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O que é a perturbação de ajustamento e como se manifesta após grandes mudanças na vida, boas ou más. Nove perguntas e respostas

Reações emocionais a um acontecimento stressante, negativo ou positivo, como uma separação ou mudança de cidade. A ansiedade e a tristeza persistente são alguns sinais. O corpo também se ressente.

Sara Dias Oliveira
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1 O que é a perturbação de ajustamento?

É uma perturbação mental, um transtorno psiquiátrico, que acontece quando uma pessoa tem dificuldade em lidar com uma mudança significativa da sua vida ou uma situação stressante. Pode ser algo negativo como um divórcio, a perda de emprego, problemas familiares e escolares, um acontecimento traumático como a morte de uma pessoa próxima. Ou algo positivo como o nascimento de um filho ou uma mudança desejada de cidade.

Não é aquela ansiedade normal. “O que acontece é que a reação emocional da pessoa torna-se demasiado intensa ou mais prolongada do que o esperado, dificultando o seu funcionamento no dia a dia”, adianta David Dias Neto, psicólogo, professor e investigador, esclarecendo que “não se trata de fraqueza.” “É uma resposta emocional que, por algum motivo, ultrapassa os recursos que a pessoa tem naquele momento.”

2 Quais são os sintomas?

Variam de pessoa para pessoa, mas geralmente envolvem tristeza persistente, sentimentos de angústia, ansiedade, choro frequente, perda de interesse em atividades quotidianas, alterações no sono e no apetite, irritabilidade, dificuldade de concentração, e até mesmo isolamento social e consumo de substâncias.

Segundo David Dias Neto, os sintomas têm de ser suficientemente relevantes para provocar um sofrimento significativo ou um impacto evidente na vida familiar e profissional. “Ou seja, têm de ultrapassar a intensidade habitual deste tipo de situações ou ter um impacto claramente acima do esperado.”

3 E em que tipo de situações se manifesta?

A perturbação de ajustamento está sempre ligada a um acontecimento em concreto, que pode ser o fim de uma relação amorosa, a morte de alguém próximo, uma doença grave, problemas financeiros, mudanças no emprego ou na rotina familiar. Há outras situações como a reforma, quando significa a perda de identidade ou de propósito de vida, ou a ida dos filhos para a universidade e a saída de casa.

“Mesmo eventos alegadamente ‘positivos’ — como casar, mudar-se para o estrangeiro ou ter um bebé — podem desencadear a perturbação, se provocarem muito stress ou mexerem com a estrutura emocional da pessoa”, refere o psicólogo.

4 E há um horizonte temporal para se revelar e para terminar?

A resposta não é linear e objetiva porque varia de pessoa para pessoa e do acontecimento. Não há um tempo propriamente estabelecido. Ainda assim, o especialista diz que é comum os sintomas surgirem até três meses depois da situação stressante.

Há fatores a ter em consideração e David Dias Neto dá alguns exemplos. “Existem acontecimentos únicos que ocorrem numa situação, como um despedimento, e existem outros que, mesmo ocorrendo num momento (uma separação, por exemplo), têm muitos outros momentos que se prolongam do tempo (sair de casa, divórcio, por exemplo).”

O tempo que demora a passar também depende de alguns aspetos. “Em muitos casos, desaparecem naturalmente à medida que a pessoa se adapta à nova realidade.” No entanto, se a situação continua, os sintomas podem persistir. Por definição, adianta o especialista, se a perturbação durar mais do que seis meses após o fim do fator stressante, ou se os sintomas se agravarem, “pode haver transição para outro tipo de perturbação, como uma depressão mais grave.”

5 As causas estão identificadas?

A causa é o acontecimento de vida que a pessoa sente e vive como stressante. Nem todas as pessoas reagem da mesma forma às mesmas situações. Tal como a maioria dos casos de saúde mental, a reação emocional tem múltiplos fatores.

Fatores como a personalidade, a história de vida, experiências passadas, e a presença ou ausência de apoio social, fazem diferença, sublinha David Dias Neto. “Alguém com historial de ansiedade ou depressão, ou com acontecimentos traumáticos no passado, pode ser mais vulnerável. O mesmo acontece com pessoas que têm menos apoio da família ou dos amigos.”

6 Quais os impactos na vida de uma pessoa?

São vários e a diversos níveis. Afeta várias áreas: o trabalho, a vida familiar, os relacionamentos, a saúde física. Por exemplo, uma pessoa que acabou uma relação pode começar a faltar ao trabalho, evitar os amigos, perder o apetite, discutir com os filhos.

Uma pessoa que mudou de emprego pode andar sempre nervosa, angustiada, e procura isolar-se. Uma mulher que é mãe e um homem que é pai podem sentir uma angústia desmesurada perante essa nova fase das suas vidas. Um jovem que muda de cidade, mesmo que tenha sido por vontade, pode sentir-se desajustado, desenquadrado, emocionalmente exausto.

É importante não ignorar os sinais. Até porque, segundo o psicólogo, por vezes, “o que começa como ‘um momento difícil’ pode levar a um sofrimento emocional, em que a pessoa sente que não consegue dar a volta.”

7 Além das mazelas emocionais, há repercussões físicas?

Sim e é mais frequente do que se pensa. O stress emocional, que se prolonga no tempo, pode afetar o organismo. O corpo fala quando a mente está sobrecarregada.

“É comum surgirem dores de cabeça, tensão muscular, problemas digestivos, cansaço extremo, insónias ou mesmo crises de pânico”, adianta o psicólogo. Estes sintomas não devem ser desvalorizados. O corpo está constantemente em alerta e isso tem consequências.

8 Que intervenções podem ser feitas?

Em primeiro lugar, procurar ajuda rapidamente. O psicólogo explica porquê. “Por vezes, as pessoas adiam, acreditando que vai passar e, na prática, estão a tornar crónicos problemas que poderiam ser atempadamente resolvidos.”

A psicoterapia é o principal tratamento. “Ajuda a pessoa a compreender o que está a acontecer, a reorganizar pensamentos e emoções, e a desenvolver estratégias para lidar com a situação”, refere, acrescentando que, em algumas situações, “o psiquiatra pode considerar o uso temporário de medicação, sobretudo quando os sintomas são muito intensos.”

Além disso, é fundamental reforçar os laços sociais e promover hábitos saudáveis na alimentação, no sono, na atividade física e no tempo de descanso.

9 É facilmente confundível com outras perturbações mentais?

Sim, frequentemente, responde David Dias Neto. Esta perturbação é confundida com depressão, ansiedade generalizada ou até perturbação pós-stress traumático. Mas há forma de distinguir. “A diferença principal é que, na perturbação de ajustamento, os sintomas estão claramente associados a um acontecimento específico e têm um limite de tempo.”

De qualquer forma, é essencial que o diagnóstico seja feito por um profissional, para que o tratamento seja o mais adequado possível.