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(A) :: Chega fala em “princípio de entendimento”, Governo diz que há “condições” para mudar leis da imigração. Negociações seguem noite dentro

Chega fala em “princípio de entendimento”, Governo diz que há “condições” para mudar leis da imigração. Negociações seguem noite dentro

Sinais públicos das reuniões sobre imigração demoraram e foi Ventura que acabou a anunciar aquilo a que chamou um "princípio de entendimento". PSD e Chega ainda a negociar pormenores.

Inês André Figueiredo
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Mariana Lima Cunha
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Um “princípio de entendimento” que será negociado ao detalhe, pela noite dentro. A descrição do ponto em que estão as negociações para aprovar mudanças às leis de imigração, nacionalidade e impostos é de André Ventura, que se deslocou a São Bento para conversar diretamente com Luís Montenegro – nem podia ser do primeiro-ministro, uma vez que este não foi receber Ventura à porta, evitando aparecer em fotografias ao lado do líder do Chega, nem falou aos jornalistas sobre o assunto.

Ainda assim, a horas de os deputados votarem as medidas propostas pelo Governo, a conclusão é uma: o Executivo acredita que tem margem para fazer passar as medidas, num primeiro momento, no Parlamento; outra coisa serão os “acertos” que terão de ser feitos mais tarde, e que determinarão o desenho final (e a votação final) destas propostas.

O Governo divide, assim, o desafio de fazer passar as medidas – sobretudo as relativas à imigração e à nacionalidade, e que implicam restrições sérias ao reagrupamento familiar, perda de nacionalidade através da prática de crimes graves ou a criação de uma nova polícia de fronteiras – em vários passos. O primeiro é fazer passar as medidas de forma genérica no Parlamento – mas já está a negociar para permitir que, depois de conversar com os partidos, estas propostas cheguem a uma forma final que possa ser aprovada.

Resta agora mostrar jogo de cintura a negociar com o Chega, que tem deputados suficientes para viabilizar as medidas, sem descaracterizar as propostas do Governo. Num encontro em São Bento, desta vez assumido (“a pedido do Chega”, esclarecia uma mensagem do gabinete do primeiro-ministro), Ventura saiu de 35 minutos de conversa com Montenegro satisfeito e a anunciar um pré-acordo, que terá de ser fechado com conversas pela noite dentro entre as lideranças do Chega e do PSD. A Iniciativa Liberal anunciava, durante a tarde, que aprovaria as medidas, facilitando o caminho para a sua viabilização.

Já o PS ia-se mostrando hesitante e insistiu em perguntar ao Governo com quem é que quer, afinal, dialogar – mas a direita pareceu ter, pelo menos, chegado ao tal princípio de entendimento que deverá permitir que as medidas passem, para já. A não ser que os psicodramas de última hora que se têm tornado habituais no Parlamento, com reviravoltas e mudanças nas posições dos partidos, regressem ao plenário na manhã desta sexta-feira.

Governo pressiona partidos e promete abertura na negociação mais fina

Para já, o que o Governo conta conseguir esta sexta-feira, quando as medidas que propôs forem votadas no Parlamento, é um primeiro sinal de “apoio” e “conforto”. Ou seja, a ideia a que chegou após encontros com Chega, IL e PS, e depois de um one on one entre Montenegro e Ventura, é que tem uma base para aprovar genericamente as propostas – mesmo que isso não signifique que elas cheguem ao fim do processo intocadas nos seus moldes e detalhes.

Foram dias de reuniões sem qualquer sinal público sobre o seu resultado: nem Governo nem os partidos mais à direita quiseram explicar o que estava a resultar das conversas, e o PS saiu do encontro com o PSD a dizer que a conversa tinha sido “inconclusiva” mas que, ainda assim, continuaria disponível para impedir que os sociais democratas fossem parar “às mãos do Chega”.

Nos corredores do PS comentava-se que o Governo, que se fizera representar nas primeiras reuniões pelos ministros António Leitão Amaro e Carlos Abreu Amorim, tinha tentado mostrar que estava a ser “duro” no dossiê da imigração, sem perder terreno para o Chega – mas teria mostrado que a “decisão” final sobre os partidos com quem quereria negociar ainda não estava fechada.

Ora a tal base de “conforto” terá saído sobretudo das conversas com os partidos da direita, que mostraram menos hesitação do que o PS – os socialistas chegaram a pedir que as propostas descessem à fase da discussão na especialidade sem serem votadas primeiro, um recurso usado para evitar que as medidas sejam chumbadas antes de poderem ser feitas alterações pelos partidos, mas sem sucesso. O líder parlamentar do PSD, Hugo Soares, recusava na manhã desta quinta-feira usar esse instrumento; à tarde, Leitão Amaro confirmava que o Governo queria avançar para a votação – e mostrava-se convicto de que teria base suficiente para conseguir uma primeira aprovação (na chamada votação na generalidade) das medidas.

Após o briefing do Conselho de Ministros, Leitão Amaro vinha então lembrar que qualquer processo parlamentar não termina com esta primeira votação – esta pode representar o tal “conforto” para quem propõe as medidas, mas é depois, na especialidade, que se resolvem outros pontos de “discórdia” e se pode chegar a um equilíbrio e “compromisso” entre partidos.

É essa a convicção do Governo, consciente de que partidos como o Chega terão dificuldade em afastar-se deste dossiê ou em ficar para a fotografia como os culpados por medidas que “apertam” as regras para a imigração e a nacionalidade não terem avançado. Leitão Amaro fez, de resto, questão de lembrar que não só as propostas do Governo gozam, no seu princípio de controlar mais a imigração e a concessão da nacionalidade portuguesa, de uma “larga maioria” de apoio parlamentar como os portugueses votaram nestas ideias quando escolheram a Aliança Democrática e o seu programa eleitoral para governar.

Assim, garantiu Leitão Amaro ainda antes do encontro Montenegro-Ventura, “há condições para este processo seguir em frente, ter uma primeira aprovação no Parlamento (…) com disponibilidade para haver uma aprovação na generalidade e eventuais acertos à especialidade, aos quais estamos abertos”. De resto, não se trataria de uma negociação se as propostas tivessem de “sair como entram” no final do processo, acrescentou, mostrando uma abertura para negociar os moldes das medidas que seria depois reconhecida e elogiada por Ventura.

Entre os lembretes de que os portugueses “apoiam” estas medidas e acreditam que o país “precisa” delas, o ministro aproveitou, assim, para pôr a pressão do lado dos partidos da oposição, concluindo mesmo que serão “testados” nesta votação de um tema que se tem tornado central no discurso político. “Querem preservar o que ainda sobra de uma época de facilitação ou contribuir para uma mudança de política que vem a ser feita desde o ano passado? [A votação] vai definir a posição que tomarem no final, demonstrar onde cada um desses partidos estará”.

Se Ventura já tinha assumido que desejaria chegar a um “consenso mínimo” sobre estas matérias, bandeiras suas de sempre que o Governo também tem assumido como prioridade – o que poderia, em tese, esvaziar os temas que diferenciam o Chega –, o desafio ao PS é claro: se chumbar as propostas, será acusado pelo PSD de querer preservar a tal “facilitação” das regras e ouvirá duras críticas acusações sobre o tempo que passou no Governo a lidar com o dossiê da imigração. E logo agora que tem Carneiro, antigo ministro da Administração Interna, nos comandos do largo do Rato. Carneiro pedia, após a reunião PS-PSD, que o Governo esclarecesse com quem é que quer dialogar – e, apesar de Montenegro recusar escolher um parceiro preferencial, Ventura adiantou-se, pediu uma reunião e acabou mesmo por se deslocar a São Bento.

Sem secretismos, com “princípio de entendimento”

Após a reunião que colocou frente a frente Luís Montenegro e André Ventura, o líder do Chega quis ser “cauteloso”, mas assumiu que existe um “princípio de entendimento em matéria de regulação de imigração e restrição de obtenção de nacionalidade” entre PSD e Chega. Estendeu as intenções ao IRS e reconheceu até a possibilidade de negociação da uma reforma da Justiça. No final do dia, a mensagem era clara: Ventura esclarece que se PSD, Chega e PS se isolarem “nenhum aprova nada”.

Sentiu “abertura” por parte do primeiro-ministro e sugeriu que não é preciso incluir mais nenhum partido no acordo — preso por “pormenores” — a que vão tentar chegar durante a noite. Mais do que isso, realçou que o compromisso será de alteração das propostas já na fase da especialidade, uma vez que não dá para mudá-las até ao momento da discussão, esta sexta-feira.

André Ventura sabe — e assume com todas as letras — que o PSD acha algumas propostas do Chega “demasiado radicais”, desde logo a suspensão do reagrupamento familiar, um dos elementos do acordo “que vai ser alinhavado durante a noite” — assunto em que o Chega criticou duramente o Governo nas últimas semanas. Além disso, a expulsão de cidadãos que adquiriram nacionalidade portuguesa e que cometam crimes. O Governo propõe que possam perder a nacionalidade nos primeiros dez anos, o Chega recusa prazos.

É um dos bate-pé de Ventura, que pretende que a pessoa que adquiriu a nacionalidade possa estar em risco sempre que cometer um crime, independentemente de ser há cinco, dez ou 15 anos. O líder do Chega não quer, por nada, perder esta batalha, mas será necessário um grande recuo de Montenegro, que já viu diversas discussões relativamente à questão, nomeadamente dúvidas sobre a possível inconstitucionalidade da medida.

Posto isto, e as normais dificuldades em negociar, o Chega ambiciona “absoluta reciprocidade” e André Ventura nem sequer considera necessário um acordo escrito: ou ambas as propostas dos partidos são aprovadas ou baixam sem votação.

Acima de acordos ou princípios de entendimento, a verdade é que André Ventura esteve em São Bento reunido com o primeiro-ministro, sem segredos ou insinuações — numa reunião pedida (e anunciada) pelo próprio líder do Chega. Argumentou que os políticos têm de pôr Portugal acima das suas relações e da sua “conflitualidade”, justificando que as pessoas querem oposição com responsabilidade — dando a entender que o Chega não falhará nessa missão. “O que acontece formalmente entre os dois partidos deve ser público e escrutinável. Ainda bem que acabou, e deve acabar, o tempo do secretismo”, elogiou o presidente do Chega.

No último debate sobre nacionalidade, André Ventura acusou o Governo de estar a copiar o original (leia-se, o Chega) ao apresentar algumas das principais bandeiras do partido nos últimos anos, acusando Luís Montenegro de se ficar pelo suficiente quando era preciso fazer mais do que isso. Ainda assim, tendo em conta que as medidas do Executivo são mais apertadas do que as que existem atualmente, o Chega deve levar a cabo uma tradição aplicada a muitos temas no Parlamento: mais vale pouco do que nada.

Por outro lado, nessa mesma discussão, o Governo, pela voz do ministro da Presidência, agora com esta pasta, acusou o Chega de não ter sido consequente na questão do controlo e regulação da imigração, ao não permitir que várias medidas fossem aprovadas, com António Leitão Amaro a desafiar o Chega a alinhar ao lado do Governo para que as propostas vissem luz verde.

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IL não coloca entraves e espera por especialidade

Ao contrário do Chega, a Iniciativa Liberal não colocou entraves à aprovação das medidas do Governo relativamente à imigração e nacionalidade. Fonte oficial do gabinete parlamentar confirmou ao Observador que o voto será favorável e Mariana Leitão assumiu que, no cômputo geral, o partido está “alinhado com as propostas apresentadas”.

Apesar de haver “alguns detalhes” que o partido pretende “aprofundar” na especialidade, a líder parlamentar da IL explica que “numa situação de exceção é óbvio que se impõem medidas também elas de exceção”. “Chegámos a uma situação muito complicada por conta do instrumento da manifestação de interesse, por conta da extinção do SEF, por conta dos atrasos e da incapacidade de resposta da AIMA, tudo situações da responsabilidade do PS e com o manifesto apoio dos restantes partidos à esquerda”, justificou em declarações aos jornalistas.

A candidata à presidência da IL realçou também que, face à situação atual e à necessidade de Portugal continuar a precisar de imigrantes, é fundamental que “a entrada e permanência dessas pessoas seja feita de forma regular”, garantindo também “a defesa da dignidade destas pessoas”.