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O lado negro dos "brokers" digitais

Não devemos confiar em plataformas que cortam e/ou dificultam a comunicação com os seus clientes.

Mário Machado Meira
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Nos últimos anos, os brokers digitais tornaram-se a escolha preferida de milhares de investidores portugueses que procuram alternativas simples, baratas e acessíveis para investir em ativos financeiros. Plataformas como a Trade Republic, DEGIRO, XTB ou Trading 212 tornaram-se muito populares, sobretudo entre os jovens investidores. Vantagens como comissões reduzidas — ou mesmo nulas — e o acesso rápido à informação e à tomada de decisão tornaram estas plataformas particularmente atrativas. A possibilidade de ter acesso fácil a ações, ETFs, obrigações, matérias-primas, derivados e, em alguns casos, até criptomoedas, contribui para essa atratividade. Ao contrário dos bancos tradicionais, cujo modelo continua muito centrado em comissões elevadas e produtos fechados, os brokers digitais oferecem uma experiência centrada no utilizador, com acesso direto a mercados internacionais e contas abertas em poucos minutos, a partir de um telemóvel. Importa referir que tenho conta em várias destas plataformas e utilizo-as regularmente.

É fácil perceber o que atrai os jovens investidores a estas plataformas. O que nem sempre é evidente são os riscos associados a estas decisões. Em primeiro lugar, muitas destas plataformas não têm representação física em Portugal, o que pode dificultar o apoio ao cliente em situações mais complexas. Em segundo lugar, a componente fiscal é frequentemente negligenciada: a maioria dos brokers digitais não fornece mapas fiscais compatíveis com o modelo do IRS. Isto representa um risco adicional de erros ou omissões na declaração anual. Vivemos numa era em que muitos investidores iniciam o seu percurso financeiro com base em conteúdos de influencers, alguns dos quais alcançaram sucesso financeiro sem plena consciência das consequências dos seus conselhos. A falta de literacia financeira é ainda profunda na sociedade portuguesa, e a proliferação de falsos especialistas agrava o problema. Tomemos como exemplo livros como “Pai Rico, Pai Pobre”, que, apesar do seu sucesso comercial, transmitem mensagens que podem incentivar decisões financeiras precipitadas ou mal fundamentadas. Por fim, há que considerar o risco de contraparte, embora mitigado pelo facto de muitas destas empresas estarem reguladas por autoridades financeiras europeias.

Embora tivesse consciência das vantagens e riscos referidos, fui recentemente confrontado com um problema que não antecipava. Um dos meus brokers digitais preferidos era a Trade Republic, e, como tal, foi a plataforma que mais utilizei no último ano. A facilidade de criação de conta, a interface intuitiva e as baixas comissões foram fatores que me deixaram bastante satisfeito com este broker. No entanto, nos últimos meses ocorreu uma alteração preocupante: a capacidade de comunicação com o broker. Não considero essencial ter um balcão físico ou uma linha telefónica disponível 24 horas por dia para resolver problemas. Estou perfeitamente confortável a comunicar por chat ou e-mail. Mas o que fazer quando todas as linhas de comunicação desaparecem? Tive alguns erros na declaração fiscal gerada pela Trade Republic e tentei contactar a plataforma para resolver a situação. Para meu espanto, verifiquei que os e-mails disponíveis anteriormente passaram a gerar respostas automáticas a encaminhar-me para o chat na aplicação. O problema? A opção de iniciar um novo chat foi removida da aplicação. Neste momento, é praticamente impossível estabelecer contacto com o broker. Esta realidade deve ser motivo de séria preocupação para qualquer investidor que utilize esta plataforma. O impacto potencial no meu IRS poderá ser significativamente superior a qualquer valor que poupei em comissões. A minha conclusão pessoal é clara: aconselho vivamente todos os atuais e potenciais investidores da Trade Republic a refletirem cuidadosamente sobre esta limitação.

Em resumo, considero os brokers digitais uma mais-valia para as novas gerações de investidores. No entanto, é essencial estarmos atentos às desvantagens que referi anteriormente. Não devemos confiar em plataformas que cortam e/ou dificultam a comunicação com os seus clientes. Acima de tudo, é fundamental procurar fontes de conhecimento credíveis e bem fundamentadas antes de tomar decisões de investimento. Os brokers digitais são apenas o meio — o sucesso depende sempre da estratégia, do conhecimento e da disciplina de cada investidor.