dois Estados: Israel e a Palestina liderada pela Autoridade Palestiniana — e sem o Hamas por perto.
A independência da Europa vai depender da sua habilidade de competir nos tempos turbulentos. Temos tudo o que é preciso para prosperar na Europa — desde o mercado único ao nosso mercado económico social. Mas sabemos que os ventos económicos e geopolíticos são fortes. E já vimos como as dependências podem ser usadas contra nós. É por isso que vamos investir massivamente em tecnologia digital e limpa.”
A independência que Ursula von der Leyen tantas vezes repetiu neste discurso do Estado da União não é apenas a nível da Defesa. A Europa também deve incentivar a sua autonomia no campo económico, em particular em indústrias de ponta. Só isso protege os europeus de ameaças e chantagens — até de aliados como os Estados Unidos. Por exemplo, a Comissão Europeia multou recentemente a Google e Donald Trump ameaçou retaliar contra a UE. De modo a evitar ficar nessa situação, é necessário investir mais nas tecnologias europeias.
Temos de apoiar o investimento em tecnologias que vão alimentar a nossa economia. Limpa e digital. Como a inteligência artificial. Uma inteligência artificial é essencial para a independência futura. Vai conceder poder as nossas indústrias e sociedade. Da saúde à defesa.”
Num campo dominado pelos Estados Unidos e pela China, a União Europeia também tem ambições de ter algo a dizer. Ciente de que a inteligência artificial desempenhará um papel importante na liderança mundial, Ursula von der Leyen pretende que a União Europeia assuma também a dianteira — uma forma de também não estar tão dependente de Washington ou Pequim.
Estamos no bom caminho para atingir a meta de 2030 para cortar as emissões [poluentes] em pelo menos 55%. Este é o poder do Green Deal Europeu. A ciência é clara.
É um tópico que divide profundamente o hemiciclo europeu. Enquanto as famílias dos socialistas e os Verdes fazem esta uma das suas bandeiras, os grupos mais à direita olha com bastante desconfiança para este assunto. Pertencente ao Partido Popular Europeu, de centro-direita, a presidente da Comissão Europeia parece piscar o olho à sua esquerda neste assunto e saúda os progressos ambientais que têm sido feitos.
Quando falamos sobre competitividade falamos sobre empregos. Sobre pessoas e a sua qualidade de vida. É importante que saibamos o quão difícil tem sido a vida para tantas famílias. Os custos subiram. As pessoas fazem sacrifícios para sobreviver. É uma questão de justiça social básica. É por isso que precisamos de uma estratégia europeia anti-pobreza.”
É mais um tópico em que Ursula von der Leyen tenta seduzir as famílias políticas mais à esquerda. Adotando um discurso social-democrata, a presidente da Comissão considera urgente que se lute contra a pobreza na União Europeia. Politicamente, estão a ser preparadas novas moções de censura dos grupos mais à esquerda e à direita contra a líder comunitária — e a responsável política precisará dos apoios de várias famílias políticas. Por exemplo, os Verdes ainda estão deliberar o sentido de voto. Segundo a Euronews, iam esperar pelo discurso do Estado da União para tomar uma decisão.
Nós estamos a caminho da independência energética. Mas as contas de eletricidade ainda são fonte de ansiedade para milhões de europeus. E os custos ainda são estruturalmente altos para a indústria. Sabemos o que subiu os preços: a dependência dos combustíveis fósseis russos. Portanto é tempo de nos livrarmos dos combustíveis fósseis russos sujos. E sabemos o que baixa os preços: energias limpas. Precisamos de gerar mais energias renováveis nacionais – com a energia nuclear como base.”
A invasão russa deixou bem clara a dependência energética dos Estados-membros em relação à Rússia. Para Ursula von der Leyen, os europeus devem deixar de contar com a energia barata oriunda de território russo. É também uma farpa à Eslováquia e à Hungria, dois países que ainda continuam a importar petróleo russo na UE. Para a líder comunitária, as energias renováveis e também a energia nuclear (um tópico bastante controverso no hemiciclo europeu) devem ser o caminho a seguir.
A casa não é apenas quatro paredes e um teto. É segurança e um lugar para família e amigos. Mas para muitos europeus, hoje a casa tornou-se uma fonte de ansiedade. Pode significar dívidas e incerteza. Os números contam uma verdade dolorosa. O preço das casas subiu mais de 20% desde 2015 e a construção baixou 20% em cinco anos. É mais do que uma crise de habitação; é uma crise social […] Precisamos de uma mudança radical na forma como lidamos com este assunto.”
É mais um piscar de olho à esquerda. Ursula von der Leyen assumiu que a habitação é já uma “crise social” e promete respostas.
Quando falamos de competitividade e independência devemos falar sobre as nossas relações com os Estados Unidos. Ouvi tantas coisas sobre o acordo a que chegámos durante o verão. Entendo as reações iniciais, mas deixem-me ser clara. A nossa relação comercial com os Estados Unidos é muito importante. Exportamos 500 mil milhões de euros para os Estados Unidos todos os anos. Milhões de trabalhos dependem disso. Como presidente de Comissão, nunca vou brincar com o trabalho das pessoas. Garantimos que a Europa tinha o melhor acordo possível.”
Foi um tópico quente deste verão e que levou à troca de várias acusações: o acordo comercial assinado entre os Estados Unidos e a União Europeia com tarifas a 15%. Ursula von der Leyen vem a público defender o que foi acordado. A presidente da Comissão Europeia admite que, mesmo economicamente, os laços entre os dois lados do Atlântico ainda são demasiado fortes e que os Estados Unidos ainda têm capacidade de impor os seus termos na mesa de negociações.
O acordo providencia estabilidade crucial nas relações com os Estados Unidos num tempo de grande insegurança global. Pensem nas repercussões de uma guerra comercial com os EUA. Imaginem o caos. E depois coloquem essa imagem ao lado da [parada militar] da China a semana passada. A China ao lado de líderes da Rússia e da Coreia do Norte. Putin a gabar-se do quanto as relações entre China e Rússia estão a níveis sem precedentes. Nada disto é uma grande surpresa. Mas reflete um panorama em mudança. E cria dois imperativos para a independência da Europa e o seu lugar no mundo.”
Ursula von der Leyen alerta para as consequências negativas que teria uma guerra comercial entre Bruxelas e Washington, num mundo marcado por grande instabilidade. Para a dirigente comunitária, na comunidade internacional, a União Europeia tem de ficar ao lado dos Estados Unidos, mesmo que procure a sua independência. Os dois lados do Atlântico devem permanecer aliados, ainda que já não tão próximos como no passado. A presidente da Comissão Europeia opõe esse bloco a outro — a das autocracias, de que fazem parte a China, a Coreia do Norte e a Rússia. E a União Europeia sabe qual é o “seu lugar no mundo” e não pode arriscar-se a perder totalmente a aliança com os EUA.
Precisamos de capitalizar novas oportunidades. Numa altura em que o sistema global comercial está a desmoronar-se, precisamos de regras globais através de acordos bilaterais. Como com o México ou o Mercosul. Ou a finalizar as negociações num acordo histórico com a Índia até ao final do ano.”
A presidente da Comissão Europeia pretende também seguir uma estratégia de diversificação de parceiros comerciais, além dos Estados Unidos. E dá exemplos como o México, a Índia ou mesmo o Mercosul. Neste momento, ainda faltam vários detalhes para chegar a acordo com aquela organização dos países da América do Sul. Ursula von der Leyen parece dar aqui um incentivo a que se finalmente se concretize.
A Europa deve avançar onde os outros se afastaram. Na Ciência, por exemplo. A Ciência não tem passaporte, género, etnia ou cor política. É um dos bens globais mais valiosos. É por isso que a Comissão tem um pacote para atrair e reter os melhores cientistas e investigadores. E a Europa deve liderar na saúde pública global. Estamos à beira — ou mesmo no início — de outra crise de saúde global. Enquanto médica, estou chocada com a desinformação que ameaça o progresso global em tudo, desde o sarampo à poliomielite. O mundo está a olhar para a Europa — e a Europa está pronta para liderar.”
É uma passagem em que Ursula von der Leyen deixa várias críticas aos Estados Unidos. Após a vitória de Donald Trump nas presidenciais de 2024, vários cientistas e investigadores anunciaram que sairiam do país, no que foi descrito como uma “fuga de cérebros”. A Europa está disponível para os receber, garantiu a alemã. Na questão da saúde pública, a presidente da Comissão mostra-se preocupada com o que se passa nos EUA, num farpa ao secretário da Saúde norte-americano, Robert F. Kennedy, Jr., abertamente contra políticas de vacinação. A União Europeia deve liderar após a desconfiança norte-americana no que toca a este assunto.
Fortalecemos a ligação entre fundos e o respeito do Estado de Direito. Respeitar o Estado de Direito é um dever para obter fundos europeus. Agora e no futuro.”
Ursula von der Leyen aproveita esta passagem para atacar o primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán. Além de todos os recuos na salvaguarda da democracia, Budapeste tem estado em rota de colisão com a presidente da Comissão Europeia. E a dirigente comunitária deixou o aviso: se o Governo húngaro não mudar de atitude, os fundos continuarão congelados.
Como mãe de sete filhos e avó de quatro netos, sinto ansiedade pelos pais que estão a fazer o seu melhor para manter as crianças seguras. Muitos pais preocupam-se que quando dão às crianças um telemóvel elas possam ser expostas a vários perigos, com um simples scroll. Acredito que os pais, e não os algoritmos, devem educar as crianças, afogadas num tsunami que as grandes tecnológicas deixam que entre em suas casas.”
A Comissão Europeia não tem sido branda com grandes tecnológicas como a Meta ou o X — e Ursula von der Leyen volta a criticá-las pela falta de regulação atualmente em vigor. No discurso, a dirigente comunitária garantiu que vai reunir vários especialistas, ouvir as suas opiniões e decidir sobre se a UE vai banir o acesso de menores a plataformas digitais.
A nossa tarefa mais importante é proteger a nossa democracia. Ao fazê-lo devemos oferecer respostas às preocupações legítimas das pessoas. E não há tópico mais evidente do que no contexto das migrações. Existe uma sensação crescente de frustração, dando a impressão de que as nossas regras são ignoradas.”
Num discurso em que cativou a esquerda em vários assuntos, é a vez de Ursula von der Leyen seduzir os grupos mais à direita. Neste caso, com o tópico da imigração.
Precisamos de redobrar os esforços. Precisamos de um sistema que seja humano, mas não devemos ser ingénuos. Precisamos de sérios sobre o retorno de requerentes de asilo ao seu país de origem. Não podemos ter uma situação em que apenas 20% daqueles que viram a sua entrada negada saem efetivamente da Europa. […] Claro que devemos cumprir as nossas obrigações internacionais. Mas na Europa devemos ser nós a decidir quem chega até nós e em que circunstâncias e não os traficantes de pessoas.”
A presidente da Comissão Europeia usa abertamente uma retórica dura contra a imigração e toca em vários pontos que preocupam os grupos mais conservadores — em particular os Reformistas e Conservadores Europeus. Ursula von der Leyen percebe que este tópico tem ganhado importância e decide apoiar os argumentos à sua direita. A dirigente comunitária mantém boas relações, por exemplo, com a primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni. E este tópico parece agora uni-las, apesar das divergências em outros assuntos, como na questão climática.
Quero trabalhar com todos os partidos pró-europeus democráticos. Estou a trabalhar em pacotes legislativos para dar mais poder à maioria pró-europeia.”
Ursula von der Leyen volta a excluir das conversações as famílias política mais à direita (como os Patriotas que incluem a União Nacional e o Chega, ou os Soberanistas, do qual faz parte a Alternativa para a Alemanha) e o grupo da Esquerda. Os parceiros preferenciais são os socialistas, os liberais e até os verdes. A grande incógnita tem a ver com os Reformistas e Conservadores, liderados pelos Irmãos de Itália de Giorgia Meloni. A presidente da Comissão não dá uma resposta a este assunto.
Acredito que temos de avançar com uma maioria qualificada em algumas áreas, por exemplo em política externa. É altura de nos vermos livres das correias da unanimidade. Queremos garantir que a União é rápida. É assim que podemos ganhar esta luta juntos. Para concretizar os momentos de independência da Europa.”
No final do discurso, Ursula von der Leyen deseja que o procedimento da unanimidade termine, principalmente em questões de “política externa”. O alvo é bem definido: a Hungria e a Eslováquia. Os dois Estados-membros têm-se oposto a novos pacotes de sanções à Rússia. No caso húngaro, Viktor Orbán até pondera bloquear a adesão da Ucrânia à União Europeia. Na opinião da dirigente comunitária, isso deve alterar-se — e deve ser uma maioria simples a decidir mudanças que visam concretizar a “independência” da Europa.