Esta é a história de Madalena, uma jovem que foi emocionalmente sequestrada e afastada do vínculo materno, vítima de alienação parental exercida pelo pai e pela madrasta. Após quatro anos de afastamento, Madalena partilhou connosco como foi regressar a casa da mãe e reconstruir a ligação interrompida.
O regresso não foi simples. Foi um reencontro carregado de estranheza, revelações dolorosas e redescoberta afetiva. O tempo não apagara os laços, mas o afastamento deliberado distorcera memórias, falsificara verdades e impusera uma distância emocional difícil de superar.
Durante quatro anos, a palavra “mãe” ficou presa na garganta de Madalena. Ao voltar à casa onde crescera, tudo lhe parecia estranho. Era o mesmo sofá, as mesmas gavetas, talvez até o mesmo cheiro, mas faltava-lhe a intimidade. Aquela casa, que um dia fora dela, transformara-se num cenário de memórias confusas, espaços que pertenciam mais à dúvida do que à certeza. Como nos referiu: “Tive curiosidade em ver tudo… de falar sobre aquilo que aconteceu… como aceitar que duas pessoas nos magoaram tanto (pai e madrasta alienadores) …ver as gavetas… fiz muitas perguntas”.
Nos primeiros dias, Madalena não conseguia chamar “mãe” àquela figura tão familiar e, ao mesmo tempo, tão distante. Contou que: “Com a mãe foi muito estranho… foi um ambiente muito estranho… Cheguei a casa e não a consegui chamar de mãe… dizia ‘olha aqui’… ou… evitava o nome… não a chamei mãe durante uma ou duas semanas”.
Durante semanas, evitava o nome, rejeitava o toque, mantinha uma barreira: “Rejeitava muito a mãe… no toque… distância emocional da mãe… não conseguia chamar mãe”.
Foi preciso tempo, perguntas, e sobretudo verdade. A verdade contada pela mãe, pela avó, por vídeos de infância e por objetos que sobreviveram à manipulação permitiu a Madalena reconstruir a sua narrativa, peça por peça, como quem tenta montar um puzzle cujas imagens foram trocadas ou apagadas. Madalena relembrou: “Tinha imensa curiosidade de uma data de coisas… da vida passada que nós tínhamos tido… e depois a mãe começa-me a dizer algumas coisas… em relação ao que aconteceu… e é nessa noite que eu começo a ter alguns insights sobre o que se tinha passado ali… as mentiras que o pai já me tinha contado”.
Foi durante um jantar fora que o processo começou. “E então vamos jantar fora e eu logo aí começo a ter a necessidade de perguntar uma data de coisas.” Madalena fazia perguntas, muitas: “Porque é que…?”, “E na altura em que…?”, “Lembras-te quando…?” E a mãe respondia. Com cuidado, com verdade, com dor. Madalena recordou: “Comecei a ver coisas que o pai tinha contado que era mentira… fui construindo as peças de um puzzle que estava baralhado”.
Entre as descobertas mais marcantes estavam os presentes. Durante anos, acreditara que vinham do pai alienador. Mas, afinal, tinham sido enviados pela mãe e ocultados, reciclados ou destruídos: “Os presentes que nós tínhamos recebido… para mim o pior de tudo foram os presentes… a minha mãe mandava-nos presentes… ela tinha fotos desses presentes que nos tinha enviado todos… foi super inteligente, porque quando a minha mãe começa a mostrar fotos… de coisinhas que ela tinha comprado para mim, eu percebo que todos os presentes que o meu pai me tinha dado, desde os quatro anos que lá morei… tinha sido a minha mãe a ter dado… e no fundo os presentes que ele me obrigava a deitar fora… eu cheguei a deitar fora presentes à frente dele para o agradar”.
O pai alienador repetia-lhe vezes sem conta que a mãe não dava nada, que era ausente, que os abandonara: “O que acontecia… havia sempre o comentário: a tua mãe está a comprar-te com presentes.” Mas a mãe tinha provas. Fotografias, brinquedos, bâtons, lápis com o nome de Madalena gravado: “E depois também havia coisas que a minha mãe mandava para mim… bâtons de cieiro, daqueles que são umas bolinhas, que a minha mãe mandou uma data deles para mim… e ficaram para a minha madrasta… isso ainda foi mais difícil”.
Outros objetos, como colares, colunas de som e material escolar, também tinham sido enviados pela mãe: “Há coisas que nós também conseguimos provar… a minha mãe deu-nos uma coluna, só os colaboradores da empresa da minha mãe é que tinham acesso àquele tipo de coluna, não havia à venda… e a minha madrasta e o meu pai… quando nós tínhamos ido para casa da minha avó, da parte do meu pai, o pai e a minha madrasta deram-nos esse presente por nós termos voltado para casa… tinha sido a minha mãe que nos tinha dado”. Tudo era apagado ou reaproveitado: “Havia também uns lapisinhos… eu adorava material escolar… então a minha mãe deu-me um pacote de lápis com o meu nome… e a minha madrasta deu-me um desses lápis…, mas tinha a parte do nome apagada. Eu, na altura, não percebi… e depois, quando a minha mãe me disse que me tinha dado, é que eu percebi”.
Noutras ocasiões, diziam-lhe para deitar fora os presentes: “Quando eu sabia… isto quando eu sabia… quando sabia que tinha sido a mãe a dar os presentes, tinham de ir para o lixo. Quando não sabia que era a mãe, davam-me.… ou eu acho que eles também me fizeram pôr no lixo e ficarem com os sacos e irem trocar à loja… porque as coisas eram das mesmas marcas do que ela me deu… portanto eu acho que eles faziam isso”.
Quando a mãe lhe mostrou as fotografias dos objetos, foi como se assistisse a uma revelação. Os brinquedos que pensava virem do pai, eram afinal da mãe: “E ela estava sempre com um colar, que era um M, porque é que tens um colar com um M, se és S., e ela M de mãe, era um colar que a minha mãe tinha comprado para mim com o M de Madalena”.
Ver as fotografias, escutar as histórias, ouvir a versão da mãe e confirmar com a avó e com vídeos antigos permitiu-lhe revisitar memórias adulteradas. A imagem da criança triste, birrenta e materialista, construída pelo pai alienador, contrastava com o retrato afetivo que lhe foi depois revelado: “O que me acalmou muito foi quando a mãe falava quando eu era pequena… o meu pai tinha me dito que era triste, introvertida, birrenta, materialista… a minha mãe disse tudo ao contrário, pensei que estava a exagerar… vem a avó e conta o mesmo… e diz que eu era super afetuosa, partilhava tudo com a minha prima… vimos vídeos”.
O regresso à casa da mãe não foi um simples regresso. Foi uma travessia. Foi o início da libertação de uma narrativa imposta. Foi a procura da verdade e a tentativa de reaprender o amor, um amor que também precisava de ser desenterrado da mentira, recuperado da dor, reconstruído com tempo, cuidado e coragem.
Neste processo, havia raiva. “Eu só queria por a minha raiva toda para fora, em cima deles, mensagens, telefonemas, ir à porta de casa deles… quis confrontá-los à porta de casa… esta coisa da coluna, queria-os confrontar.” Mas também havia culpa: “Como aceitar ter odiado quem nos amava? Como pedir desculpa a uma mãe que chamámos de estranha?”
Não se volta à casa da mãe como se nada tivesse acontecido. Voltar, depois de anos de silêncio e mentira, é como atravessar um campo minado de memórias. Mas também é, devagarinho, construir uma ponte para o amor suspenso.
Hoje, Madalena enfrenta a rejeição ativa do pai e da madrasta por ter regressado à mãe: “Quando nos encontramos eu e o meu pai e a minha madrasta na rua, fingem que não me conhecem”. Até o irmão mais novo, antes tão próximo, agora a ignora: “O meu irmão mais novo é a mesma coisa”.
Este processo de reconstrução emocional mostra como a alienação parental destrói vínculos, corrompe a confiança e instala a culpa em quem é, afinal, vítima: “Tinha muito interesse em ver a minha vida antes… memórias falsificadas, apagadas… acalma a culpa de ter traído o meu pai… a culpa de ter tratado a mãe foi só mais tarde”.