Com Diogo Noronha e Carlota Morais Pires foi all in. Há cerca de dois anos o chef abordou a comunicadora com o projeto do Diogo Noronha Studio. O que começou como uma avença na The Communication Studio transformou-se numa sociedade três meses depois. Agora os dois vivem juntos com as filhas de cada um — Diogo tem uma menina de quatro e Carlota uma menina de cinco — num apartamento perto do Jardim das Amoreiras que é, ao mesmo tempo, escritório, hub criativo e refúgio pessoal, onde receberam o Observador para uma conversa sobre moda, gastronomia, negócios e família.

Um instrumental tranquilo serve de banda sonora para uma manhã em que o sol ainda tenta aparecer por entre as nuvens que insistem em nublar o céu em pleno agosto. A música é central nesta casa, que não tem nenhuma televisão de propósito. Ao invés disso, na sala, Diogo Noronha mostra um verdadeiro set para a coleção com quatro mil discos de vinil organizados nas cinco prateleiras da estante, diante de uma mesa com dois gira-discos. Aqui no meio está, por exemplo, um exemplar de “Everybody Loves Sunshine”, de 1976, de Roy Ayers, ou uma edição japonesa de um disco do brasileiro José Roberto Bertrami. Mas não é só o chef a tocar nas agulhas. “As meninas escolhem discos e às vezes mexem, mais do que eu gostaria”, assume Diogo, que nos mostra um vídeo em que a filha canta e dança ao som de Tim Maia. Quase que a contornar a mesa de Dj estão dispostos pelo chão os vasos de plantas, uma combinação do que já estava no apartamento e outras que Carlota trouxe nos últimos meses. “Eu é que cuido”, conta-nos o chef, que se formou em cozinha em Nova Iorque e é especializado em gastronomia com base vegetal. “Há umas que morrem e eu vou salvá-las. Aquela esteve moribunda e agora está mais viva. Esta está a contaminar esta, que está doente”, aponta Diogo, que vai tocando nas folhas e movendo os vasos, que estão do lado oposto de um expositor de revistas diversas. “Sou muito analógico”, diz-nos Diogo. Já a mesa de centro tem uma composição de coffee table books de arte e moda, influência de Carlota, que trabalhou como jornalista na Vogue e na Máxima antes de viver experiências internacionais com nomes como Diane von Furstenberg e Stella McCartney. Há cerca de cinco anos fundou a The Communication Studio, uma agência de comunicação que trabalha marcas de beleza, design e moda. Por baixo das janelas as estantes guardam as outras dezenas — ou centenas — de livros do casal, que passam mais uma vez pela moda e vão das viagens à gastronomia, um reflexo daquilo que define cada um, e também os une.
Têm uma sala de estar com bastante personalidade. Destacam algum ou alguns objetos que tenham significado especial?
Diogo Noronha: Nas paredes tenho alguns quadros e artes que trouxe das viagens que fiz. Tenho uma ilustração de uma aldeia na Índia, uma peça de um casal de artistas de Parati, no Brasil, um colar de flores que trouxe da Índia e que tem muito significado para mim, um quadro que trouxe do Tibete… E tenho este quadro da minha avó, dos anos 1970, de que eu tinha medo quando era criança. A minha avó era uma pessoa super bonita, elegante, e este retrato era o mais marcante. Trouxe muitas coisas da casa dos meus avós para a minha casa.


Carlota Morais Pires: Tenho uma fotografia de uma fotógrafa portuguesa que não vive em Lisboa neste momento, a Elisa Azevedo. Achei a fotografia super bonita, é uma aquisição super recente. E também tenho um livro muito especial. Era do Paulo Macedo (diretor criativo da Vogue Portugal por 15 anos, e que morreu em 2018), e é um livro da Diana Vreeland (Visionaire 37 Vreeland Memos). São os mesmos que ela enviava para as pessoas que trabalhavam com ela, as notas todas. E é super interessante ver esta mente criativa, super assertiva, é incrível de ler. Estes marcadores eram do Paulo. E eram coisas que eu gostava especialmente, então eu guardei o livro assim. Não tenho voltado tanto a este livro, apesar de já o ter há algum tempo, desde que o Paulo morreu. Mas é uma memória boa. Porque quando ia a sua casa, ele adorava este livro e mostrava-me imensas vezes. Depois pedi para ficar com ele. Guardo no meu quarto. Tenho outros livros de moda, mas gosto muito deste livro. É assim uma relíquia.


A coleção de vinis e os gira-discos são parte importante da sala de estar. Como é a vossa relação com a música?
DN: Sempre gostei de música e coleciono discos de vinil há cerca de 15 anos. Às vezes acordo pela manhã e gasto um tempo a pôr música. Também costumava fazer as playlists dos restaurantes. No último restaurante em que trabalhei (Pesca, no Príncipe Real, que fechou em 2020), tínhamos um prato de vinil e eu comprava música de uma forma funcional. Acho que a música interfere na experiência de um restaurante, no ambiente. Os restaurantes são espaços de enorme curadoria, têm de oferecer uma experiência cultural. Sempre olhei para o restaurante como um todo. Pode ser mais casual, formal, fine dining. Neste último restaurante, levava os meus discos, fazia uma seleção particular para cada dia da semana, de acordo com o mood. No meu aspeto pessoal sou muito eclético, gosto de música brasileira, house, techno, break, funk, soul, jazz… E compro discos de várias formas: às vezes procuro online, outras vezes vou a lojas, há momentos em que estou em busca de discos difíceis de encontrar ou reedições. E para mim a música é muito expansiva, é muito importante para o meu processo criativo. Ajuda-me a ir para o foco, mas também para o momento de freak out. É um exercício criativo.
CMP: Ainda não tenho discos como o Diogo, mas apetece-me ouvir a minha música, então vou começar a comprar. Sou muito eclética, gosto muito de música brasileira, contemporânea, rock, coisas mais pop, como David Bowie. As vezes redescubro uma música e começo a ouvir em looping. Durante alguns anos fui jornalista e uso muito a música para trabalhar, ajuda-me a concentrar, escrever. Nestes momentos ouço coisas mais calmas, que não me ocupem a cabeça. Gosto de Zero 7, Portishead. Consigo estar focada no que estou a fazer e me manter afastada do que está à volta.

O que fazem quando estão os quatro em casa?
DN: Estamos sempre a ouvir musica. Nós não temos televisão, não tenho televisão em casa há anos. Cinema e filmes sim, mas a rotina das séries não é para mim. Não tenho nada contra quem veja, mas sou mais dos livros, discos, sou mais analógico. Mais da natureza, das atividades manuais, de ler revistas. No meu computador vejo atualidade, notícias, política, algumas coisas para espairecer e até alguma estupidez, mas tenho na minha natureza ativista interesse por temas ambientais, ecologia.
CMP: Ao início senti muita falta da televisão, chegava a casa depois de um dia de trabalho e queria ver algo, mas depois vi que há muitas coisas que nós podemos fazer. E agora começa a fazer sentido. Ouço as brincadeiras das nossas filhas, que são super criativas. Acho que não estarem constantemente estimuladas por ecrãs é bom. Elas pegam na coisa mais improvável, como um tupperware, enchem de água e criam uma história à volta da brincadeira. Acho que os pais querem entreter os filhos o tempo todo e acho importante ter tempo de tédio.
O Diogo já tinha alguma relação com a moda antes de se relacionar com a Carlota?
DN: No sentido estético e laboral eu sempre tive uma relação com a minha maneira de estar com a moda. Quando estive em Nova Iorque, por acaso, estive a acompanhar algumas semanas da moda através de amigos que também estavam ligados à moda. Mas nunca diretamente.
E a Carlota já tinha relação com a cozinha?
CMP: Não. Aprecio e sempre gostei de coisas bonitas e com qualidade. Acho que é aí que eu e o Diogo nos alinhamos bastante. Mas desde que trabalho e namoro com o Diogo, que a minha relação com a cozinha é completamente diferente. Não cozinho, faço ovos estrelados, coisas básicas que qualquer pessoa consegue fazer. O Diogo é que cozinha, faz tudo. Mas hoje em dia valorizo muito ir a um bom restaurante, tenho muito cuidado com as coisas que compro. O Diogo faz questão de comprar tudo biológico. Tenho muita atenção ao que como, já não consigo comer qualquer coisa. Sempre gostei de ir a bons restaurantes e conhecer e tudo mais, mas de uma maneira muito mais desapegada. Hoje em dia tenho outro interesse. Quando vemos um restaurante novo, já fico a pensar, ok, o que é que o Diogo diria?


A cozinha e a gestão familiar de um chef
A cozinha do apartamento seria normal se não fosse pelos vários vidros de condimentos e fermentados posicionados ao lado do fogão e a ocupar as prateleiras do frigorífico. “Aqui tenho cogumelos que me sobraram há cerca de um ano. Isto aqui é do ano passado. Este outro é lactofermentado”, vai mostrando Diogo Noronha, que abre frasco a frasco, revelando cada aroma. Em determinado momento, pega num pote de mel do Brasil com uma cor esbranquiçada e oferece-nos uma prova. De acordo com o chef, algumas destas pastas Carlota “come à colher”. “Tenho um paladar diferente desde que conheci o Diogo. Há sabores muito complexos que não conhecia”, assume a relações públicas.
Diogo Noronha é o nome por trás de restaurantes como Pedro e o Lobo e Pesca, que estiveram abertos em Lisboa entre 2010 e 2020. Agora, dedica-se a dar consultoria a outros restaurantes e também ao novo projeto focado em experiências gastronómicas high end para marcas e eventos privados, levando o conceito de base vegetal, com a valorização da origem e da sustentabilidade, a projetos com curadoria artística e conceptual. É onde também tem explorado os sabores dos condimentos fermentados. “É super complexo e super saudável para o estômago e a flora intestinal. Por exemplo, aqui tenho sumo de uns tamarilhos, que é uma fruta muito específica, chamamos o tomate de inverno. Adoro usar, e há alguns que me sobraram do ano passado. De vez em quando olho para isto no frigorífico… Se der vou fazer um vinagre”.
As filhas já entraram no ritmo e apreciam snacks que podem não ser os mais populares entre outras crianças da mesma idade. “Por enquanto os menus de aniversário foram tiros ao lado”, brinca Diogo sobre as escolhas para as festas infantis. “As nossas filhas estão habituadas. Por exemplo, o melhor lanche que lhes podemos dar são umas algas salgadas. Elas adoram, veem um pacote e desaparecem”, conta Carlota. “Acho que não é qualquer criança que vê uma alga verde e escura e quer comer… Adoram pepino, alcaparras é das comidas preferidas”. Fora de casa a escolha das crianças é sushi e sashimi, e o restaurante de eleição é o Go Juu. Mas o casal também não dispensa uma tasca tradicional com comida portuguesa. Carlota vai no polvo à lagareiro enquanto Diogo escolhe peixe, marisco e porco alentejano. Os fins de semana variam entre um dia clássico em Lisboa — em que vão ao Mercado do Príncipe Real, à Livraria da Travessa, à loja de revistas Under the Cover e à Gulbenkian — ou um dia de aventura, seja pela Serra de Sintra ou na praia.
Como é a vossa alimentação em casa?
DN: Essencialmente base de vegetal, com alguma proteína animal muito bem escolhida. Acho que isso é realmente um dos meus valores máximos como cozinheiro, é a origem. E aquilo que eu pratico profissionalmente está completamente ligado. Apesar de que, obviamente, profissionalmente às vezes tenho que abrir um bocadinho o leque. Nomeadamente neste projeto que temos os dois e que é uma coisa muito mais personalizada e tem muitos eventos e curadoria. E como consultor também, ainda abro mais. Mas tento sempre introduzir esta consciência mais ecológica, mais ambiental, de tentar procurar o melhor produto. Não só do ponto de vista, digamos assim, mais técnico e profissional, no seu ponto máximo de sabor e de maturação. Mas realmente passar a introduzir essa consciência às pessoas. A forma como as coisas são produzidas e como são tratadas em cadeia, todo o processo, e essa relação com a agricultura e com a exploração animal. Isso é muito atual, muito pertinente. E tento cada vez mais levar essa consciência para as pessoas também. Porque isso tudo também promove saúde, está conectado e ligado. E a grande maioria das pessoas, por várias razões, está um bocadinho desligada ou desconectada. Não só com o ato de cozinhar diariamente em casa, mas com tudo o que isso implica, como a gestão de compras, a origem, o esforço que implica ir buscar os produtos, a sazonalidade, o receituário. Todo esse universo que faz parte de uma gestão diária e semanal.


Como é a vossa gestão familiar neste sentido, considerando que ambos têm trabalhos muito dinâmicos e os dois têm filhas pequenas?
DN: Eu faço questão que as nossas filhas comam o melhor que puderem. A toda hora, todos os dias. Os fornecedores e mercados, já tenho isso tudo, naturalmente. Não é um dilema.
CMP: Antes não tinha essa preocupação, comprava coisas banais no supermercado. E hoje em dia, acho que faz parte da rotina. Já sabemos que compramos as coisas no Miosótis, que já tem essa seleção ótima de produtos.
DN: No Miosótis e no Celeiro – sendo que é por esta ordem – compro coisas mais transformadas. Depois temos o Mercado do Príncipe Real, que está muito perto de cá, onde já vou há muitos anos, também para os restaurantes, e onde tenho relações com algumas pessoas que vendem, estabelecidas já há muitos anos. Mas também compro profissionalmente, mando e-mails, encomendo coisas. É toda uma dinâmica que se cruza, não é? Eu sou profissional de cozinha. Às vezes, quando compro para os eventos e projetos, também compro aqui para casa. Quando compramos proteína animal, comemos, maioritariamente, peixe. Depois, quando comemos carne, compramos às Manas (Talho das Manas) e aí compramos cabazes maiores e alguma coisa congelada, que nos permite também ter essa gestão diária em casa um bocadinho diferente.
E as meninas gostam?
DN: As nossas filhas adoram. A filha da Carlota, quando começámos a viver juntos, também começou a ser introduzida nesta dieta.
CMP: Estava a almoçar comigo no outro dia e eu comi umas batatas e ela disse: ‘mãe, apetece-me uns brócolos’ (risos).
DN: No fim de semana, tivemos um evento na sexta-feira e há sempre uma coisa ou outra que sobra. O jantar de sábado, com amigos, foi uma massa fresca que fui comprar aqui ao restaurante italiano, que fazem massa fresca e vendem para fora, com uma bisque de carabineira. As nossas filhas também já sabem o que é bom. Desde que a minha filha nasceu, faço questão de dar a maior variedade possível. Ou seja, frutos secos, leguminosa, os grãos, os vegetais todos. Come imensos fermentados, misos, massas fermentadas. Tudo aquilo que é do meu universo culinário e da minha proposta. Às vezes percebo que são coisas que se calhar têm demasiada complexidade. Mas depois também se vê que elas querem lá voltar. E lambem-se, já sabem, perguntam, dizem: ‘eu quero isto e não quero aquilo’.
E participam na cozinha?
CMP: Nós fazemos questão de puxar por elas. E elas adoram fazer parte, ajudar, sentem-se super capazes depois.
DN: Acho que esse é o gosto também da nossa vida familiar em casa. É perceber que as nossas filhas também se envolvem nesses processos todos. De uma forma muito natural, o que para um pai é super gratificante. Perceber que realmente há aqui uma dinâmica familiar em casa que é a nossa. E que é a nossa vida, a nossa forma de estar. E perceber que os nossos filhos se integram nisso de uma forma super natural e orgânica. Nós acreditamos que estamos a dar o melhor aos nossos filhos.
Como começou o interesse do Diogo pela cozinha?
DN: Há imensas formas de entrar a cozinhar. Mas pelo menos num contexto mais português, porque às vezes os meus colegas de profissão vêm de um registo tradicional e de memórias mais ligadas à família e tudo isso. Que eu também tenho, obviamente. Mas, para mim, um momento chave de ter começado a cozinhar realmente tem a ver com uma mudança que eu fiz na minha alimentação e na minha dieta aos 17 anos. Os meus primeiros livros de cozinha são todos livros macrobióticos e vegetarianos. Tornei-me vegano com essa idade, muito ligado à macrobiótica. E como tenho uma família grande… Cheguei à casa e os meus pais disseram: ‘desenrasca-te’.
É de onde vem também as experimentações com a fermentação?
DN: Sim. Como estava muito focado nisso, entrei muito a fundo nessa cultura, de base vegetal. E também, na altura, há 20 e tal anos, era um veganismo que, se calhar, não era tão comercial, digamos assim, como é o atual. Não havia tanta abertura, tantas opções de dietas. Obviamente que entrando pela macrobiótica e por uma cozinha mais de base ou de raiz asiática, japonesa e por aí fora, que é onde se iniciou o movimento macrobiótico, naturalmente, e talvez de uma forma não tão consciente, o tema da fermentação sempre me acompanhou e sempre esteve presente. Sendo que nos últimos seis ou sete anos comecei a entrar mais nesta exploração. O tema da fermentação é trabalhoso. Exige algumas condições que às vezes as cozinhas têm ou não têm. Em termos de temperatura, higiene, porque depois há um risco de alguma contaminação. Mas é mais forte e robusto do que as pessoas pensam. Às vezes, quando entram no universo da fermentação, as pessoas acham que isto é tudo muito sensível. Isto não é assim tão sensível. São bactérias, fungos, são todas essas coisas que estão vivas e temos que lhes dar as condições para estarem saudáveis e para não desenvolver outro tipo de bactérias e de fungos e por aí fora. Isto (aponta para um frasco) esteve ali na nossa cozinha com os tamarilhos durante, sei lá, meses. E eu no outro dia, pensei: ok está na altura de filtrar isto e meter no frio. Mas não foi pasteurizado. E agora está ali no frio e eu olho para isto: o que é que eu vou fazer? Vou fazer um vinagre. E faço. É um bocado esta a minha relação com alguns ingredientes e com alguns condimentos.


Estão a trabalhar juntos no Diogo Noronha Studio já há mais de um ano. Como tem corrido?
CMP: Acho que a parte boa é que nós somos os dois bastante criativos e eu gosto imenso do nosso processo criativo. E muitas vezes o Diogo ajuda-me com coisas que não têm nada a ver com o trabalho dele. Estou bloqueada em qualquer coisa e falo com ele e ele ajuda-me a desbloquear e temos conversas ótimas. Realmente temos isso em comum e os nossos trabalhos e as nossas funções são bastante separadas. O Diogo cuida da parte gastronómica, de bar e direção criativa e eu também faço direção criativa mas muito mais ligada à experiência de evento e produção.
DN: A parte da curadoria em geral nós temos essa cumplicidade em alguns detalhes, e isso é a parte mais sexy do nosso trabalho, onde nós nos encontramos.
CMP: A nossa vida pessoal e a nossa vida profissional estão muito interligadas, não sei muito bem quando acaba uma e começa a outra.
Qual foi o maior desafio até agora? Houve algum evento muito difícil?
DN: Fiz alguns eventos quando era um jovem cozinheiro, nem era chef de cozinha sequer, e depois estive alguns anos a abrir restaurantes e a lidar com o universo da restauração. Neste momento estou bastante focado no universo e no potencial que os eventos têm. Mas sim, já tivemos pedidos desafiantes que não avançaram por budget. O que estavam a pedir e o orçamento disponível não era de todo realista. E com os clientes temos que fazer este exercício. Na minha perspetiva, pela curadoria e pela experiência de imersão e conexão, esse é o futuro e por isso é que há esta tendência, que está mais desenvolvida em algumas cidades como Paris, Tóquio, Londres, Nova Iorque, onde já se vê eventos com uma curadoria incrível e um budget que permite algo muito personalizado. Em Portugal ainda se vai navegando de outra forma.
CMP: Tivemos uma colaboração com uma marca de roupas em que a diretora valoriza muito as nossas ideias. Desafiou-nos a fazer um evento todo em tons de azul. Mandámos fazer uma mesa e bancos todos azuis, pratos azuis… Gostei imenso deste evento porque quando trabalhamos com criatividade é bom também quando o cliente nos dá essa abertura e valoriza as nossas ideias. Temos imensas ideias e para mim o maior desafio é levar isto aos clientes que tendem a querer algo mais tradicional.


Como começaram a trabalhar juntos?
DN: Na verdade, eu comecei este projeto, do Diogo Noronha Studio. É um projeto recente, nós estamos a conquistar o nosso lugar no mercado nas várias dimensões e nos vários braços que o projeto tem. Também sou formado em comunicação social e ao longo da minha carreira estive sempre ligado a pessoas que me faziam assessoria de imprensa e que me faziam trabalhar mais nessa parte da comunicação. Mas com o afastamento da restauração, um formato em que estive ligado durante muitos anos, também esse tipo de relações acabaram por cair um pouco. Fiz uma pausa, tive a questão do que eu queria fazer e tudo mais, e aos poucos comecei a desenhar um projeto na minha cabeça que foi ganhando forma. Então cheguei a um momento em que senti a necessidade de começar a comunicar, de o apresentar. Não foi automático ou natural querer apresentá-lo num formato mais ligado ao universo dos chefs e agências de chefs. Quis que fosse uma coisa um bocadinho mais ampla porque o projeto também tinha essa amplitude. E também o estúdio da Carlota é muito particular na forma como comunica e como se relaciona com as marcas. E logo ao princípio, nas primeiras vezes em que conversámos, percebemos que havia uma oportunidade e uma empatia grande naquilo que é o trabalho dela e no meu trabalho.
CMP: Já tinha começado a ter essa conversa com uma pessoa que trabalhava comigo na altura, porque fazíamos eventos e eu sentia: ok, o evento correu lindamente, mas a parte gastronómica sentia que era quase como se fosse uma coisa à parte. Como o evento é fluído, tudo está integrado e comunica da mesma forma. E depois eram as críticas que eu recebia quando as pessoas me davam o feedback. Diziam: ‘olha, adorei tudo, foi incrível, adorei a música, adorei que pensaram nisto e naquilo, mas realmente o catering falhou’. E eu ficava sempre super frustrada porque nunca conseguia entregar da mesma forma. Estou muito atenta ao que se passa lá fora, ao que as marcas fazem, à forma como elas se comunicam, e acho que acompanho mais o trabalho de marcas internacionais e agências internacionais do que tanto o contexto português. Depois conheci o Diogo e percebi que ele tinha essa vontade e esse talento também e acho que a partir daí mudou do zero para o cem. Desde o início é um entusiasmo completamente diferente poder pensar um evento completamente do zero com o Diogo. Nós pensamos nos detalhes de tudo e isso também não tem só a ver com a experiência que entregamos mas com o processo.
DN: Estamos a navegar neste universo e estamos a conquistar um lugar. É uma aventura e uma experiência. A introdução de um estúdio criativo que tem uma componente gastronómica, criativa e de curadoria num contexto nacional, é muito interessante, abre muitas portas.

E no meio do processo de trabalho surgiu um romance…
CMP: Nós temos uma grande empatia. Começámos a passar tanto tempo juntos e percebemos todas as coisas que temos em comum. Gostamos muito das mesmas coisas, foi tudo tão natural. Não foi algo pensado nem forçado.
DN: Este é o lado mais romântico e sexy da natureza da nossa relação. Há todos os outros desafios que a Carlota e eu alinhamos bastante e fazem com que a nossa relação possa funcionar. Nós não temos tantos limites entre as nossas esferas pessoal e profissional, no sentido em que os estímulos e a forma como abordamos a nossa criatividade é muito natural e orgânica.
CMP: Acho que a natureza do nosso trabalho é mesmo essa. Quando era jornalista, fazia uma viagem e passava por uma montra e pensava que isso podia ser bom para um artigo. E agora estou sempre atenta, eu e o Diogo estamos sempre a mandar coisas um ao outro.
DN: Depois tem esta camada de intensidade de uma vida familiar e de às vezes sermos capazes de travar. Porque depois há a contabilidade, os desafios financeiros, a procura de investidores, há todo esse lado, porque é um negócio que pede uma infraestrutura.
Há quem diga que uma sociedade pode afetar as relações pessoais. Como lidam com os limites entre o trabalho e a vida pessoal?
DN: É verdade. Por isso digo que foi all in, e só nos apercebemos disso quando estávamos mesmo dentro: filhos, família, negócios, sócios, trabalho em casa. Mas estou feliz e acho que a Carlota também está super feliz. É positivo e funciona, com todos os desafios que os casais e as dinâmicas profissionais têm.
CMP: Adoramos o que fazemos e estamos unidos por uma coisa boa que nos faz feliz.