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(A) :: Odiamos Trump, odiamos Trump, odiamos Trump...

Odiamos Trump, odiamos Trump, odiamos Trump...

Limitar as discussões sobre Trump a exprimir ódios e ofensas é uma atitude infantil e inútil. Pior, é uma falta de respeito pelos consumidores de notícias e de debates de análise política.

João Marques de Almeida
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O título descreve como a maioria dos analistas em Portugal analisa o Presidente americano e a política externa dos EUA. É impressionante. Leio artigos, ouço comentários e discussões nas televisões, participo em debates, e muitas vezes faço a mesma pergunta: será que vão passar quatro anos a repetir sempre as mesmas coisas?

Todas as pessoas que se interessam pela política e pelas questões internacionais sabem que Trump é mentiroso, que é inculto, que é ordinário, que é ofensivo, que não mostra um apego firme aos valores democráticos, que é um oportunista, um demagogo. Toda a gente sabe isso. O que adianta repetir isso o tempo todo? A maioria dos comentários sobre Trump parece um disco riscado. Não sai do mesmo tom.

Há duas questões internacionais em que discordo absolutamente de Trump: na guerra da Ucrânia e nas tarifas comerciais. Mas a minha opinião é secundária. Já o disse uma ou duas vezes, não vou continuar a repetir-me cada vez que falo desses temas. O que me interessa é procurar entender as razões que levam Trump a defender essas posições. No caso da Ucrânia, parece-me que há três razões. A primeira é claramente pessoal. Não esquece que Zelensky era um aliado de Biden, e os seus instintos são básicos: os aliados dos meus adversários também são meus adversários. Mas, com o tempo, este lado pessoal começa a desaparecer. Veja-se a diferença entre o primeiro encontro na Casa Branca e a última conversa na Cimeira da NATO. As relações entre Trump e Zelensky melhoraram claramente.

A segunda razão também segue instintos políticos simples: Trump quer ajudar a fazer a paz na Ucrânia, e considera que a maneira mais fácil e rápida será colocar-se ao lado do mais forte, e pressionar o mais fraco. Até agora, não resultou, o que mostra que os instintos de Trump nem sempre estão certos. Mas não está a funcionar sobretudo porque Putin quer ir sempre mais longe e ainda não aproveitou a ajuda de Trump. Por outro lado, o pragmatismo de Zelensky tem sido extraordinário, e ainda pode conseguir colocar Trump do seu lado. O modo como Zelensky tem aguentado as humilhações públicas e o enorme desgaste a que está sujeito é notável.

A terceira razão é um pouco mais sofisticada. Trump acredita que consegue separar a Rússia da China. Sou muito céptico em relação a isso, a coligação entre Putin e Xi é profunda. Mas, diplomaticamente, faz sentido. Kissinger fez o mesmo nos anos de 1970, e conseguiu dividir a União Soviética da China.

No caso das tarifas comerciais, Trump segue uma agenda protecionista. Eu tenho uma posição muito mais liberal (no sentido clássico) em relação ao comércio global, mas sei muito bem que Trump está longe de ser o único líder protecionista. Nem vale a pena recuar ao passado, a China tem uma política altamente protecionista. Nas potências emergentes, a Índia é protecionista, tal como o Brasil de Lula (muito protecionista mesmo).

A própria União Europeia e os países europeus, que defendem por princípio o comércio livre, não se livram de posições protecionistas. O protecionismo defensivo contra as políticas industriais da China faz sentido, mas o mais grave é o protecionismo regulatório no interior da União Europeia cheia de obstáculos ao aprofundamento do mercado único.

Mas os militantes do ódio ao Trump também não conseguem, obviamente, reconhecer os sucessos diplomáticos de Trump. Na semana passada, teve sucesso na Cimeira da NATO, e conseguiu que os países europeus começassem a levar a sério o investimento na defesa. Desde Clinton que os Presidentes americanos dizem aos europeus que precisam de investir mais na defesa, mas foi Trump que conseguiu mudar a situação na Europa.

No Irão, com o ataque militar preventivo às instalações nucleares (um único ataque sem vítimas civis), Trump conseguiu acabar com a guerra dos 12 dias entre Israel e o Irão. Uma guerra que segundo muitos poderia levar a um conflito regional. Mais uma vez, Trump não fez nada de novo. Em Dezembro de 1998, Clinton ordenou ataques militares preventivos contra o programa nuclear do Iraque.

Neste momento, Trump está a discutir um cessar-fogo em Gaza, um acordo de paz entre a Síria e Israel, e um acordo diplomático entre a Arábia Saudita e Israel. É prematuro afirmar que Trump terá sucesso no Médio Oriente. Muitos tentaram e poucos conseguiram (curiosamente, também foi Clinton o último Presidente americanos que alcançou sucessos diplomáticos na região). Mas, não é de excluir que Trump consiga acordos de paz no Médio Oriente.

Limitar as discussões sobre Trump a exprimir ódios e ofensas é uma atitude infantil e inútil. Pior, é uma falta de respeito pelos consumidores de notícias e de debates de análise política. Os analistas são pagos para prestar o melhor serviço possível. A exibição de estados de alma e de emoções não é uma atitude profissional.