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Superior em quase tudo

Será que a oferta formativa do ensino superior é a esperada pelo mercado? E se a sociedade começar a achar que o ensino superior é demasiado caro para empregos mal remunerados?

António Rocha Pinto
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Há uma anedota onde uma família resolve por uma mesa de picnic no meio da estrada, vêm carros que se despistam e chocam com as árvores no campo. Vem a polícia e pergunta: mas por que raio é que não puseram a mesa debaixo das árvores, fora da estrada, como toda a gente? O pai da família responde calmo, já viu como estaríamos agora? Esta estória lembra-me o nosso sistema de ensino no passado recente. De uma subida sustentada nos testes de Pisa, caímos a pique, foram retirados os exames intercalares e o resultado foi o que se esperava, chocámos com as árvores, com a realidade.

Apesar da evidência, e de se tratar de o ensino ser (deveria ser?) o centro do pensamento, numa forma muito portuguesa, o “problema” de ter havido menos entradas nas universidades e politécnicos na primeira fase do concurso nacional já tem proposta de solução: reduzir a ponderação da nota de exame no compto. Traduzindo: não ligar aos exames e considerar (muito) as notas da escola. Considerando que estas decisões vão comprometer o futuro não só dos alunos, mas de todos nós, talvez fosse de se olhar mais amplamente para o “problema”.

A primeira questão já sabemos – políticas erradas de simplificação, de retirar o conceito excelência, de tentar igualizar tudo e todos. Mas não só: apesar de o número de alunos no secundário se ter mantido mais ou menos constante (com um sentimento de descida moderado) a tipificação do aluno mudou. Os alunos “estrangeiros” já são cerca de 13,9% do total. O problema, o verdadeiro, vem de mais atrás. As escolas passaram a ser classificadas, tal como os professores, pelo “sucesso escolar”, entenda-se pela percentagem de passagens de ano. A consequência só pode ser uma redução do nível de exigência e por consequência da qualidade do ensino. Pelo caminho convém não esquecer que tem havido disciplinas sem aulas, falta de professores (outro real problema já que só pessoas com tendência para o heroísmo estão disponíveis, hoje, para serem professores). Ao contrário do que é praticado noutros países, como na Holanda, os alunos são inseridos em função da idade e do “percurso” no país de origem. Muitos sem dominarem minimamente a nossa língua pelo que o resultado só pode ser mau.

Um curso superior implica maturidade dos seus alunos, já que é uma antecâmara da sua futura vida profissional futura, mas implica sobretudo estudo, muito, e testes e exames, muitíssimos. Sem explicadores, sem apoio dos professores, sem programas ajustados às dificuldades dos alunos, sem conselhos de turma onde se votam as passagens (administrativas digamos). Um curso de engenharia tem (tinha!) cerca de 50 disciplinas, ou seja, na versão benigna, 100 testes / 50 exames. Finalmente a vida profissional! Com exames diários, nestes sem a menor hipótese de cabular, de desistir, de não saber.

Antes das “soluções” para o “problema” ou as críticas aos exames, feitos por uma reitora de uma instituição de ensino superior (IES) e ex-ministra da coisa(!!) e além da preparação dos alunos, talvez seja de tentar perceber se a oferta formativa do ensino superior é a esperada pelo mercado.

E se a sociedade começar a achar que o ensino superior é demasiado caro para empregos mal remunerados? Que um mestrado são cinco anos de custos que não se consegue amortizar em muitas profissões.

Entretanto o mercado chora por profissionais – na construção entre outros – mas as ofertas formativas nestas áreas talvez não sejam as pretendidas, e os jovens não sentem apelo por profissões que não sejam “de escritório”. Mesmo na engenharia (civil / obras) há um deficit que se agrava a cada ano, só que o trabalho implica pó, calor e frio, reuniões em contentores, mudanças frequentes de geografia.

Mas há um problema de fundo que nunca é falado. Os imigrantes têm compensado a redução das crianças portuguesas e não há programa de incentivos que mude, ou tenha mudado esta realidade. Ter filhos não é (apenas) uma questão financeira, implica, entre outras minudências ignorar os arautos do fim do mundo, que diariamente informam que já gastámos o planeta A e que não há B. Que o futuro é negro ou inexistente. Ter filhos implica ter fé, no futuro e num Deus. Quem pratica uma fé tem mais filhos. A regressão da prática está ligada à redução do número de crianças talvez fosse de assumir esta realidade e deixarem de atacar a(s) Igreja(s).