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(A) :: A decadência da esquerda explicada em espanhol

A decadência da esquerda explicada em espanhol

Sanchéz é a cabeça cínica de uma pequena clique de corruptos. Mas mesmo depois de todas as revelações, continua a ter o PSOE na mão, mais as restantes esquerdas e os nacionalismos periféricos.

Rui Ramos
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Durante este século, até 2025, os partidos da esquerda portuguesa valeram, em conjunto, entre 59% do voto (em 2005) e 41% (em 2011). Por que caminhos é que, este ano, desceram para 31,8%? Um desses caminhos chama-se, por exemplo, José Sócrates, se por esse nome designarmos o sistema de poder que, nos últimos 20 anos, nos deu o escândalo da corrupção e o choque da bancarrota. O outro caminho chama-se António Costa, a quem o país deve a mais brusca e inesperada revolução social desde a década de 1960, com a decisão de abolir qualquer controle efectivo da imigração em 2017.

É verdade que os eleitores portugueses não reagiram logo. Mas quando, em 2023, a polícia encontrou 75 mil euros nas estantes do chefe de gabinete de Costa, lembraram-se das acusações a José Sócrates, e quando, em 2025, até Pedro Nuno Santos deixou de poder continuar a ignorar o caos migratório, repararam na irresponsabilidade de António Costa. O resultado, nas eleições deste ano, foi o PS passar a terceiro partido e a esquerda à sua expressão mais singela em 50 anos.

Nada disto aconteceu por acaso. A esquerda nunca recuperou ideologicamente do descrédito do socialismo nos anos 1980. Compensou esse vazio mental desenvolvendo uma implacável técnica de poder, assente na ocupação do Estado, na dependência do eleitorado, e numa agressiva e torpe polarização política contra direitas que sempre tratou como “fascistas”. O que sucedeu foi que esta técnica de poder, que em certos anos entregou à esquerda a maioria dos governos ocidentais, era insustentável. Na Europa, gerou uma estagnação económica, mal contrabalançada por défices e dívidas.

No país ao lado, passa dobrado em espanhol o filme que já conhecemos de cá. O líder socialista Pedro Sánchez, como António Costa em 2015, esteve para sair de jogo. Acachapou-se no governo, com menos votos do que o PP desde 2023, à custa de uma geringonça monstruosa, amarrando a si tudo o que é esquerda e mais os nacionalismos periféricos, incluindo os inclinados à ilegalidade e ao terrorismo. No palco, Sánchez faz de Pasionaria woke contra a “direita”. Por detrás da cortina, como sabemos agora, os seus apaniguados saqueavam o Estado com a grosseria de delinquentes endurecidos.

Sánchez estava rodeado de gente que explorava os recursos públicos em benefício pessoal. Mas mesmo depois de todas as revelações, continua a ter na mão o PSOE, as restantes esquerdas e os pequenos nacionalismos. Por mais que se digam “incomodados”, não o abandonam, aterrorizados com a perspectiva de eleições. Depois de Sanchéz, sabem que será o dilúvio. Até lá, aproveitam para lhe arrancar mais “contrapartidas”.

Poderá argumentar-se que as direitas também tiveram os seus abusos de poder, como o PP em Espanha, ou os seus desvarios migratórios, como Angela Merkel na Alemanha. Mas à direita, foram expedientes. À esquerda, são ideologia. Daí que a esquerda não consiga emendar erros nem renegar delinquências. Identificou o “progressismo” com o culto de um Estado omnipotente e woke, encarregado de destruir todas as tradições e todos os laços sociais que não consistam em dependência do Estado. Por isso, para a esquerda, o Estado está sempre certo, mesmo quando a sua expansão serve a malfeitores para enriquecer pessoalmente; e a nação é sempre um “crime” patriarcal e racista a expiar e a abolir, mesmo que, num mundo em mudança, seja uma das últimas âncoras de coesão e segurança da sociedade.

As esquerdas, que no século XIX foram o anti-poder, não têm agora defesas perante o poder e aqueles que dele abusam. Já nem o instinto de sobrevivência funciona para as fazer fugir do barco. A esquerda espanhola há-de chegar onde a portuguesa já chegou.