(c) 2023 am|dev

(A) :: Muitas obras, poucas mãos

Muitas obras, poucas mãos

A procura por habitação, as obras de reabilitação e os grandes projetos públicos criaram um plano de trabalho que se antevia positivo, mas sem mão de obra...

Nuno Garcia
text

A escassez de mão de obra na construção não é uma novidade. É um problema estrutural que se arrasta há mais de uma década e que condiciona prazos, qualidade e custos de obra. A AICCOPN – Associação dos Industriais da Construção Civil e Obras Públicas, estima um défice de cerca de 80 mil trabalhadores no setor, um número que tende a agravar-se com a atual dinâmica do mercado privado, a que se somam os grandes projetos públicos, como o novo aeroporto de Lisboa, a ferrovia de alta velocidade, o programa habitacional do Governo, entre outros.

Após a crise de 2011, o setor perdeu uma parte considerável da sua capacidade produtiva. Milhares de empresas desapareceram e muitos profissionais emigraram, mudaram de atividade ou reformaram-se. Falhou a renovação geracional e, num setor onde grande parte do conhecimento se transmite no local e com a prática, a falta de profissionais experientes limitou a entrada de novos trabalhadores. Esta incapacidade de resposta poderá traduzir-se, inclusivamente, na perda de fundos do PRR, comprometendo investimentos que poderiam acelerar a modernização do país. A procura por habitação, as obras de reabilitação e os grandes projetos públicos criaram um plano de trabalho que se antevia positivo, mas sem mão de obra a realidade é outra.

Perante esta escassez de recursos internos, o setor, que no passado já contava com muitos trabalhadores imigrantes, está hoje cada vez mais dependente da mão de obra estrangeira, essencial para manter a atividade. O verdadeiro desafio está em integrá-la e qualificá-la, sobretudo na reabilitação de edifícios antigos, onde são necessárias técnicas específicas e pouco replicáveis.

Ao longo do tempo, a perceção social da construção materializou-se também numa ideia de trabalho duro, pouco reconhecido e com fracas perspetivas de carreira. O resultado está à vista: menos atratividade, produtividade reduzida e custos ascendentes. Se nos anos 2000 se formavam nas universidades mais de três mil engenheiros civis por ano, hoje saem pouco mais de seiscentos, e muitos dos que escolhem engenharia optam agora por outras áreas, afastando-se da civil.

Não precisamos de soluções que resolvam o problema de um dia para o outro, precisamos de escalar o que já resulta. Um salário competitivo é hoje uma condição base, mas não é suficiente. Benefícios com impacto real na vida das pessoas podem fazer toda a diferença e desbloquear decisões. A formação contínua é indispensável e pode ser trabalhada em academias internas ou em parceria com escolas profissionais. É também essencial criar processos de integração mais eficazes para trabalhadores estrangeiros, com acompanhamento no terreno e formação em métodos construtivos locais. E do lado da tecnologia, soluções como a metodologia BIM, a construção modular e até a impressão 3D podem ajudar a aumentar o rendimento das equipas e permitir um maior controlo de qualidade.

Acima de tudo, é necessário melhorar a reputação do setor e comunicar melhor as oportunidades de carreira. Mostrar que é possível evoluir, especializar-se e trabalhar em condições seguras é fundamental para atrair jovens e profissionais de outros setores. Este é um esforço coletivo que deve envolver empresas, associações, escolas, universidades e administração pública, num alinhamento que permita valorizar quem já está no setor e atrair novos profissionais.

A estimativa de 80 mil profissionais em falta é mais do que um desafio: é uma oportunidade para colocar mãos à obra e construir, de forma consistente, o futuro do setor em Portugal.