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A vivência do luto: questionamentos, dúvidas e dor

Saibamos escutar o silêncio dos que sofrem, acolher as lágrimas dos que choram, os desabafos dos que falam e, acima de tudo, honrar quem partiu.

Humberto Domingues
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Após o maravilhoso momento de nascer, ficamos inevitavelmente destinados a morrer! A morte, por mais indeclinável que seja, continua a ser uma das experiências mais difíceis de compreender e aceitar, especialmente quando atinge alguém do nosso convívio próximo.

Ninguém nos prepara verdadeiramente para a morte. Muito menos quando ela nos entra pela sala de aula dentro, sem aviso, sem explicação, arrancando-nos alguém que ainda ontem ali estava, com os seus livros, os seus sonhos, o seu lugar na turma. Ou então, a quem dizemos até amanhã e nunca mais voltará ao trabalho, ao convívio, à pesca.

Quando um membro de uma equipa de trabalho, de uma turma escolar ou de um grupo desportivo ou amigos morre, o impacto é brutal, é profundo, é coletivo e, muitas vezes, força um barulhento silêncio. O luto que daí resulta é vivido individualmente, mas também em comunidade e por isso precisa de ser notado e acolhido de forma especial. Perante a bárbara notícia, a primeira reação costuma deixar todos incrédulos. Como é possível que alguém com quem momentos, horas, dias antes partilhámos, risos, dificuldades e rotinas, desapareça assim, de repente? Quantas lágrimas derramadas em silêncio! Quantos suspiros de angústia! Quantos questionamentos a Deus, aos Santos e à Força Divina, pela perda de alguém que nos é próxima. A dúvida perante a fé e de protecção, que surgem. A pergunta rápida: se se merece tal castigo!

A vivência do luto nestes contextos, muitas vezes, é silenciada ou apressada. Cada um vive o luto de forma diferente: há pessoas que choram, outras preferem o silêncio, outras recolhem-se na sua solidão e até quem use o humor, para diminuir a dor. Face às características e diferentes personalidades, todas essas formas são válidas. Espera-se que as equipas “sigam em frente”, que as aulas continuem, que o trabalho e o convívio prossiga, honrando a perda sofrida. Mas esta urgência, quiçá insensível, em retomar a “normalidade”, que nunca mais será igual, pode ser na verdade, um obstáculo à verdadeira cura numa perspectiva psicológica e emocional da Equipa, Turma ou Grupo. Há pouco espaço emocional e institucional para parar, sentir, recordar e chorar. O erro é ignorar os possíveis sinais de sofrimento emocional ou de certa maneira, forçar todos a viver o luto da mesma forma. Perante este flagelo e agressão, o luto não tem prazo nem fórmula. Cada pessoa tem o seu tempo de o viver… e esse tempo/espaço deve ser respeitado.

É oportuno, desejável e fundamental criar momentos e espaços seguros para que essa dor seja partilhada. Pode ser uma homenagem simbólica, uma conversa orientada por um psicólogo, um minuto de silêncio ou uma carta conjunta, o que importa é não fingir que nada aconteceu. Porque aconteceu! E o que se viveu com essa pessoa continua a ter significado. Isto porque nas escolas, nos locais de trabalho e locais de convívio ou desporto, criam-se laços mais fortes do que por vezes imaginamos. Há cumplicidades construídas na rotina, memórias partilhadas nos detalhes, e uma presença que, quando ausente, deixa um vazio difícil de preencher.

A partilha da dor pode transformar-se num momento de união, onde a equipa, turma ou grupo desportivo, de pesca ou de amigos, podem encontrar forças nos laços que os unem. De entre o vazio, a perda pode transformar-se num legado, numa força, numa união colectiva, que inspire uma atitude nobre para se “cuidarem” mais uns dos outros. Será uma utopia? Pode até ser uma surpresa na demonstração da nossa capacidade coletiva de cuidar.

Porque a partida prematura de um jovem, ou de um adulto ou idoso, é sempre a perda de uma vida cheia de caminhos, sonhos e ambições por percorrer ou por alcançar, a perda de uma “biblioteca” com imensas enciclopédias de experiências e saberes. Acontece o colapso do nosso quotidiano, de uma ligação invisível que se perdeu. De repente, há uma cadeira na sala que fica vazia, um computador que não será ligado da mesma forma, um barco sem timoneiro ou a boia vazia, porque o barco e dono partiram nas ondas profundas do mar imenso…

E perante tudo isto, incrédulos, jovens e adultos, ficam os silêncios que gritam, olhares que pronunciam o vácuo do que aconteceu e a dor que abalroa qualquer estado de alma, numa revolta, numa tristeza confusa, olhando-se o infinito e perguntando ao vazio e ao Divino, mais uma vez, porquê… porquê agora… porquê a mim? Depois… depois deste vazio, vem a realidade do que não chegou a ser feito, do que em tempo não foi dito ou manifestado, o abraço que ficou por dar, o até amanhã suspenso no tempo, o peixe por pescar e o recado que nunca chegou a ser entregue.

Saibamos escutar o silêncio dos que sofrem, acolher as lágrimas dos que choram, os desabafos dos que falam e, acima de tudo, honrar quem partiu, continuando a viver com mais consciência, solidariedade e presença no dia-a-dia, a não adiar palavras bonitas, a dar mais valor aos instantes simples, porque são esses que, um dia, acabam por ficar para sempre.