O que é o narcisismo? 8 perguntas para entender a autoconfiança que esconde inseguranças
Necessidade constante de admiração, intolerância à crítica, relações sociais complicadas. Os narcisistas "fazem tudo para serem admirados, mas o que desejam verdadeiramente é ser amados”.
1 O que é o narcisismo?
O nome inspira-se no mito de Narciso, personagem da mitologia grega, jovem, bonito e vaidoso, que se apaixona pela sua própria imagem quando a vê refletida na água.
Para a psicanálise, o narcisismo corresponde a uma fase do desenvolvimento psicossexual, não a uma patologia ou perturbação de personalidade. Sendo central no desenvolvimento da personalidade, o narcisismo influencia a forma como a pessoa se relaciona com os outros.
“Existem traços narcísicos saudáveis, que permitem o desenvolvimento da autoestima e a capacidade de lidar com a frustração”, diz o psicólogo Pedro Martins. Como a autoconfiança, uma autoestima robusta, a capacidade de valorizar as suas competências e conquistas, a realização pessoal sem necessidade de aprovação externa.
Apesar de o conceito de narcisismo, como característica de personalidade, surgir no século XIX, foi apenas em 1914 que o psicanalista Signund Freud se referiu à existência de um narcisismo patológico. Desde então, muitos contributos permitiram aprofundar e compreender melhor a Perturbação de Personalidade Narcísica (PPN).
2 É então uma perturbação de personalidade?
Quando se fala em narcisismo, de uma maneira geral, referimo-nos à Perturbação de Personalidade Narcísica (PPN). Narcisismo e perturbação de personalidade narcísica são duas coisas distintas.
Pedro Martins explica. “Podemos dizer que a PPN se caracteriza por comportamentos narcisistas, capazes de criar um sofrimento significativo no próprio e no outro.”
O amor próprio é importante e narcisismo pode ser considerado o amor de uma pessoa por si própria e pela sua imagem. Mas há graus de autoestima que podem conduzir tanto a um narcisismo saudável, o que não significa ter uma perturbação, como a um narcisismo patológico, que interfere no modo de vida e de estar consigo e com os outros.
3 E como se manifesta?
Habitualmente olhamos para um narcisista como alguém com uma grande autoestima, que apresenta expressões de grandiosidade, arrogância, necessidade de admiração e exibicionismo e desvaloriza os outros.
No entanto, há outras pessoas que apresentam uma enorme timidez, vulnerabilidade, angústia e sentimentos de inadequação. São muito sensíveis à crítica e à rejeição.
Pedro Martins adianta que, de uma maneira geral, “o narcisismo caracteriza-se por um padrão persistente de grandiosidade, falta de empatia, necessidade de admiração, reduzida tolerância à crítica, insegurança e carência de validação externa. A falha e o fracasso são sentidos como uma humilhação.” E, por vezes, os narcisistas contra-atacam com raiva e desprezo. “São arrogantes e manipuladores.” De uma maneira geral, evitam situações que impliquem o risco de falhar.
“Tendem a sobrevalorizar as suas capacidades e realizações. A necessidade de se sentirem superiores faz com que diminuam o valor e os sentimentos dos outros. Por vezes, fantasiam com grandes realizações. E procuram estar próximos de pessoas ‘importantes’ para beneficiar do efeito contágio.”
Tudo isto, sustenta o especialista, “contrasta com a vivência interna destes sujeitos, onde o sentimento subjacente é de vazio, impotência, vergonha, raiva, inveja e frustração.”
A raiva narcísica, por exemplo, é grave. “É uma agressividade maligna, oriunda do ódio ou da hostilidade e geradora da mais temível, destruidora e verdadeira violência — porque é uma violência que não pára, dificilmente se esgota e permanentemente se reconstitui.”
4 O narcisismo pode ser confundido com arrogância e excesso de autoconfiança?
“A arrogância (se for constante) pode já estar a tocar ou fazer parte da PPN”, diz Pedro Martins. Mas não pode ser confundido com excesso de autoconfiança. “Há pessoas com falta de confiança e pessoas confiantes (diria que as muito confiantes sejam aquelas que apresentam mais demonstrações de confiança). Vejo o ‘excesso’ como uma forma de esconder uma falta/falha.”
Todos temos inseguranças e fragilidades emocionais. É um facto. Cada um, tendo em conta o seu desenvolvimento, recorre a formas diferentes de lidar com essas vulnerabilidades. “As pessoas com PPN têm muita dificuldade em lidar com isso e escondem as inseguranças e fragilidades de si e dos outros”, diz o psicólogo.
5 Como é que o narcisismo afeta a vida emocional e as relações sociais?
De várias formas. A vida emocional é afetada na medida em que há uma dificuldade em manter relações estáveis e saudáveis, muitas vezes baseadas na dependência do outro.
“Ao mesmo tempo, toda a dedicação, cuidado e amor que lhe possa ser dado nunca é suficiente. Uma vez que receber é sentido como evidência de pobreza e carência, acaba por não aceitar muito do que lhe é dado.” Perpetua-se, assim, o sentimento de carência e frustração.
Normalmente, as relações sociais, por serem menos profundas, não são tão afetadas quanto as de casal.
Pedro Martins adianta que, muitas vezes, “são pessoas que apresentam um certo carisma e, por essa razão, podem ser cativantes, gerar proximidade e alguma admiração.” E esse é o grande equívoco. “Fazem tudo para serem admiradas, mas o que desejam verdadeiramente é ser amadas.”
Há, naturalmente, consequências na relação com os outros, que têm dificuldades em perceber o que está por detrás dessa espécie de “máscara”, muitas vezes, disfarçada de autoconfiança. E que, por isso, medem cada palavra com receio da reação, com medo da crítica e da humilhação.
6 Como se faz o diagnóstico?
É realizado de acordo com critérios clínicos e por técnicos habilitados. Pessoas com PPN apresentam, na sua maioria, uma série de características:
- Arrogância e altivez;
- Grandiosidade, sensação exagerada e infundada da sua importância e dos seus talentos;
- Fantasias de poder, sucesso, influência, inteligência, beleza ou amor perfeito;
- Necessidade constante de admiração incondicional pelos outros;
- Convicção de ser único, especial e superior às outras pessoas;
- Falta de empatia com sentimentos, desejos ou necessidades dos outros (que desvaloriza constantemente);
- Inveja dos outros e convicção de que o invejam.
7 Quais são as principais causas desta perrturbação?
Não são totalmente conhecidas e acredita-se que resultam de uma combinação de fatores genéticos, ambientais e psicossociais. Experiências na infância relacionadas com supervalorização ou críticas excessivas, negligência ou abuso, bem como um histórico familiar de perturbações de personalidade e influências culturais que valorizam o individualismo e o sucesso são alguns exemplo.
Há especialistas que referem traumas assimilados de forma desvirtuada, com pensamentos e comportamentos diferentes dos esperados. E aspetos culturais que exaltam a aparência, o sucesso material e a competição.
O psicólogo Pedro Martins lembra que uma experiência afetiva onde a relação mãe-filho não foi suficientemente boa, devido a falhas na parentalidade, principalmente durante a primeira infância, tem sido apresentada como causa.
“O contexto familiar e de cada membro da família onde o sujeito cresce (pai, mãe, cuidadores) tem uma enorme influência. O contexto externo também tem um peso na forma como o sujeito se desenvolve.”
Ao mesmo tempo, realça, numa sociedade cada vez mais tecnológica, competitiva e centrada na eficiência, limita-se a experiência coletiva e favorece-se o individualismo. “O indivíduo é atraído para a busca da perfeição e ainda não encontrou forças para fugir dessa tentação. A divisão bons/maus, nacionais/estrangeiros, nós e os outros, etc., que se assiste na sociedade, é equivalente à clivagem mental que também pode ser encontrada na PPN.”
8 Como se trata o narcisismo, quando isso se justifica?
Antes de mais, com psicoterapia porque é importante compreender a sua origem e o seu desenvolvimento. #O terapeuta precisa habitualmente de adaptar a abordagem às características de cada paciente”, diz Pedro Martins que lembra o pensamento de Heinz Kohut, psicanalista norte-americano, nascido na Áustria no século passado, que defendia que a terapia deve estimular os desejos e as necessidades narcísicas dos pacientes, fornecendo a oportunidade de desenvolvimento e, desta forma, completar o desenvolvimento que teria ficado suspenso.
O psicólogo recorda ainda Freud que dizia que, em momentos de grandes e rápidas mudanças, uma pessoa pode regredir num movimento narcísico, e assim, o investimento destinado ao outro é direcionado a si próprio.