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Como Salgado terá pago cerca de 50 milhões de euros para Bava e Granadeiro comprarem dívida de empresa falida dos Espírito Santo

Família Espírito Santo terá lucrado com a PT cerca de 8,4 mil milhões de euros. Bava e Granadeiro terão sido alegadamente corrompidos para comprarem dívida do GES e manterem influência do BES na PT.

Luís Rosa
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Rodrigo Mendes
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Texto original publicado a 12 de Outubro de 2017 a propósito do despacho de acusação da Operação Marquês e que foi adaptado em 2 de julho de 2025

Quando um processo tem José Sócrates como principal arguido e litigante — todos os restantes arguidos passam para plano secundário. Mesmo quando estamos a falar de dois gestores que foram dos homens mais poderosos e influentes de Portugal, como foi o caso de Zeinal Bava e Henrique Granadeiro, ex-líderes daquela que foi a principal empresa da economia nacional chamada Portugal Telecom (PT).

Bava e Granadeiro foram igualmente acusados e pronunciados pelo crime de corrupção passiva — o mesmo que José Sócrates. E até partilham o alegado corruptor ativo com o ex-primeiro-ministro mas por razões diferentes: Ricardo Salgado, o ex-presidente executivo do BES que era o principal acionista privado da PT.

https://observador.pt/programas/sim-sr-procurador/sim-sr-procurador-zeinal-admitia-jurar-sobre-o-alcorao/

Mas o crime de corrupção não é o único ilícito pelo qual os dois gestores vão responder em tribunal. Henrique Granadeiro vai ser julgado por um total de cinco crimes: além do crime de corrupção passiva, foi igualmente pronunciado por dois crimes de branqueamento de capitais e dois crimes de fraude fiscal qualificada. Enquanto Bava vai responder apenas por três crimes no total: um crime de corrupção, um crime de branqueamento de capitais e um crime de fraude fiscal qualificada.

Afinal, como é que os dois gestores receberam cerca de 50 milhões de euros (praticamente metade para cada um) por ordens de Ricardo Salgado? E qual o motivo que o Ministério Público lhes imputa para alegadamente terem feito um pacto criminoso com Salgado? Já poucos se recordam mas a queda do Grupo Espírito Santo e do BES arrastou a PT — e muito por culpa dos investimentos financeiros da empresa de telecomunicações em produtos financeiros do BES do GES.

GES ganhou cerca de 8,4 mil milhões de euros com a PT

Quando a PT caiu — e foi tomada pelos brasileiros da Oi que a venderam aos franceses da Altice — muito se escreveu sobre as forma como os acionistas portugueses se tinham alimentado da Portugal Telecom. Ou seja, empresas que eram acionistas também eram, ao mesmo tempo, fornecedores da PT.

Mas nenhum acionista lucrou tanto com a PT, como o GES. Entre pagamentos por serviços prestados, recebimento de dividendos e utilização da tesouraria da PT para uma concentração de investimentos financeiros em títulos de dívida do BES e do GES, o Grupo conseguiu uma receita total de cerca de 8,4 mil milhões de euros entre 2001 e 2014.

Uma autêntica relação predadora à módica quantia anual em termos médios de 600 milhões de euros que levou o MP a escrever no despacho de acusação que “o arguido Ricardo Salgado capturou” a “estratégia e a gestão do Grupo Portugal Telecom” e submeteu-a “à sua estratégia para o Grupo Espírito Santo”.

A relação entre o GES/BES e a PT foi uma autêntica relação predadora à módica quantia anual em termos médios de 600 milhões de euros que levou o MP a escrever no despacho de acusação que "o arguido Ricardo Salgado capturou" a "estratégia e a gestão do Grupo Portugal Telecom" e submeteu-a "à sua estratégia para o Grupo Espírito Santo".

Este valor astronómico ajuda igualmente a explicar a necessidade que, de acordo com o MP, Ricardo Salgado terá sentido em alegadamente corromper o então primeiro-ministro José Sócrates e Henrique Granadeiro e Zeinal Bava, estes dois últimos enquanto líderes da PT entre 2006 e 2014.

Por exemplo, havia uma série de empresas de prestação de serviços da família Espírito Santo que trabalhavam com o Grupo PT. Desde a contratação da famosa Escom — a empresa que ficou conhecida por suspeitas de corrupção no negócio da compra de dois submarinos por parte de Portugal — para assessorar a operadora em Angola durante a atribuição de licenças para a prestação de serviço de telecomunicações (contrato que rendeu 4 milhões de euros), passando por um conjunto muito diversificado de contratos de assessoria financeira assinado entre o Banco Espírito Santo Investimento (BESI) de Portugal e do Brasil com o Grupo PT, que renderam ao banco liderado por José Maria Ricciardi cerca de 46,9 milhões de euros entre 2001 e 2014, tudo foi possível.

Só entre 2006 e 2014, diversas empresas do GES faturaram à PT um total de cerca de 244,4 milhões de euros.

O mesmo se diga dos dividendos: entre 2002 e 2014, o GES recebeu um total de cerca de 634 milhões de euros. Só entre 2010 e 2011, o GES recebeu um total de 272,6 milhões de euros.

Os investimentos da PT em produtos financeiros do GES violaram a política da empresa

Se analisarmos os recursos financeiros que a PT colocou à disposição do Grupo liderado por Ricardo Salgado, verificamos que, entre 2001 e 2006, mas também no período subsequente até 2014, cerca de 45% do total da disponibilidade financeira da operadora foi colocada ao dispor do BES.

“Em clara violação da política da empresa de efetuar aplicações financeiras ‘junto de instituições financeiras diversificadas'” e “após análise cuidada dos riscos”, lê-se na acusação do DCIAP.

Só em títulos de dívida do GES, a PT chegou a ter um máximo de 1,2 mil milhões de euros em 2005. Nesse ano, e se juntarmos os valores dos depósitos (no valor de 927 milhões de euros), a PT tinha recursos totais de 2,1 mil milhões de euros aplicados no GES. Cerca de 68,2% dos recursos totais disponíveis em 2005.

Só em títulos de dívida do GES, a PT chegou a ter um máximo de 1,2 mil milhões de euros em 2005. Nesse ano, e se juntarmos os valores dos depósitos (no valor de 927 milhões de euros), a PT tinha recursos totais de 2,1 mil milhões de euros aplicados no GES. Cerca de 68,2% dos recursos totais disponíveis em 2005.

A opção por investir em títulos de dívida da PT terá sido tomada pela operadora “a partir de 2001, por decisão do arguido Zeinal Bava, à data CFO da PT, SGPS. Até fevereiro de 2008, o Grupo PT investiu montantes avultados em títulos comercializados pelo Grupo BES”.

Os valores desceram em termos absolutos mas o peso do GES no total das aplicações de depósitos e investimentos da PT subiu, tendo atingido em 2014 um total de cerca de 1,6 mil milhões de euros que representavam 98,3% dos recursos investidos pelo Grupo PT. Na prática, a PT só investiu no BES e no GES nesse ano — um ano fatídico para Ricardo Salgado, que foi afastado da liderança do BES, e para o banco, que foi alvo de uma medida de resolução decretada pelo Banco de Portugal.

Daí o MP falar na acusação do facto de “Ricardo Salgado ter conseguido condicionar a gestão da PT SGPS aos seus interesses”.

Empresas ocultas para controlar PT

Ricardo Salgado, por outro lado, também tentaria controlar a PT de formas pouco ortodoxas, nomeadamente promovendo o “financiamento de compra de ações por estrutura societária em que o Grupo Espírito Santo, de forma oculta, tinha participação”.

Um exemplo disso foi a “tomada de posição qualificada no capital social da PT SGPS através da compra de 23 milhões de ações pela sociedade Telexpress com financiamento do BES no valor de 137 milhões de euros” que se verificou em dezembro de 2001.

https://observador.pt/programas/sim-sr-procurador/sim-sr-procurador-ricardo-salgado-e-o-celebre-careca-que-era-o-homem-da-mala-do-brasil/

A Telexpress foi constituída no paraíso fiscal das Ilhas Caimão em 3 de dezembro de 2001 com o único propósito de adquirir ações da PT, SGPS, tendo como acionistas, com partes iguais, a Gaunlet Holdings, pretencente ao GES, registada nas Ilhas Virgens Britânicas e era gerida pela Eurofin, e a Intertel Investments, com sede em Gibraltar, do empresário Patrick Monteiro de Barros.

“Deste modo, utilizando o BES para financiar a aquisição de ações por veículo societário em que empresa do universo GES tinha participação, o arguido Ricardo Salgado conseguiu contornar os Estatutos da PT que limitavam a 10% os direitos de voto de cada acionista e logrou ainda ver indicado para o CA administrador conivente com os seus interesses, o empresário Patrick Monteiro de Barros”, lê-se na acusação.

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A ameaça da OPA da Sonae

Com uma parceria de sucesso (pelo menos, na perspetiva do GES) como aquela que existia com a PT, é natural que a Oferta Pública de Aquisição (OPA) lançada pela Sonae de Belmiro e Paulo Azevedo fosse uma ameaça — pelo menos, era assim que Ricardo Salgado percecionava a mesma.

Tudo porque o sucesso da OPA da Sonae seria o fim da parceria entre a PT e o GES. Nem o BESI voltaria a ser contratado, nem a PT SGPS continuaria como acionista do BES nem os recursos da PT seriam investidos no BES como tinham sido até aquele momento. Isto para já não falar na presença da PT no Brasil que o BES entendia como fundamental (as suas empresas no Brasil também faturavam à PT) e a Sonae via como dispensável para se concentrar na Europa e em África.

Com uma parceria de sucesso (pelo menos, na perspetiva do GES) como aquela que existia com a PT, é natural que a Oferta Pública de Aquisição (OPA) lançada pela Sonae de Belmiro e Paulo Azevedo fosse uma ameaça — pelo menos, era assim que Ricardo Salgado percecionava a mesma.

A OPA da Sonae, contudo, estava dependente da desblindagem dos estatutos da PT que limitavam a participação de cada acionista a um máximo de 10%, o que correspondia igualmente a uma limitação nos direitos de voto.

Assim, Ricardo gizou um plano estratégico para assegurar a derrota da Sonae que, além de garantir o apoio do então primeiro-minstro José Sócrates, consistia nos seguintes pontos, de acordo com o despacho de acusação da Operação Marquês:

  1. Apoiar e influenciar a administração da holding da PT na oposição à OPA;
  2. Financiar novos acionistas da PT contrários à OPA para que reforçassem a sua posição e ainda novos acionistas, como a Ongoing e a Fundação Bernardo para que pudessem reforçar o voto contra a OPA.

Acordo entre Salgado/Bava e Salgado/Granadeiro

Para aplicar esta estratégia, e por indicação de Ricardo Salgado em março de 2006, Henrique Granadeiro foi nomeado presidente do Conselho de Administração da PT, acumulando com a liderança da Comissão Executiva até 2008. Já Zeinal Bava foi nomeado vice-presidente da PT em abril de 2006, tendo mantido o cargo até 28 de março de 2008, altura que substituiu Granadeiro como presidente executivo.

Ambos criaram o contra-ataque da administração que implicava a distribuição de cerca de 5,3 mil milhões de euros em dividendos para o triénio 2006/2008 — mais do dobro do que tinha distribuído aos acionistas da PT entre 2003 e 2005. Mais tarde, e face à nova proposta da Sonae de 10,5 euros por ação, a equipa de gestão liderada por Henrique Granadeiro reforçaram o seu plano de remuneração com um valor de 5,6 euros por ação, o que significava um esforço total de 6,2 mil milhões de euros.

O novo pacote de remuneração foi aprovado a 20 de fevereiro de 2007, em reunião do Conselho de Administração da holding da PT. Os administradores da Telefónica abstiveram-se e o “administrador Luís Azevedo Coutinho votou contra”.

Azevedo Coutinho tinha sido convidado para a administração da PT, SGPS, pelo ministro Mário Lino. Em declaração de voto escrita, Azevedo Coutinho consignou “não ter elementos que lhe permitissem concluir que a oferta de 10,5 euros”, a nova oferta da Sonae, “era inadequada e que deveria o CA, em representação dos interesses dos acionistas, aconselhar a sua rejeição”. Uma voz que pregou no deserto de tão isolada.

Mário Lino não gostou de ouvir esta voz dissonante, e logo nomeada pelo Governo, e chamou Sousa Coutinho ao Palácio Conde Penafiel, onde então tinha sede o Ministério das Obras Públicas, para manifestar-lhe “o seu desagrado por ter agido de forma desalinhada com a estratégia do Governo” Sócrates, votando contra a aprovação da contraproposta dos acionistas desenhada pela Administração da PT”.

As primeiras transferências para Bava e Granadeiro

Como alegada contrapartida pelas suas ações contra a OPA da Sonae, Henrique Granadeiro e Zeinal Bava terão recebido um pouco mais de seis milhões de euros cada um do Grupo Espírito Santo.

A primeira transferência de seis milhões de euros terá tido Granadeiro como destinatário em 9 julho de 2007 — tendo a mesma sido reforçada no último mês do ano com uma transferência de cerca de 500 mil euros para a conta de uma empresa de Granadeiro (a Granal Inc). Precisamente no mesmo dia, Ricardo Salgado também terá ordenado a transferência de cerca sete milhões de euros para a conta de Carlos Santos Silva.

Também em dezembro de 2010, a ES Enterprises terá transferido cerca de 6,7 milhões de euros para uma conta que Zeinal Bava abriu na UBS de Singapura.

Como alegada contrapartida pelas suas ações contra a OPA da Sonae, Henrique Granadeiro e Zeinal Bava terão recebido um pouco mais de seis milhões de euros cada um do Grupo Espírito Santo. A primeira transferência de seis milhões de euros terá tido Granadeiro como destinatário em 9 julho de 2007 — tendo a mesma sido reforçada no último mês do ano com uma transferência de cerca de 500 mil euros para a conta de uma empresa de Granadeiro (a Granal Inc).

Ciente de que teria que vender a Vivo à Telefónica, Ricardo Salgado também sabia que, para conseguir adquirir uma posição na Telemar (a alternativa à Vivo), teria que “garantir o apoio dos arguidos Henrique Granadeiro e José Sócrates, uma vez que sabia da proximidade dos mesmos a responsáveis políticos brasileiros. O primeiro através do advogado João Abrantes Serra”, que chegou a ser constituído arguido mas não foi acusado, “e o segundo por via das suas funções no Governo de Portugal e da sua amizade com o Presidente do Brasil [Lula da Silva]”.

É nesse contexto que surge o projeto Swap em 2007. Os estudos para uma possível aquisição de uma participação na Telemar foram realizados pelo BESI e pelo Caixa – Banco de Investimento (BI). Estava em causa uma troca de participações entre a PT e a Telemar.

Segundo o desenho estratégico da operação feito pelo BESI, o objetivo era promover uma fusão entre a PT e a Telemar com um objetivo claro: criar um operador multinacional de matriz lusófona que se situasse entre os 10 e os 15 maiores operadores de telecomunicações a nível mundial com um valor de mercado de cerca de 50 mil milhões de euros e 140 milhões de clientes.

Ciente de que teria que vender a Vivo à Telefónica, Ricardo Salgado também sabia que, para conseguir adquirir uma posição na Telemar (a alternativa à Vivo), teria que "garantir o apoio dos arguidos Henrique Granadeiro e José Sócrates, uma vez que sabia da proximidade dos mesmos a responsáveis políticos brasileiros. O primeiro através do advogado João Abrantes Serra", que chegou a ser constituído arguido mas não foi acusado, "e o segundo por via das suas funções no Governo de Portugal e da sua amizade com o Presidente do Brasil [Lula da Silva]".

Das hipóteses de concretização de negócio analisadas pela equipa de José Maria Ricciardi, líder do BESI, saltava à vista a hipótese de fusão entre as duas empresas (incorporando-se a Telemar na PT) por via de troca de ações da empresa brasileira por títulos da PT, SGPS. O BESI chegava a colocar a hipótese de a PT vender os seus activos no continente africano para financiar esta operação.

Partindo para a negociação pura e dura, e de acordo com um term-sheet (condições da proposta) elaborado pela Caixa BI, a PT lutava pela tomada de uma posição mínima de 51% no capital da Telemar Participações (a holding do Grupo Telemar) e pretendia negociar essencialmente com os quatro principais accionistas da Telemar.

O Kappa e o Ómega da PT: a Oi

Três anos depois, já em 2010, a hipótese de um casamento com a Oi/Telemar voltou a colocar-se em cima da mesa. Mais uma vez, o vizinho espanhol Telefónica mostrava os dentes para ficar com os 50% da preciosa Vivo — que só em 2009 tinha gerado cerca de 3,1 mil milhões de euros de receitas, um valor que compara com os 3,4 mil milhões que a PT conseguia então em Portugal com a rede fixa e móvel.

Apesar de estes números darem a impressão de que a Oi era mais atrativa que a Vivo, tal não era verdade. A Vivo era uma empresa significativamente mais moderna em termos tecnológicos e com muito mais potencial, por estar mais virada para a telefónia móvel. Enquanto que a Oi, que resultava de uma fusão da Telemar com a Brasil Telecom concretizada em 2008/2009, dependia muito da telefonia fixa e necessitava de grandes investimentos em termos tecnológicos, além de ser claramente uma empresa com uma dívida muito significativa — que estará na origem do seu processo de gestão judicial que está a decorrer neste momento.

Certo é que, apesar de qualquer gestor e acionista da empresa preferir permanecer na Vivo, os espanhóis queriam o bolo todo para si. E avançaram para a primeira proposta no início de 2010: cerca de 5 mil milhões de euros pelos 50% da Vivo — o dobro do que tinha oferecido à Sonae.

A oferta, que não foi comunicada ao mercado, é recusada mas a administração de Henrique Granadeiro (chairman) e de Zeinal Bava (chief executive officer da PT desde março de 2008) percebe que tem de retomar os contactos com a Telemar — que, entretanto, já tinha incorporado os activos e passivos da empresa Brasil Telecom.

Os espanhóis sobem a proposta para 5,7 mil milhões e obrigam a administração da PT a analisar, a rejeitar e a divulgar toda a informação a 10 de maio. Nesta altura, Henrique Granadeiro, Zeinal Bava e Ricardo Salgado já estavam em campo e, de forma secreta, iniciaram contactos com a Andrade Gutierrez, La Fonte/Jereissati e com os restantes acionistas da Telemar para a aquisição de uma posição nesta empresa.

É nesta altura que o BESI cria o projeto Kappa — a Caixa BI, o outro banco de investimento com quem a PT costumava trabalhar, é afastada do processo.

Num dos relatórios do projeto Kappa, datado de 31 de maio de 2010 e da autoria da filial brasileira do BESI, são estudados vários cenários que têm como pressuposto a aquisição de uma posição maioritária de 50,14% na Telemar Participações (que reunia os acionistas brasileiros que controlavam a empresa) e controle da gestão, através da nomeação de um CEO.

É claro ao longo de todo o documento que os assessores do BESI apenas aconselhavam uma aquisição que permitisse o controlo da empresa — nunca uma posição minoritária. Essa participação de 50,14%, representaria, no final, uma participação de 45% em termos de interesses económicos da PT no Grupo Telemar.

As golden-share, o acordo com a Oi e novas transferências para Granadeiro e Bava

Entretanto, a Telefónica ia subindo a sua proposta. Com uma quarta proposta em cima da mesa (7,15 mil milhões de euros era o novo número de uma last and final offer), começou-se a gerar o consenso entre os accionistas (com o BES e a Ongoing a liderarem o movimento) de que essa era uma proposta irrecusável que teria de ser aprovada numa Assembleia-Geral da PT marcada para 30 de junho.

Contudo, ainda não havia ainda acordo com a Telemar para a entrada na PT.

Sócrates sabia disso, seja pelos canais de comunicação que tinha com a administração da PT ou com a administração do BES, tal como sabia igualmente por Lula da Silva.

https://observador.pt/programas/sim-sr-procurador/sim-sr-procurador-granadeiro-e-a-conta-na-suica-era-chique/

E apesar disso, e para surpresa de alguns dos 74% dos acionistas presentes que votaram a favor do negócio, usou as 500 ações golden share que lhe permitiam vetar o negócio com os espanhóis. Os gestores da PT preferiam ter tempo para encontrar uma solução no Brasil mas o então primeiro-ministro Sócrates queria resultados praticamente imediatos e usou a golden share para pressionar um acordo com a Oi.

No Brasil, por seu lado, a imprensa económica noticiava que Sócrates queria, em acordo com Lula da Silva, que a PT entrasse na Oi. Cerca de 30 dias depois, a 28 de julho, Henrique Granadeiro, acompanhado de Zeinal Bava, anuncia ao mercado a tal “maior operação financeira alguma vez realizada em Portugal”:

  • A PT vende os 50% na Brasilcel à Telefónica por 7,5 mil milhões de euros;
  • E a compra de uma participação económica direta e indireta de 22,38% na Oi por cerca de 3,7 mil milhões de euros, enquanto que a Oi adquire 10% do capital da PT — uma posição avaliada em 875 milhões de euros.

Mais tarde, já em novembro de 2010, e como alegada compensação por aplicar a estratégia de Ricardo Salgado, Granadeiro terá recebido mais duas transferências de cerca de 3,5 milhões de euros da ES Enterprises na sua conta do Banco Pictet, repartidas da seguinte forma:

  • 1,5 milhões de euros a 8 de novembro;
  • 2 milhões de euros a 12 de novembro.

Zeinal Bava, por seu lado, recebeu igualmente mais duas transferências na conta da sociedade offshore Rownya com conta aberta na UBS de Singapura:

  • 8,5 milhões de euros a 19 de janeiro de 2011 depois de uma tentativa falhada a 21 de dezembro de 2010 por “dados insuficientes do beneficiário”;
  • e 10 milhões de euros em setembro de 2011.
Entre novembro de 2010 e setembro de 2021, Henrique Granadeiro e Zeinal Bava receberam um total de cerca de 22 milhões de euros do saco azul do Grupo Espírito Santo através das suas contas na Suíça e em Singapura. Nunca tais transferências foram comunicadas pelos gestores ao mercado e aos acionistas da Portugal Telecom.

Em 2011 e em 2012, Granadeiro voltou a receber mais fundos com origem na ES Enterprises na sua conta do Banco Pictet:

  • 9,8 milhões de francos suíços a 7 de outubro de 2011 que, ao câmbio da época, equivale a cerca de 8 milhões de euros;
  • 4,8 milhões de francos suíços a 9 de janeiro de 2012, a que corresponde cerca de 4 milhões de euros.

Nunca tais transferências foram comunicadas pelos gestores ao mercado e aos acionistas da Portugal Telecom.

O investimento em dívida do GES e as transferências de Granadeiro para a mulher de Salgado

Neste último caso, e de acordo com o despacho de acusação, Henrique Granadeiro terá confirmado a Ricardo Salgado, por sms enviado a 17 de janeiro de 2012 pelas 15h13m, de que tinha recebido os fundos combinados.

A 22 de novembro de 2011, contudo, Henrique Granadeiro devolveu a Ricardo Salgado parte do dinheiro recebido com origem no saco azul do GES e, “em obediência ao solicitado pelo arguido Ricardo Salgado, Henrique Granadeiro determinou a transferência de 4,9 milhões de francos suíços (cerca de 4 milhões de euros) para a conta que lhe foi indicada pelo arguido Ricardo Salgado”.

Nem mais nem menos do que uma conta aberta no exclusivo banco suíço Lombard Ogier em nome de uma sociedade offshore que pertencerá a Ricardo Salgado e a Maria João Bastos, mulher do ex-líder do BES.

Henrique Granadeiro devolveu a Ricardo Salgado parte do dinheiro recebido em novembro de 2011 com origem no saco azul do GES. E para que conta transferiu os fundos? Nem mais nem menos do que uma conta aberta no exclusivo banco suíço Lombard Ogier em nome de uma sociedade offshore que pertencerá a Ricardo Salgado e a Maria João Bastos, mulher do ex-líder do BES.

Passado um ano, em novembro de 2012, Salgado deu novamente ordens para ser transferida a quantia de 2 milhões de euros para conta de Henrique Granadeiro no Banco Pictet. Sendo que aqui já estavam a decorrer as negociações para a celebração do memorando de entendimento e da combinação de negócios entre a PT e a Oi/Telemar que viria a terminar com a fusão das duas empresas e a criaçao da holding própria que tinha a PT como a principal acionista.

Todas as alegadas contrapartidas transferidas por Ricardo Salgado para Henrique Granadeiro e Zeinal Bava foram igualmente relacionadas pela equipa liderada pelo procurador Rosário Teixeira com os investimentos que a PT fez em dívida do GES — o que faz com que os crimes de corrupção imputados aos três também tenham por base as alegadas irregularidades (por não respeitarem as próprias regras da PT) desses investimentos

Como já vimos, só em títulos de dívida do GES, a PT chegou a ter um máximo de 1,2 mil milhões de euros em 2005 mas o ponto essencial para o MP são os invetimentos realizados entre 2010 e 2013, numa fase em que o GES já atravessava terríveis dificuldades financeiras que terão levado Ricardo Salgado a dar ordens para a ocultação do passivo das holdings de controlo do GES, nomeadamente da Espirito Santo International (ESI).

“Assim, em setembro de 2010, Ricardo Salgado, preocupado pela débil situação financeira da ESI e do GES em geral, querendo que a disponibilidade financeira da PT SGPS, resultante da venda da Vivo viesse a beneficiar o BES e o GES, acordou com os arguidos Henrique Granadeiro e Zeinal Bava que, em troca do pagamento de novas compensações monetárias, estes, para além de diligenciarem pela concentração desses depósitos no BES, determinariam que o Grupo Portugal Telecom subscreveria títulos de dívida do do Grupo BES”.

Dessa forma, e entre 2010 e 2013, a PT investiu em dívida da ESI nos seguintes valores:

  • 400 milhões de euros em 2011
  • 550 milhões de euros em 2012
  • 750 milhões de euros em 2013
  • e 897 milhões de euros em 2014

Só em 2014, e como já vimos, a PT tinha um total de cerca de 1,6 mil milhões de euros investidos no GES, tanto em títulos de dívida como em depósitos, o que representava 98,3% dos recursos investidos pelo Grupo PT. Na prática, a PT só investiu no BES e no GES nesse ano — um ano fatídico para Ricardo Salgado, que foi afastado da liderança do BES, e para o banco, que foi alvo de uma medida de resolução decretada pelo Banco de Portugal.

O final desta história é conhecido: a ESI não consegiu pagar os 897 milhões de euros e entrou em processo de insolvência, enquanto os os brasileitos da Oi/Telemar aproveitaram a oportunidade para virar a relação de poder dentro da nova empresa que nasceria da fusão entre a PT e a Oi e obrigar os acionistas portugueses a baixarem a sua participação.

Resumindo e concluindo, o MP entende que “os arguidos Zeinal Bava e Henrique Granadeiro fizeram suas as quantias:

  • Zeinal Bava — cerca de 25,2 milhões de euros
  • Henrique Granadeiro — cerca de 25 milhões de euros

Tudo para “conduzirem as suas condutas, enquanto principais responsáveis da administração da PT, em conformidade com as indicações e com os interesses definidos por Ricardo Salgado, quer quanto:

  • “à estratégia de investimento a seguir no Brasil”;
  • “à continuação da realização de aplicações financeiras, incluindo subscrição de dívida do BES, com os fundos da tesouraria da PT e, em particular, com os fundos recebidos da Telefónica, em pagamento de aquisição da participação na Vivo”.

É por tudo isto, Ricardo Salgado Zeinal Bava e Henrique Granadeiro vão responder em tribunal, sendo que a obrigação de provar a alegada prática dos crimes imputados pertence ao MP.