É uma experiência cada vez mais rara estar em silêncio. Mesmo nos momentos em que não há uma tarefa à nossa espera, distraímo-nos ouvindo um podcast, ligando a televisão ou navegando na internet. Estar sozinho, sem fazer nada e em silêncio, é uma experiência considerada como desagradável por muitas pessoas.
Carla Martins, psicóloga clínica, neuropsicóloga e formadora na área do mindfulness, explica que isso acontece por um conjunto muito alargado de fatores. Desde logo porque “vivemos num tempo em que a cultura do ‘fazer’ impera. Estamos constantemente expostos a estímulos — notificações, redes sociais, trabalho, entretenimento. A normalização deste constante ‘fazer’ torna o silêncio um terreno pouco familiar, estranho e desconfortável.”
Mas não é só: o silêncio geralmente abre espaço a que surjam emoções difíceis. “Quando nos sentamos em quietude, sozinhos ou na presença de outros, começamos a sentir emoções que evitamos, pensamentos difíceis, recordações dolorosas. É por isso que muitas pessoas associam o silêncio à ansiedade: porque não cultivaram a capacidade interna para estar consigo mesmas com gentileza e curiosidade, e muitas vezes não possuem ferramentas internas para lidar com aquilo que surge.”
Um dos antídotos para isso pode ser a prática de mindfulness: “em vez de continuar a fugir do silêncio, podemos aprender a ‘habitá-lo’. E, com o tempo, ele deixa de ser ameaça e passa a ser abrigo”.
Por muito difícil que seja estar em silêncio sozinho, os silêncios mais temidos continuam a ser os que surgem durante uma conversa. E se os silêncios nas conversas do quotidiano são geralmente embaraçosos, isso em muito se deve à sua raridade: estamos habituados e começar a falar ainda mal o outro mal se calou. “Os silêncios entre as falas de diferentes pessoas são surpreendentemente curtos”, explica Alexa Hepburn, analista de conversação e psicóloga discursiva da Rutgers University, nos Estados Unidos.
A professora e investigadora, que tem publicado extensamente sobre a análise das interação no quotidiano, incluindo sobre o significado e análise dos momentos de silêncio, frisa que os estudos mostram que nos Estados Unidos, no Reino Unido e em grande parte da Europa, as pessoas tendem a deixar um intervalo de apenas cerca de 200 milissegundos, ou seja, um quinto de segundo, entre o fim da fala de uma pessoa e o início da seguinte. “Se o silêncio se prolonga – mesmo que seja apenas meio segundo, já pode começar a ser notado. E, quando ultrapassa um segundo, as pessoas muitas vezes começam a interpretá-lo: Há algum problema? Estão em desacordo? Estão sem saber o que dizer?”
Aquilo que é considerado normal ou confortável muda de pessoa para pessoa, mas também de cultura para cultura. Por exemplo, aquilo que está dentro do esperado na cultura japonesa — que tem um estilo de comunicação centrada no ouvinte —, pode ser sentido como insuportavelmente longo para a cultura ocidental — que tem, em contraste, um estilo comunicacional mais centrado no orador. Um estudo comparativo mostra que, por exemplo, silêncios superiores a 1,5 segundos são muito vulgares em reuniões entre japoneses e infrequentes em reuniões entre norte-americanos, onde praticamente não há momentos de silêncio.
No Ocidente, por outro lado, a conversa tende a ser rápida e responsiva e habituamo-nos a esse ritmo. “Quando alguém não responde depressa, cria-se uma certa tensão social – sentimos que algo não está bem e começamos a questionar porquê”, diz a psicóloga. “Mesmo silêncios muito curtos podem parecer desconfortáveis quando se espera claramente uma resposta. Isso acontece porque estamos sempre a ler os sinais uns dos outros e se alguém não responde de imediato, podemos interpretar isso como hesitação, incerteza, desacordo ou até reprovação.” É por isso que os silêncios podem ser especialmente desconfortáveis quando não há uma explicação clara para eles.
“O que dá significado aos silêncios é o seu timing e o contexto: quem falou antes, que tipo de fala foi e que tipo de resposta se esperava”, explica Alexa Hepburn. A investigadora refere que há três grandes tipos de silêncio numa conversa, que são sentidos de forma diferente pelos participantes:
- Pausas dentro do turno de fala. Acontecem enquanto alguém ainda está a falar, mas pára um momento para pensar ou escolher as palavras, sendo que estas pausas, se breves, são vistas como normais e não causam constrangimento social;
- Intervalos entre turnos de fala. Silêncios entre o momento em que uma pessoa termina de falar e outra começa. Neste casos, se ninguém intervém rapidamente, o silêncio pode tornar-se embaraçoso, sobretudo quando se espera uma resposta, depois de ter feito uma pergunta ou um convite;
-Hiatos. Silêncios mais longos em que ninguém fala e não é claro quem deve intervir a seguir. Podem surgir no fim de um tema ou quando a conversa perde dinamismo. Estes momentos podem ser muito desconfortáveis, dependendo da relação entre os interlocutores e do tema que está a ser tratado. Podem ser encarados como um silêncio cúmplice, mas também podem sinalizar desconexão, incerteza ou dificuldade com o que foi dito antes.
Mesmo em culturas em que se pautam por um discurso geralmente acelerado nas conversas, há ocasiões em que os silêncios prolongados são considerados normais, mesmo em contextos institucionais, é o caso de sessões de terapia ou consultas médicas. “Estes silêncios podem refletir dificuldade emocional: alguém pode ficar em silêncio depois de uma pergunta sensível ou quando está a lutar para exprimir algo perturbador. Estes silêncios são muitas vezes interpretados pelos profissionais como significativos por si só – não como “tempo vazio”, mas como sinais de sofrimento, reflexão ou mal-estar”, refere Alexa Hepburn.
Por outro lado, a investigação mostra que se o silêncio é desconfortável nas conversas entre pessoas que se conhecem mal, o mesmo não se passa entre bons amigos ou parceiros amorosos. De facto, estar confortável em silêncio com alguém, pode ser um bom indicador de intimidade e qualidade da relação, frisa a psicóloga Carla Martins. “Quando há confiança, presença autêntica e aceitação mútua, o silêncio pode ser vivido como um espaço seguro. Um lugar onde não há necessidade de desempenhos, de encher vazios com palavras, de provar nada.”