Em férias, a andar pelas ruas de uma cidade a milhares de quilómetros de casa, vira-se uma esquina e, de repente, a fachada verde de uma padaria, o cheiro a pão quente, o gato sentado à porta, a moto vermelha que passa a acelerar, causam a sensação, muito nítida de já ter estado naquela rua e já ter visto tudo aquilo. Ao mesmo tempo, outra certeza: nunca se esteve naquela rua e nunca se viu nada daquilo porque é a primeira vez que se está naquela cidade.
O termo déjà vu que, em português, significa “já visto”, refere-se à sensação intensa de já ter visto, vivido ou experimentado, no passado, algo que está a acontecer no presente. A sensação é bizarra, dura geralmente apenas alguns segundos e, apesar de não acontecer com muita frequência, é comum: alguns estudos mostram que cerca de 60% das pessoas já o sentiram pelo menos uma vez na vida. Sabe-se também que é mais comum na adolescência e início da idade adulta, diminuindo com o avançar da idade.
O dèjá vu não é todo igual. No livro The Psychology of Déjà Vu, o neuropsiquiatra Vernon M. Neppe propõe que existem vários tipos de déjà vu, entre eles, o déjà vécu, a sensação de já ter visto ou vivido algo; o déjà senti, a sensação de já ter sentido algo e o déjà visité, a sensação de já ter estado um lugar que a pessoa nunca visitou.
Durante muito tempo foi uma sensação remetida para o campo do paranormal ou da doença. Hoje continua a ser misterioso, mas é mais estudado e sabe-se que pode ter relação com algumas doenças, nomeadamente a epilepsia, algumas perturbações psiquiátricas e, começa a perceber-se agora, com certas doenças cardiovasculares. Apesar disso, na maioria dos casos é um fenómeno benigno, sentido por pessoas saudáveis.
Mas o que é exatamente o déjà vu? Uma sensação? Uma memória? Um erro do cérebro? “É tudo isso”, confirma Chris Moulin, professor de neuropsicologia cognitiva na Universidade Grenoble Alpes, em França, “mas acima de tudo, é uma sensação muito particular, seja pela sua intensidade e raridade, seja porque tem como marcante o facto de se tratar de uma sensação de familiaridade combinada com o conhecimento de que essa familiaridade é falsa”.
O investigador em memória humana, conhecido sobretudo pelo seu trabalho sobre o déjà vu, explica que os estudos científicos mostram que este fenómeno pode acontecer devido a uma atividade elétrica invulgar no cérebro, o que faz com que possa também ser considerado erro cerebral relacionado com a memória. “É uma experiência perfeitamente normal, embora pouco frequente, que não reflete necessariamente um mau funcionamento cerebral — aliás, a nossa investigação mais recente sugere que pode até funcionar como uma espécie de factchecking: uma experiência que corrige uma falsa sensação de familiaridade. Nesse sentido, é algo positivo e parte de um sistema de memória saudável e bem afinado.”
Em termos práticos, no cérebro, tudo começa com a sensação de familiaridade. Estamos constantemente a observar o mundo, à procura do que nos é familiar ou novo. “E este é um processo muito básico, rápido e automático. Por exemplo, vemos uma cara no autocarro e parece-nos familiar. Mais tarde, apercebemo-nos de que é a assistente do nosso dentista.”
O déjà vu acontece quando esta sensação de familiaridade se desprende da realidade. “A tentativa de encontrar um conteúdo que corresponda à sensação falha, e ficamos com a perceção de que aquilo é impossível. Por exemplo, ir a Nova Iorque pela primeira vez, tudo parece muito familiar, mas saber que não pode ser verdade. É este conflito entre sentir familiaridade e saber que é impossível que dá ao déjà vu o seu carácter tão particular.”
Quanto ao motivo pelo qual nos parece familiar algo quando não é, há várias explicações: “pequenos problemas neurofisiológicos pouco frequentes; semelhanças entre experiências passadas e presentes ou até já termos vivido algo e nos termos esquecido, sentindo depois essa familiaridade sem saber de onde vem”, esclarece. Isso significa que, podendo existir múltiplas origens para esta sensação de familiaridade, é provável que haja várias causas e não apenas uma, para ter déjà vu.
O déjà vu é, depois de muita investigação, um pouco menos misterioso, mas ainda há muito por compreender. “Por exemplo, por que razão algumas pessoas nunca experienciam um déjà vu. Essa parece ser agora a questão mais urgente: se é tão simples de descrever e explicar, porque é que algumas pessoas nunca o sentem?
“Sobre isto sabe-se muito pouco ainda”, diz o investigador, mas há algumas descobertas que surgem com frequência e parecem consistentes: “É mais comum em pessoas que viajam mais, em pessoas que se lembram dos sonhos e, talvez o mais importante: está correlacionado com outros fenómenos associados à memória, como a recordação espontânea, de forma súbita e detalhada, de um episódio passado [por norma, depois de ver, sentir ou ouvir alguma coisa], experiência esta que está relacionada com a forma como estamos sintonizados com as sensações relacionadas com a nossa memória.”