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(A) :: Reencarnações, um povo no exílio e um imbróglio diplomático. Como será identificado o próximo Dalai Lama?

Reencarnações, um povo no exílio e um imbróglio diplomático. Como será identificado o próximo Dalai Lama?

Para o Budismo Tibetano, é o grande líder espiritual; para Pequim, um separatista. Após anos de dúvidas, o 14.º Dalai Lama anunciou que vai ter sucessor. Como funciona a escolha do próximo Dalai Lama?

João Francisco Gomes
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O Dalai Lama, líder espiritual do Budismo Tibetano, anunciou esta quarta-feira que terá um sucessor após a sua morte, desfazendo a intensa especulação que se vinha adensando ao longo dos últimos anos sobre se haveria ou não um 15.º Dalai Lama após a morte de Tenzin Gyatso, entronizado em 1940. Está, de resto, em curso esta semana uma conferência de três dias dos mais altos lamas das várias escolas do Budismo Tibetano para discutir o futuro da sucessão.

O anúncio foi feito numa mensagem em vídeo na semana em que Gyatso completa 90 anos de idade, que estão a ser comemorados com um longo programa de celebrações em Dharamshala, a cidade indiana onde o Dalai Lama vive exilado desde 1959 e onde está também sediado o governo no exílio do Tibete, região controlada pela China.

https://observador.pt/2025/07/02/dalai-lama-reune-altos-lamas-tibetanos-para-discutir-sucessao-espiritual/

A revelação de que haverá um novo Dalai Lama após a morte do atual deverá agradar aos milhões de seguidores do Budismo Tibetano em todo o mundo — já que a continuação da instituição do Dalai Lama era um desejo manifestado por muitos —, mas poderá também revelar-se uma dor de cabeça diplomática para a China (que pretende ter uma palavra a dizer na escolha do sucessor) e para a Índia (cujo apoio ao Dalai Lama e à causa tibetana tem provocado tensões com a China).

Afinal, o que está em causa em tudo isto? Quem é o Dalai Lama, o que representa, como é escolhido e o que pode significar um eventual futuro Dalai Lama nascido fora do território chinês? O Observador procura algumas respostas que permitam compreender melhor este momento de transição fundamental para uma das maiores tradições religiosas do mundo.

Quem é o Dalai Lama?

O Dalai Lama é o líder espiritual do Budismo Tibetano, tradição budista desenvolvida no Tibete a partir do século VII, e foi também durante vários séculos o líder político do Tibete. Trata-se de um título honorífico que junta as palavras “Lama” — termo tibetano para designar os principais monges e mestres espirituais da tradição budista do Tibete — e “Dalai”, um termo mongol para descrever o oceano.

O primeiro Dalai Lama, Gedun Drub, viveu entre 1391 e 1474. Desde então, ao longo dos últimos 600 anos, de acordo com a crença budista, o Dalai Lama já reencarnou treze vezes. O atual líder espiritual tibetano, Tenzin Gyatso, é o 14.º Dalai Lama: nascido em 1935 no Tibete, foi identificado em 1937 como reencarnação do seu antecessor, que havia morrido em 1933, e foi formalmente reconhecido como 14.º Dalai Lama em 1939. Em fevereiro de 1940, foi entronizado numa cerimónia em Lassa, no Tibete.

Desde 1642, o Dalai Lama era também o líder político do Tibete. Isto só mudou com o atual Dalai Lama, que nos primeiros anos do seu reinado decidiu abdicar do seu papel como líder político. As suas funções políticas passaram, então, para o recém criado governo do Tibete, democraticamente eleito, embora a partir do exílio, na Índia, desde 1959.

“Os Dalai Lamas funcionaram como líderes políticos e espirituais do Tibete durante 369 anos”, escreveu o próprio Dalai Lama numa declaração em 2011. “Acabei voluntariamente com isso, orgulhoso e satisfeito com o facto de podermos seguir o tipo de sistema democrático de governo que está a florescer no resto do mundo.”

O Dalai Lama é, ainda assim, a figura cimeira e o principal símbolo da cultura tibetana, personificando a identidade tibetana e a aspiração de autonomia partilhada pelas comunidades do Tibete, tanto as que lá vivem como as que estão no exílio. Como lembra a BBC, a China sempre reivindicou o território tibetano — e, em 1950, depois do surgimento do regime comunista da República Popular da China, as tropas chinesas avançaram sobre o Tibete, assegurando o controlo do território e procurando controlar todos os aspetos da vida e cultura, incluindo a dimensão religiosa e o poder do Dalai Lama.

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As tensões chegaram ao ponto máximo nove anos depois, em 1959, quando o Dalai Lama foi convidado por um general chinês para assistir a um espetáculo. O convite foi interpretado pelos tibetanos como uma armadilha: era possível que os chineses quisessem, na verdade, raptar o Dalai Lama para o substituir por uma figura controlada por Pequim. Milhares de tibetanos juntaram-se no palácio do líder espiritual para o proteger. Seguiram-se fortes protestos, duramente reprimidos pelas forças chinesas. Estima-se que o número de mortes na sequência dos protestos esteja na ordem dos milhares.

Alguns dias depois, o Dalai Lama fugiu, disfarçando-se de soldado pelo meio da multidão e caminhando durante 15 dias pelos Himalaias até à fronteira com a Índia. Já em território indiano, recebeu asilo político e autorização, da parte do primeiro-ministro Jawaharlal Nehru, para estabelecer a sede do governo tibetano no exílio na cidade indiana de Dharamshala. É ali que, até hoje, o governo tibetano tem promovido a cultura, a língua e a religião tibetanas em liberdade.

"Em particular, recebi mensagens através de vários canais de tibetanos no Tibete a fazer o mesmo apelo. Na sequência de todos estes pedidos, afirmo que a instituição do Dalai Lama vai continuar."
Dalai Lama

Apesar de ser o líder espiritual dos tibetanos e de até defender uma solução política intermédia para a questão tibetana (um governo verdadeiramente autónomo dentro da soberania chinesa), o Dalai Lama é considerado pelo governo chinês como um separatista — razão pela qual não pode regressar ao Tibete. Pequim tem afirmado que pretende ter uma palavra a dizer na escolha do sucessor do atual Dalai Lama (de resto, como pretende ter uma palavra a dizer na escolha dos bispos católicos, por exemplo), mas Tenzin Gyatso tem sido claro ao reiterar que nenhuma entidade externa, muito menos o governo comunista de Pequim, poderá interferir no processo de reconhecimento da sua reencarnação.

O que disse o atual Dalai Lama sobre a sua sucessão?

Desde que o Dalai Lama deixou de ser o líder político do Tibete, para assumir apenas a liderança espiritual do Budismo Tibetano, tem havido uma discussão sobre se faz sentido que a própria instituição do Dalai Lama continue a existir no futuro — ou se bastaria a existência dos altos lamas que lideram as diferentes escolas e tradições do Budismo Tibetano.

“Já em 1969, deixei claro que as pessoas interessadas deveriam decidir se as reencarnações do Dalai Lama deveriam continuar no futuro”, escreveu Gyatso em 2011. “Contudo, na ausência de linhas orientadoras claras, caso o público expresse um forte desejo de que os Dalai Lamas continuem, há um óbvio risco de interesses políticos dissimulados usem o sistema de reencarnação para seguir a sua própria agenda política.”

Por isso, nessa declaração, o Dalai Lama deixou um conjunto de orientações concretas para o processo de identificação da próxima reencarnação.

Já nessa ocasião, Gyatso prometeu que, quando tivesse cerca de 90 anos de idade, iria consultar “os altos lamas das tradições do Budismo Tibetano, o público tibetano e outras pessoas interessadas que seguem o Budismo Tibetano”, no sentido de “reavaliar se a instituição do Dalai Lama deve continuar e se há necessidade de ser reconhecido um 15.º Dalai Lama”.

De facto, ao longo dos últimos anos, este tem sido um tema central dentro do Budismo Tibetano. O Dalai Lama disse, a certa altura, que poderia ser sucedido por uma rapariga ou que poderia nem sequer ter um sucessor. Gyatso disse também, por várias vezes, que o próximo Dalai Lama poderia — e deveria — ser uma pessoa nascida fora do território chinês, o que não foi bem recebido em Pequim.

Esta quarta-feira, o Dalai Lama confirmou que o processo de reencarnação vai mesmo continuar. “Apesar de não ter tido discussões públicas sobre este assunto, ao longo dos últimos 14 anos, líderes das tradições espirituais do Tibete, membros do parlamento tibetano no exílio, participantes numa assembleia geral especial, membros da administração central do Tibete, ONGs, budistas da região dos Himalaias, da Mongólia, das repúblicas budistas da Federação Russa e budistas na Ásia, incluindo na China continental, escreveram-me com razões, pedindo sinceramente que a instituição do Dalai Lama continuasse”, disse Gyatso na sua mensagem.

“Em particular, recebi mensagens através de vários canais de tibetanos no Tibete a fazer o mesmo apelo. Na sequência de todos estes pedidos, afirmo que a instituição do Dalai Lama vai continuar”, acrescentou, sublinhando que o processo que deve ser seguido para reconhecer a próxima encarnação do Dalai Lama está já determinado na sua declaração de 2011 — um texto bastante crítico das tentativas de influência de Pequim sobre o processo.

Como vai ser escolhido o próximo Dalai Lama?

Para perceber este complexo processo, que não foi exatamente igual ao longo dos últimos séculos, é preciso recorrer precisamente ao texto do Dalai Lama de setembro de 2011. Como, na prática, os budistas acreditam no conceito de vidas passadas e futuras — e, portanto, no conceito da reencarnação —, o que está em causa não é tanto a escolha de um sucessor, mas sim a identificação ou reconhecimento da criança recém-nascida na qual, após a morte física do Dalai Lama, se acredita que o seu espírito reencarnou.

Há aqui vários conceitos em causa. Como explica o próprio Dalai Lama, é preciso aceitar, em primeiro lugar, a própria ideia de reencarnação. Segundo a tradição budista, há duas formas de reencarnação. A primeira, que ocorre com a generalidade das pessoas, é a reencarnação sob influência do karma e das emoções destrutivas; a segunda é a reencarnação através do poder da compaixão e da oração. A primeira pode ser interpretada como a reencarnação involuntária, impulsionada pelas marcas deixadas pela vida anterior em cada espírito.

“É assim que os seres comuns circulam incessantemente pela existência, como o girar de uma roda”, descreve o Dalai Lama.

A segunda forma de reencarnação é aquela que está ao alcance daqueles que já atingiram o caminho do esclarecimento, aos espíritos superiores, que reencarnam exclusivamente para o benefício dos outros. Neste caso, a reencarnação é voluntária: a pessoa pode escolher reencarnar ou não, pode escolher o lugar e o momento da reencarnação e até pode escolher os seus futuros pais na nova vida. Para estas pessoas é usado o termo “tulku” — normalmente, um lama, um monge ou mestre espiritual, que através da oração conseguiu reencarnar de forma consciente e voluntária, mantendo a consciência da sua reencarnação e da sua vida anterior.

Entre os principais lamas do Budismo Tibetano há vários tulkus — longas linhagens com múltiplas gerações de reencarnações. A linhagem dos Dalai Lamas, iniciada com Gedun Drub no século XV, é a mais famosa linhagem de tulkus.

A questão mais complexa, claro, é: afinal, como se identifica uma reencarnação? Como é que os líderes budistas reconhecem numa criança a reencarnação de um lama que morreu?

Segundo o Dalai Lama, os sistemas para reconhecer uma reencarnação são ainda mais antigos do que o próprio Budismo. Uma pista pode ser encontrada no caso do primeiro Dalai Lama: “O omnisciente Gedun Drub, que era um discípulo direto de Je Tsongkhapa, fundou o mosteiro de Tashi Lhunpo em Tsang e cuidou dos seus estudantes. Morreu em 1474 aos 84 anos. Embora inicialmente não tenham sido feitos esforços para identificar a sua reencarnação, as pessoas foram forçadas a reconhecer uma criança chamada Sangye Chophel, que tinha nascido em Tanak, Tsang (1476), por causa do que ele tinha a dizer acerca das suas recordações extraordinárias e perfeitas da sua vida passada.”

Ao longo do tempo, a tradição budista foi sistematizando as formas de reconhecer uma reencarnação e criando procedimentos para esse período de transição. Um dos procedimentos mais importantes envolvem a “carta preditiva do antecessor e outras instruções e indicações”, isto é, tudo aquilo que o próprio antecessor tenha dito sobre o modo, o tempo e o lugar em que poderá vir a reencarnar.

Em segundo lugar, é tido em conta “a credibilidade da reencarnação ao recordar a sua vida passada e ao falar sobre ela”. Por exemplo, é considerada a capacidade da criança de “identificar posses que tenham pertencido ao antecessor e reconhecer pessoas que tenham sido próximas dele”. Adicionalmente, são considerados outros métodos, que incluem a escuta de profecias por parte de mestres espirituais, visões manifestadas nos lagos sagrados, entre outras, para validar uma decisão final. São estes os critérios que devem ser aplicados para analisar os casos de crianças que possam chamar a atenção dos líderes tibetanos neste sentido.

No século XVIII, porém, foi introduzido um novo método: o da urna dourada. Na verdade, como explica o Dalai Lama, isto deveu-se ao facto de os tibetanos terem pedido ajuda militar aos manchus durante a guerra contra os gurkhas, no final do século XVIII. Na sequência desse conflito militar, os manchus sugeriram aos tibetanos o recurso ao método da urna dourada, considerado mais eficiente para escolher o sucessor do Dalai Lama — já que envolvia retirar nomes de dentro de uma urna com várias possibilidades.

Este procedimento foi usado em alguns casos, incluindo na escolha do 10.º, do 11.º e do 12.º Dalai Lamas (embora, tanto no 10.º como no 12.º, o Dalai Lama já tivesse sido escolhido antes e o método tenha sido usado para agradar aos manchus). “Este sistema foi imposto pelos manchus, mas os tibetanos não confiavam nele, porque não tinha qualquer qualidade espiritual”, explica o Dalai Lama. A relação de dependência em relação aos manchus já tinha terminado no início do século XX, pelo que o método foi definitivamente abandonado e já não foi tido em conta no reconhecimento do atual Dalai Lama.

Para o reconhecimento da próxima encarnação do Dalai Lama, o atual líder tibetano deixou uma nota concreta. “A reencarnação é um fenómeno que deve acontecer ou pela escolha voluntária da pessoa envolvida ou, pelo menos, pela força do seu karma, mérito e orações”, escreveu o Dalai Lama. “Por isso, a pessoa que reencarna é a única a ter a legítima autoridade sobre onde e como renasce, e sobre como essa reencarnação será reconhecida. É uma realidade que ninguém pode forçar a pessoa envolvida, ou manipulá-la.”

“É particularmente inapropriado para os comunistas chineses, que explicitamente rejeitam a mera ideia de vidas passadas e futuras, quanto mais o conceito de tulkus reencarnados, intrometerem-se no sistema de reencarnação, sobretudo nas reencarnações dos Dalai Lamas e dos Panchen Lamas”, sublinha ainda o líder tibetano, afirmando que essa interferência não só “contradiz a ideologia política deles” como “revela a sua dualidade de critérios”. Se tal acontecer, avisa o Dalai Lama, os tibetanos não reconhecerão um líder escolhido por Pequim.

"É necessário ter em conta que, além da reencarnação reconhecida através desses métodos legítimos, nenhum reconhecimento ou aceitação deverá ser dada a um candidato escolhido por motivos políticos por ninguém, incluindo pela República Popular da China."
Dalai Lama

O reconhecimento do futuro Dalai Lama será da responsabilidade dos responsáveis da Fundação Gaden Phodrang, criada pelo atual Dalai Lama em 2015 com o objetivo de executar projetos sociais e que, de certa forma, atua como continuadora do antigo sistema de governo liderado pelo Dalai Lama. Segundo o próprio Tenzin Gyatso, estes responsáveis devem consultar os líderes das várias escolas e tradições budistas e todos os altos lamas envolvidos na conservação da tradição budista “levar a cabo os procedimentos de procura e reconhecimento de acordo com a antiga tradição”.

“É necessário ter em conta que, além da reencarnação reconhecida através desses métodos legítimos, nenhum reconhecimento ou aceitação deverá ser dada a um candidato escolhido por motivos políticos por ninguém, incluindo pela República Popular da China”, termina o Dalai Lama.

Como vai Pequim reagir a um Dalai Lama nascido fora da China?

A escolha do próximo Dalai Lama será, por razões óbvias, um processo tenso na região: o atual Dalai Lama é visto por Pequim como um separatista e como o líder de um povo que aspira a uma autonomia que o regime chinês não está disposto a dar ao Tibete; e vive exilado na Índia, um país que apoia moderadamente a causa tibetana, mas que não arrisca um apoio mais incisivo para não colocar em causa as relações diplomáticas com a China.

Por um lado, Pequim quer influenciar o processo de designação do próximo Dalai Lama, de modo a ter uma figura controlada pelo regime chinês como líder espiritual do povo tibetano; por outro lado, a liderança do Budismo Tibetano quer assegurar que o próximo Dalai Lama continua a ser a figura cimeira das aspirações tibetanas, da sua identidade, cultura e religião. E, no meio de tudo isto, todo o processo será feito no exílio — com o atual Dalai Lama a apontar para que o seu sucessor seja uma pessoa nascida fora do território chinês.

Esta quarta-feira, na Índia, o chefe do governo tibetano no exílio, Penpa Tsering, assinalou numa conferência de imprensa que os tibetanos em todo o mundo fizeram um “pedido sincero” para que a posição do Dalai Lama continue a existir e a servir como líder espiritual do povo. “Em resposta a esta enorme súplica, Sua Santidade manifestou uma compaixão infinita e aceitou, finalmente, este nosso apelo na ocasião especial do seu 90.º aniversário”, explicou Tsering.

O líder governamental tibetano acusou, por outro lado, o regime chinês de tentar politizar a reencarnação do Dalai Lama. “Condenamos fortemente o uso, pela República Popular da China, do assunto da reencarnação para os seus ganhos políticos. Nunca o vamos aceitar”, disse Tsering, que explicou apenas que a reencarnação do Dalai Lama será identificada e reconhecida “de acordo com a tradição budista tibetana”.

Já o governo chinês, através de uma curta declaração do porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros, rejeitou liminarmente a declaração do Dalai Lama, afirmando que o próximo Dalai Lama tem de ser escolhido de uma forma consentânea com a lei chinesa e com os “rituais religiosos e as convenções históricas”. Na prática, disse o porta-voz, o próximo Dalai Lama só pode ser escolhido pelo método da urna dourada, uma “forma única” do Budismo Tibetano que está alinhada com “liberdade de crença religiosa” da China.

De forma ainda mais contundente, vários meios de comunicação social chineses acusaram o Dalai Lama de querer “manipular o processo de reencarnação para os seus próprios propósitos”.

À BBC, vários especialistas disseram que o regime chinês deverá tentar nomear o seu próprio Dalai Lama e procurará impô-lo ao mundo tibetano — o que poderá terminar com a coexistência de dois Dalai Lamas, um escolhido pelo governo chinês e outro pelos altos responsáveis do Budismo Tibetano. Contudo, avisa a deputada tibetana Youdon Aukatsang, esse Dalai Lama escolhido pela China “não será reconhecido, não só pelos tibetanos, mas o mundo não o vai reconhecer porque a China não tem legitimidade para encontrar o futuro Dalai Lama”.

“Estamos preocupados, mas sabemos que, independentemente da nossa preocupação, a China vai arranjar o seu próprio Dalai Lama. Vamos chamar-lhe o Dalai Lama reconhecido pela China. Não estou preocupada com a possibilidade de esse Dalai Lama ter qualquer credibilidade no mundo tibetano ou budista”, acrescentou Aukatsang à BBC.