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(A) :: A informação nas nossas TVs ou o filme das nossas desgraças

A informação nas nossas TVs ou o filme das nossas desgraças

É um consolo e um bálsamo cada vez maior assistir aos serviços noticiosos das nossas TVs, em que nos anunciam que o mundo pode acabar amanhã.

António Ribeiro
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Acabo de assistir a mais um dos serviços noticiosos das nossas TVs, no horário das 20h00, neste caso da TVI.

Na linha do que vem acontecendo nos vários canais de sinal aberto há algum tempo a esta parte, o serviço noticioso das 20h00 começa mais cedo cerca de 5 minutos, sendo que na presente data teve início às 19h54, não fosse o espectador fugir para outro canal…

Arrancou com o chumbo da lei dos estrangeiros no Tribunal Constitucional e ganhou um balanço de desgraças sucessivas e um crescendo angustiante, que não mais parou até às 21h22, salvo para colocar no ar uma rubrica típica de Verão, fora do cartaz noticioso.

Sem pretender elencar com rigor cronológico a emissão do portfólio de notícias, limito-me, apenas, a dar conta do generoso rol de desgraças noticiosas com que a TVI nos brindou no jornal das 20h00 de hoje:

1. Chumbo da lei dos estrangeiros no Tribunal Constitucional, com as habituais entrevistas às partes para que se pronunciassem sobre o problema;

2. Incêndios pelo País fora com os directos habituais, acompanhados das imperdíveis entrevistas a comandantes de Bombeiros, quais estrelas televisivas da Estação do ano em curso; a populares angustiados e atordoados pelas chamas e pelo fumo tentando salvar os seus bens e o seu património; a especialistas de combate a incêndios, sempre com soluções de execução aparentemente fácil, mas que, por qualquer razão que nós desconhecemos, nunca são implementadas de um ano para o outro, tornando fatal a repetição da tragédia dos fogos anos e anos a fio;

3. Incêndio no sul de França, com proporções gigantescas, recolhendo o troféu do mais dantesco das últimas décadas;

4. As cheias na China, com várias mortes e milhares de famílias desalojadas;

5. A incontornável guerra na Ucrânia e os malabarismos repetidos até à náusea pelo Sr. Putin, para fingir que quer uma paz que nunca quis. Por sua vez, e do outro lado do Atlântico, Trump conta os minutos para explicar aos Americanos que, apesar de ter terminado o seu pseudo-ultimato a Putin, nada vai fazer embora garanta que tudo vai mudar. É o que se chama a arte do grande ilusionista do faz de conta;

6. A guerra em Gaza, as imagens das crianças esfomeadas, sejam elas de hoje ou anteriores à guerra, coisas que a Inteligência Artificial ainda não consegue destrinçar ou, pelo menos, ainda não a convocámos a fazer, talvez por conveniência “jornalística”…

7. As esquadras da Polícia afinal não têm Polícias, pelo que escusam de lhes bater à porta a pedir socorro porque ninguém vos pode valer… liguem o 112 e rezem à nossa Sra de Fátima para que sejam atendidos antes que a chamada caia;

8. A plataforma do SNS está com problemas sérios e não permite as funcionalidades habituais, nomeadamente nos acessos às receitas para saber quais os medicamentos que ainda podem ser dispensados.

Acresce que ficámos a saber que o Sr. Presidente da República, o inefável Prof. Marcelo Rebelo de Sousa, em mais uma das suas quatro declarações diárias aos orgãos de comunicação social, está a avaliar a situação do SNS e irá pronunciar-se sobre o mesmo no final do período de férias… aguarda-se com grande ansiedade mais esta tomada de posição do Sr. Presidente da República!

Pela minha parte, e de modo a prevenir mais este embate psicológico, já mandei reforçar a dose de ansiolíticos de toma líquida dos laboratórios das Regiões do Dão e Douro, nas doses branco, tinto e rosé, de modo a ultrapassar mais este momento de grande crise nacional…

9. Os trabalhadores de terra dos aeroportos resolveram contribuir, mais uma vez, para a felicidade de quem espera um ano inteiro para fazer as merecidas férias e avançaram para mais uma greve em pleno pico do mês de Agosto… a isto chama-se sentido de oportunidade sindical!

10. Pelo meio do noticiário foram chovendo outras notícias avulsas e de profundidade dramática equivalente, todas elas concorrendo no sentido de manter o cidadão desprevenido agarrado do princípio ao fim ao rosário de desgraças que o País e o mundo nos oferecem, em pleno período de férias de 2025;

11. Por último, e porque nem tudo na vida e no mundo é mau, o pivô de serviço, o José Alberto Carvalho, brinda-nos generosamente às 21h22, ou seja, 1h28 depois do arranque do serviço noticioso da desgraça, com as mágicas palavras que transcrevemos: “e por último, uma boa notícia…” e discorre sobre um menino de três anos que toca piano deliciosamente acompanhado por uma orquestra!

Em suma, depois de nos bombardearem com desgraças, sangue e lágrimas durante uma hora e meia, a TVI teve a bondade de nos oferecer dois minutos de uma boa notícia ocorrida no mundo dos vivos, numa mensagem subliminar do tipo: “Ó minha gente, isto está muito mau, mas ainda poderia estar pior…”!

É um consolo e um bálsamo cada vez maior assistir aos serviços noticiosos das nossas TVs, em que nos anunciam que o mundo pode acabar amanhã, e só por caridade cristã é que não nos dizem que poderia acabar ainda hoje! São tão generosos estes canais televisivos e os jornalistas que os servem, que me desfazem a alma!

Acho que as TVs e os seus gurus do marketing, ainda não perceberam porque é que estão a perder espectadores todos os dias!

Pela minha parte, já tomei uma decisão há bastante tempo: vou dar-lhes cada vez mais folga, buscando aqui e ali, as belezas e os mágicos encantos que este País e este mundo ainda têm e em doses apreciáveis!

Boas férias para todos os meus amigos!