A Oficina da Liberdade, em parceria com o grupo LeYa, promove o lançamento de um livro sobre Javier Milei da autoria do professor Phillip Bagus, que estará nas bancas a partir do próximo dia 08 de Julho e que é prefaciado para a edição em Portugal pelo próprio Presidente da República Argentina.
É um livro que recomendo vivamente porque o fenómeno é mal compreendido em Portugal, em grande parte por desconhecimento do que aconteceu na Argentina no último quarto de século, mas também porque a generalidade dos politólogos, economistas e comentadores da actualidade em geral, parecem não possuir as ferramentas conceptuais para perceber o personagem. Colocar Milei no compartimento da alt-extrema-paleo-ultra direita revela uma preguiça mental a que, infelizmente, o pós-modernismo já nos habituou.
O pano de fundo é a Argentina, um dos poucos casos da História contemporânea de um país que foi desenvolvido, um dos mais ricos do mundo há pouco mais de um século, que caiu na indigência. Como Milei bem explicou, a causa dessa queda foi ter abraçado as políticas do Socialismo.
Só por esse motivo, por ter apontado correctamente o motivo do fracasso da Argentina, Milei começou atacado pela esquerda um pouco por todos os lados. Existe uma certa ironia nisso. Toda a gente sabe que o Socialismo fracassou, até a esquerda. De tal forma que muito poucos se afirmam socialistas em público e os políticos do quadrante evitam a palavra. Preferem substituí-la por eufemismos como “progressista”, ou “de esquerda” quando se referem à sua ideologia, ou chamar “justiça social”, “políticas igualitárias” ou “defesa das minorias” às políticas socialistas que continuam a implementar. Com a excepção de Portugal e Espanha onde continuam a controlar grande parte do aparelho estatal, a palavra “Socialista” desapareceu das siglas dos partidos do ramo. Mas quando Milei diz algo óbvio, que o Socialismo destruiu a sociedade e a economia argentina, é logo apelidado de fascista, como se isso não tivesse acontecido na URSS, na Coreia do Norte ou em Cuba. Ironicamente, o único país socialista que vai revelando algum êxito (em grande parte por ter abandonado o Socialismo versão maoísta) é a China. País que raramente a esquerda progressista utiliza como exemplo a seguir.
Mas o Socialismo não morreu, simplesmente mudou de pele como as serpentes. Na feliz expressão de Hayek, o Socialismo é um erro intelectual pelo que, na medida em que esse erro continue a ser cometido, o Socialismo continuará a prosperar. Especialmente quando esse erro passa despercebido. Um dos grandes triunfos da Economia enquanto ciência, foi desmascarar a pretensão de que o Socialismo era o caminho para uma sociedade mais próspera. Houve um tempo, que a esquerda actual prefere ignorar, em que os socialistas acreditavam que as economias socialistas, com o seu planeamento central e propriedade pública dos meios de produção iam ser mais prósperas que as outras. A famosa frase de Nikita Kruschev ao Ocidente – “vamos enterrar-vos” – fazia referência a essa crença que, num futuro próximo (duas décadas), a URSS iria ultrapassar os Estados Unidos em riqueza material. Os socialistas actuais são mais cautos, prometem uma riqueza materialista sim, mas não material. A riqueza está na construção de uma sociedade mais justa, mais solidária, mais inclusiva, um discurso que só apela a quem dá por garantido o acesso a bens e serviços em quantidade e qualidade. O mundo nunca conheceu antes a abundância actual, abundância essa que não foi conseguida através de políticas económicas socialistas, pelo contrário. É por isso que a guerra ao Socialismo de Milei é cultural. Economicamente o Socialismo não tem a mínima hipótese enquanto crença racional.
No entanto a ciência económica também está em crise. Esse é um tema que daria para uma tese e não cabe num artigo de jornal. Mas é suficiente com dizer que, na ânsia de abraçar os métodos das ciências exactas, a Economia sacrificou a Teoria à Prática sendo que, sem Teoria, a Prática dificilmente terá utilidade. Concretamente, para poder medir os fenómenos que tratam, os economistas reduzem a complexidade qualitativa dos conceitos a grandezas quantitativas que possam medir. Por exemplo, crescimento económico passa a ser produção nacional, e produção nacional aquilo que o PIB mede. Obviamente que não há nenhum economista que não saiba que isto é apenas aproximadamente correcto. Mas na hora de tentar prever o futuro (que é, no fundo, o motivo pelo qual os economistas se focam em imitar a metodologia das ciências exactas – prever com rigor) nenhum economista tenta prever o crescimento económico, mas sim o valor do PIB que depois é utilizado como sinónimo de crescimento económico. Entenda-se que, do ponto de vista económico, dificilmente se vai encontrar um indicador que quantifique melhor essa realidade para o consenso da profissão, mas isto leva a situações caricatas, como a de políticos (que já comandam directa ou indirectamente quase metade das economias ocidentais apesar de todos sabermos que a economia centralmente planificada fracassou) tentarem manipular o valor do PIB para as que as regiões que governam apresentem pequenas variações positivas neste indicador de ano para ano e assim presumir de êxito económico nas suas políticas.
Fruto desta forma de pensar, muitos economistas insuspeitos de socialismo apostaram que as reformas que Milei queria implementar na Argentina iriam provocar uma grande depressão no país porque eram “regressivas” – leia-se – iriam fazer contrair o PIB (que, acreditavam, entraria numa espiral deflacionária devido a algo que aprenderam de Keynes e que nunca fez muito sentido). O tal temor a “políticas de austeridade” que fez que muitas economias europeias tivessem perdido a oportunidade de reverter rapidamente a crise económica há década e meia, mesmo aquelas governadas à direita teoricamente insuspeitas de socialismo, porque a tal austeridade consistiu não em reduzir o gasto, mas em reduzir o ritmo do seu aumento. Aumento esse que, mesmo sendo menor que o originalmente projectado, foi financiado através do aumento da dívida pública, dos impostos e finalmente da inflação, que é o imposto sobre a insolvência do Estado e é geralmente pago pelos mais desfavorecidos.
Milei tinha, neste aspecto, a duvidosa vantagem de a inflação já ser elevada, da ordem dos 30% mensais, pelo que o primeiro e mais importante passo era acabar com esse imposto escondido e tão socialmente injusto. Acreditem ou não, muitos economistas reputados, não necessariamente ligados à esquerda, previram que a Argentina entraria na tal espiral deflacionária de crescimento económico, apesar de verem positivamente a redução da mesma. Como seria de esperar, a tal esquerda progressista celebrou com júbilo os primeiros dados de redução do PIB para afirmar alto e a bom som que as políticas económicas “ultradireitistas” de Milei estavam a fracassar. Foi este temor, o temor de ver o PIB reduzir, o que impediu uma reforma profunda na Europa depois da crise de 2008. Mas Milei, armado com um sólido conhecimento de Economia, sabia que essa contracção era inevitável. Quando o Estado desperdiça os recursos dos contribuintes (ou pede emprestado para desperdiçar esses mesmos recursos) o PIB reage positivamente mesmo quando aquilo que se está a produzir não crie riqueza, pelo contrário, seja um foco mais de destruição da mesma. Mas se o parasita que provoca esse aumento no PIB não for alimentado, esses recursos ficam disponíveis para que os indivíduos na economia sem planeamento centralizado (leia-se de livre iniciativa e livre mercado) produzam aqueles bens e serviços que têm valor e, o que é melhor, criem as condições para um crescimento aritmético ou mesmo exponencial futuro, coisa que o desvio de recursos constante do parasitismo estatal impede. É por isso que, a partir de meados de 2024 a economia argentina passou a registar, não crescimentos do PIB raquíticos da ordem dos 1,5%, mas crescimento do PIB real de 5,8%, indiciando que o crescimento económico real seja maior, já que a economia estatal ainda está a ser. Curiosamente, quando os dados positivos começaram a ser publicados, o PIB argentino deixou de ser utilizado como argumento que espelhava a política económica do Milei. O mesmo sucedeu com a redução do indicador de pobreza de 52% para 31%. De repente, todos aqueles que estavam preocupados com a pobreza na Argentina (e receitavam mais socialismo para a combater), deixaram de se alegrar com a redução real da mesma.
Outro dos argumentos “económicos” arremessados contra Milei, este a propósito dos bons resultados no combate à inflação, que desceu dos 30% mensais acima referidos para 1,5% no último indicador publicado no mês passado, foi o de que o motivo pelo qual os preços deixavam de subir com tanta fúria era a redução brutal do consumo por parte da população, algo que “obrigava” os produtores a baixar os preços para escoar essa mesma produção. Aqui, dois tipos de confusão económica foram misturados. Dois conceitos que os Keynesianos propagaram. Um, mais filosófico, é que consumo é sinónimo de riqueza, e dois, mais falacioso, que a inflação não é consequência da política monetária. Começando pelo último, a inflação não desapareceu porque os produtores se tenham visto obrigados a reduzir preços pela redução do consumo. A inflação desapareceu porque o governo deixou de alimentar o monstro das bolachas. A manutenção de superávites fiscais significou que, pela primeira vez em muito tempo, o governo Argentino começou a resgatar mais pesos da economia Argentina que aqueles que descarregava. Isto aumentou a solvência do peso, que deixou de ser um expediente para saquear a população e em que esta não confiava, para ser um crédito de um Estado solvente que pode servir como reserva de valor. Voltando ao primeiro conceito, consumo não é riqueza, consumo é destruição de riqueza, já que é impossível comer um bolo e manter esse bolo ao mesmo tempo. Mas é a utilização da riqueza para obter um fim que se pretende mais valioso. Por este motivo, as políticas que estimulam o consumo (ou, como se costuma dizer, a Procura) não criam riqueza. As necessidades humanas são infinitas, pelo que só aquelas que podem ser economicamente satisfeitas devem ser consumidas numa economia sustentável. Só esse consumo não destrói riqueza.
Mas, ainda por cima, é falso que o consumo se tenha reduzido na Argentina, pelo contrário, o consumo privado agregado aumentou, em particular o consumo de serviços como o turismo e de bens duradouros como carros ou electrodomésticos. O único consumo que diminuiu foi o chamado consumo maciço, quer dizer, o gasto em bens de consumo imediato, indicador ao qual a esquerda progressista se agarrou como a um prego a arder. No fundo, é mais um indício de que os argentinos estão paulatinamente a abandonar a economia de subsistência em que foram submergidos e a satisfazer outro tipo de fins mais refinados. A apreciação do peso, o crescimento dos salários reais e a descida das taxas de juro que resultaram das políticas económicas sãs de Milei estão a contribuir para que assim seja.
Os argentinos ainda têm um longo caminho a percorrer, com muitos altos e baixos, antes de voltarem a ser uma economia desenvolvida. E não existe nenhuma garantia de que tal venha a suceder se voltarem a escolher o Socialismo. Mas enquanto o silêncio dos detractores de Milei persistir, sabemos que os argentinos estão no bom caminho.
Nota editorial: Os pontos de vista expressos pelos autores dos artigos publicados nesta coluna poderão não ser subscritos na íntegra pela totalidade dos membros da Oficina da Liberdade e não refletem necessariamente uma posição da Oficina da Liberdade sobre os temas tratados. Apesar de terem uma maneira comum de ver o Estado, que querem pequeno, e o mundo, que querem livre, os membros da Oficina da Liberdade e os seus autores convidados nem sempre concordam, porém, na melhor forma de lá chegar.