É uma história que já vimos muitas vezes: alguém sai de uma relação infeliz, promete que “da próxima vez será diferente”, mas, passado pouco tempo, está de novo numa relação idêntica, com uma pessoa não muito diferente da anterior. Porque é que por muito que se queira aprender com os erros, há qualquer coisa que nos empurra para escolher tantas vezes as pessoas erradas?
O que melhor explica esta tendência é a nossa propensão para repetição e para o que nos é familiar. “Repetimos os padrões de infância que estabelecemos, não só com cuidadores, como com pessoas significativas que servirão de referência a futuras relações”, explica Ana Cardoso de Oliveira, psicóloga clínica e autora do livro Porque nos apaixonamos pelas pessoas erradas (ed. Gradiva, 2007).
A psicoterapeuta esclarece que, da mesma forma que “filhos de pais com desorganização do impulso tem mais tendência para responder com impulsividade” e filhos de pessoas com dependências “têm maior prevalência de consumo de substâncias ou de comportamentos dependentes”, também nas relações reproduzimos comportamentos. Temos uma espécie de algoritmo emocional, que nos leva para os mesmos sítios: seguimos o guião habitual e “estabelecemos relações que reconhecemos e sentimos como familiares”. Isso pode jogar contra nós se os exemplos que temos ou a forma como fomos cuidados não foi a melhor.
“De facto, existe evidência científica que aponta para uma relação entre a qualidade das relações precoces e as que posteriormente os indivíduos desenvolvem”, reforça a psicóloga Vânia Sousa Lima, docente da Faculdade de Educação e Psicologia da Universidade Católica Portuguesa, no Porto, onde tem desenvolvido investigação sobre vinculação e relações íntimas.
Concretiza com alguns exemplos: “pessoas cujo desenvolvimento foi pautado pela inconsistência na prestação de cuidados tendem a apresentar maior dificuldade no reconhecimento e expressão de necessidades ao parceiro amoroso enquanto adultos”. Por outro lado, esse cuidado inconsistente que se recebeu na infância, pode também estar “associado a uma maior tolerância a comportamentos de menor disponibilidade, sensibilidade e responsividade por parte do parceiro amoroso”. A psicóloga frisa ainda que pessoas que temem muito o abandono, acabam muitas vezes a agir de uma forma que é percebida pelo outro como intrusiva ou excessiva, o que pode levar ao fim das relações vezes sem conta.
A investigação nesta área mostra também que há fatores sociais que interferem nestas escolhas pouco acertadas. A forma como vivemos o amor é moldada pela cultura — por narrativas literárias, mediáticas, músicas, filmes e valores transmitidos desde cedo. E a cultura ocidental herdou ideais de amor romântico do período medieval, ainda hoje presentes na cultura popular, que enaltecem os amores difíceis ou impossíveis, bem como a angústia e o sofrimento como prova da intensidade e devoção no amor. Estes são mitos que têm como consequência uma certa permissividade e normalização de comportamentos abusivos.
Por outro lado, explica Vânia Sousa Lima, decidir ter, não ter, manter ou terminar uma relação depende muito do contexto social, familiar e do círculo de amigos — e esse contexto raramente é favorável a quem está sem par. “As crenças de que ser-se adulto implica estar envolvido numa relação íntima de cariz amoroso pode gerar uma diminuição do crivo a partir de certa idade.” Nessa altura, torna-se mais fácil fazer más escolhas ou repetir padrões antigos, por se sentir a pressão de ter de estar numa relação.
Apesar da tendência para repetir padrões e das pressões sociais, é sempre possível começar a fazer novas escolhas, mas, para isso, é preciso em primeiro lugar ter consciência das que se têm feito até aí. Parar este ciclo implica parar de agir por impulso e “colocarmos as nossas competências relacionais e a consciência de nós próprios na procura de novas pessoas”, diz a psicóloga Ana Cardoso de Oliveira. Isso implica quase sempre um processo de psicoterapia, onde se ganhe consciência do que fazemos, porque fazemos e de como podemos mudar.