Um título truncado é um bom título para o clickbait, mas é um título que pode desvirtuar o seu conteúdo. Por exemplo, o título “Temos maus professores!” ou “Os portugueses não querem trabalhar!”, podem conter informação pertinente e contextualizar devidamente os respetivos temas e pontos de vista, mas se ficarmos apenas pelo título a ideia formada deverá seguramente ser a errada. O sentido do título deste artigo é, obviamente, figurado e o apelo que se pretende fazer é o da destruição das barreiras que se vão erguendo nas escolas e na sociedade. É um título que remete para a construção das pontes necessárias a uma escola plural, mas que simultaneamente respeite a individualidade de cada um e onde todos somos o outro.
A escola é um laboratório de democracia. É na escola, num trabalho que se pretende colaborativo com a família, que se dotam os alunos das ferramentas para o exercício pleno da cidadania. A concorrência é forte e feroz, as redes sociais são veículo ótimo para a mensagem atomizada (fiável ou dúbia, tanto faz) e pronta a consumir. Em contracorrente, a escola promove o raciocínio, a formulação, o questionamento, em suma o pensamento crítico, apoia-se nos ombros da ciência (e não da perceção) amparada nos valores sociais, estéticos, éticos e morais, que são fundamentais em sociedade. Veja-se, como exemplo, o famoso paradoxo da tolerância, formulado por Karl Popper, em A sociedade aberta e os seus inimigos: ao sermos tolerantes com os intolerantes, colocamos em risco a própria tolerância e, com ela, a democracia. Trata-se de uma ideia crucial no processo de construção de cidadania, onde se encontram obstáculos profundos e persistentes na escola: o bullying, o racismo, a xenofobia, a homofobia, a violência no namoro não surgem do nada — são aprendidos, reproduzidos e, se nada for feito, continuarão a ser normalizados… “ah!, agora já não se pode dizer nada!”, é a frase usual que apela confortavelmente à manutenção do status quo. Como Sérgio Godinho canta n’As Armas do Amor, desarmem o preconceito, desarmem a intolerância. O preconceito que pode habitar em cada um de nós. A intolerância que pode permitir e fomentar a exclusão. Destrói a tua parte do preconceito e da intolerância.
Sem imigração, a nossa economia estaria a atravessar graves problemas. Sem ela, hoje teríamos dificuldades em colher cerejas ou pêssegos, em pescar, em construir… Temos problemas demográficos. Por isso, fechar portas à diversidade cultural e humana é hipotecar o nosso próprio futuro, numa lógica de extremo orgulho no nosso passado e na vácua crença na raça lusitana. “Há um português em todos os cantos do mundo”, é frase repetida e, normalmente, com satisfação. Hoje, nas nossas escolas, e no nosso país, cabem todos os cantos do mundo, e isso também nos deveria trazer orgulho e não medo e preconceito. A diversidade enriquece-nos, como se poderá constatar no próximo dia 10 de julho no Teatro Municipal da Covilhã, no 1º Concerto Multicultural da Beira Interior, uma iniciativa promovida pela Santa Casa da Misericórdia da Covilhã, onde músicos de diferentes origens culturais irão partilhar o palco com crianças e jovens migrantes, residentes no concelho da Covilhã. Destrói a tua parte do medo e do preconceito.
A Comissão Europeia contra o Racismo e a Intolerância publicou no passado dia 18 de junho, um relatório sobre Portugal, onde alerta para o bullying nas escolas portuguesas, propondo a uniformização curricular a nível do país, nomeadamente em “Cidadania e Desenvolvimento”, de forma a promover o combate à intolerância contra pessoas racializadas ou LGBTI. O bullying é violência que nasce precisamente da diferença do tom de pele, do sotaque, da orientação sexual, do volume corporal, da deficiência, da religião ou da condição económica. Ficar calado é consentir, é compactuar. Destrói a tua parte do silêncio.
Nem em ciência há verdades absolutas. Há dúvidas, hipóteses e testes. O conhecimento não se constrói por perceções, mas por investigação, questionamento, experimentação e confronto entre pares. De igual forma, na formação cívica, não devemos basear a educação em ideias feitas e preconceituosas, nem permitir medos alimentados por discursos populistas e mentiras propagadas nas redes sociais. O exercício da cidadania exige escrutínio, exige pensamento, exige empatia.
A docência é uma profissão nobre, desafiante, gratificante, mas igualmente de risco! Este risco tem a ver com a matéria prima com que trabalhamos, não há ourives, joalheiro ou engenheiro aeroespacial que tenha à sua frente algo mais precioso do que nós professores. Nós trabalhamos com a matéria prima mais valiosa, mais importante e simultaneamente mais sensível. Nós professores, trabalhamos hoje o amanhã do nosso país, e por maioria de razão, do nosso mundo. Por isso, hoje mais do que nunca: Destrói a tua parte. Do preconceito. Do silêncio. Da indiferença. Da intolerância. Do medo. E ajuda a construir a escola de todos.