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(A) :: António Martins, o tratador dos relvados do Gondomar que puxou Jota para o futebol e a quem o avançado tratava por "doutor"

António Martins, o tratador dos relvados do Gondomar que puxou Jota para o futebol e a quem o avançado tratava por "doutor"

Antes de triunfar pelo Liverpool, Diogo Jota andou pelos campos do Gondomar Sport Clube. Deixou uma marca de “humildade” e de “raça”. E inaugurou ali, em 2022, a Academia com o próprio nome.

Maria Rego
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Corria o ano de 2005. O Gondomar Sport Clube via entrar na equipa aquele que viria a ser um dos nomes mais conhecidos no futebol nacional, fundador de uma Academia naquela cidade e que viria a ter até a própria cara estampada nos equipamentos do clube: Diogo Jota.

Mas o começo da carreira começou de uma forma caricata. António Martins, funcionário que trata dos relvados do Gondomar SC já há mais de 20 anos, apercebeu-se que havia um miúdo curioso do lado de fora do campo. Este miúdo, que frequentava as piscinas da cidade — junto ao estádio — conseguiu numa das vezes apanhar uma bola vinda do relvado. Com a oportunidade em mãos, ou melhor, nos pés, o rapaz começou a mostrar alguns dotes. “Eu tinha que ir buscar a bola para os miúdos que estavam à espera, porque tinha saído de campo. E ele (Diogo Jota), sozinho, pôs-se a chutar a bola que estava ali à beira. E eu pensei, tem jeito”, conta com um sorriso de nostalgia António Martins.

Quando se aproximou deixou um conselho que lhe valeria uma carreira de sucesso: “Se gostas da bola e estás aqui a ver os outros miúdos a jogar, porque é que não pedes aos teu pais para te inscreverem no clube?”. A pergunta surtiu efeito e pouco tempo depois Diogo Jota juntou-se à equipa dos amarelos e azuis.

Aquele miúdo cresceu, mas nunca esqueceu quem deixou para trás. “É uma pessoa incrível, uma pessoa humilde. Quando vinha cá tratava-me por doutor”, conta António Martins. A partida do jogador, que o funcionário explica ser “injusta”, deixa muita saudade por toda a cidade que o via como orgulho.

O menino que tinha “raça imensa” para chegar longe

É o caso de um dos treinadores de Diogo Jota, João, que acompanhou de perto o começo de carreira do jovem. “Deu para ver a fase inicial, deu para ver os frutos e depois foi engraçado ver o crescimento e tornou-se um orgulho que hoje perdemos”, sublinha entre algumas lágrimas. Mesmo com talento, João admite que “em termos de formação não tinha a certeza se seria ele o expoente máximo do clube”. Ainda assim, Diogo Jota deu provas de que estava no mundo do futebol para ficar.

Nas recordações daquele miúdo de 9 anos que treinou, João, fala de um jogador com fome de vencer. “O que me lembro dele é que era muito raçudo. Tinha uma raça imensa. E conseguiu aplicar toda essa energia que tinha no futebol”, conta o treinador ao Observador.

E essa energia foi também aplicada na cidade de Gondomar. A 30 de junho de 2022, Diogo Jota inaugurou a Academia com o próprio nome. Acolhe jovens entre os 6 e os 9 anos para que comecem a formação no futebol. Para João, o futebolista, “representa super bem a Academia do clube” e “é um exemplo para todos os miúdos que lá estão”.

A partida tanto de Diogo Jota como de André Silva deixaram todos em choque e a achar que seria até mentira. Mas ao constar que era verdade, João, confessa que “começou a ficha a cair” e que, por isso, decidiu dirigir-se até ao estádio do Gondomar SC e deixar um ramo de flores. Mesmo com o ato de despedida, o treinador, sublinha que “todas as homenagens que se façam não vão ser suficientes”.

Fica agora o legado, que aos olhos de João, é a “humildade” dos dois jovens que “deram tudo o futebol em vida e que foram demasiado cedo”. Apesar de Diogo Jota ser uma celebridade no resto do mundo, João olha para ele não como uma “celebridade que virou um conhecido”, mas sim um “conhecido que virou celebridade”.

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A “maior figura” do Gondomar SC

Para presidente do Gondomar Sport Clube, o futebol “perde muito” com a despedida quer de Diogo Jota quer de André Silva. Álvaro Cerqueira explica que a notícia foi um choque ainda mais forte, porque falou com Jota na noite desta quarta-feira. “Falava muitas vezes com ele, ainda ontem lhe liguei às 10h00 da noite quando ele ia em viagem”, conta.

Por entre as memórias que ficam de Diogo Jota, o presidente revela quando percebeu que podia ser uma promessa no futebol. “Quando chegou ali aos 15, 16 anos começamos a ver ele a marcar muitos golos. Chegou ao fim da época com 30 e tal golos. Jogava ao sábado por uma equipa e ao domingo por outra porque ele jogava nos juvenis e juniores. Toda a gente sabia”, relata.

Mesmo com várias pessoas a pedirem para que o presidente fizesse contrato com Jota, Álvaro Cerqueira bateu o pé, por saber que se o fizessem “ele não ia sair e não havia maneira de chegar onde chegou”.

O amor ao clube permaneceu ao longo de todos estes anos do lado de Diogo Jota. “Todas as vezes que vinha cá ligava para vir fazer treinos. Ligava-me sempre. E chegavam a vir mesmo treinadores de lá com ele para treinar cá”, conta o presidente. E a admiração era recíproca, já que Álvaro Cerqueira também se encarregava de “sempre que ele ganhava os jogos, mandava mensagem”.

As visitas de Diogo Jota a Gondomar acabavam sempre com uma ida ao clube e à Academia. Academia essa que foi construída, de acordo com o presidente, para que os “miúdos se entusiasmassem mais com ele” e que é também essa a razão pela qual os equipamentos “têm a fotografia dele ao peito”.

Nas palavras de Álvaro Cerqueira, Diogo Jota é um “símbolo importante para o clube” e a “maior figura de sempre” do Gondomar Sport Clube.

Mas para além de Diogo Jota, esta foi também a casa do irmão André Silva. Jogou durante duas épocas nos seniores da equipa. O presidente do clube recorda um jogador de qualidade. “O André era diferente do Diogo. Quando o André veio para cá há quatro anos fomos fazer um treino ao São João de Ver. Nesse treino o treinador disse logo “ele que assine já hoje que vai dar jogador”, conta.

Um “país em choque” para um “miúdo de grande generosidade”

“Generosidade para com tudo e para com todos”. São estas as palavras escolhidas pelo presidente da Câmara Municipal de Gondomar para descrever Diogo Jota. Luís Filipe Araújo recorda o jogador  “sempre pronto a ajudar a sua terra”. E, por isso, decidiu também ir até ao estádio na tarde desta quinta-feira, para prestar uma homenagem.

“Está o país todo em choque. Não podemos ficar indiferentes a este momento trágico” salienta com tristeza. A partida do “miúdo de grande generosidade” não deixa ninguém em Gondomar inerte. Luís Filipe Araújo admite mesmo que estava a planear juntamente com o jogador um encontro para os locais. “Nós tínhamos preparado um encontro com ele a propósito da Liga das Nações e de termos um gondomarense na seleção nacional”, revela com orgulho.

Pelo estádio do Gondomar Sport Club foram passando ao longo do dia várias pessoas para algumas homenagens. Desde cartazes, camisolas, velas e flores, os habitantes da terra despedem-se de dois jovens que muito deram à cidade. O sítio para a homenagem não foi ao acaso. Um poster de grandes dimensões foi instalado quando a Academia Diogo Jota foi inaugurada em 2022. Tem duas imagens. Uma do lado esquerdo com o jogador vestido com as cores da seleção e outra ao lado direito com a fotografia trajado com o equipamento do Gondomar Sport Clube. Bem no centro lê-se a frase: “Não é importante de onde vimos mas sim para onde vamos”.