Quando foram apresentadas as propostas de alterações à Lei de Estrangeiros na passada segunda-feira, em Conselho de Ministros, o ministro da Presidência, António Leitão Amaro, afirmou que o tema do reagrupamento familiar era “a mais difícil de todas as regulações”. Para o Governo, o canal para a imigração desempenha um papel que não é apenas importante para quem dele beneficia, mas “também acelera a integração dos próprios na comunidade nacional”. Ainda assim, defendem que este mecanismo “tem de seguir a lógica de moderação e regulação firme”, com “regras apertadas”, mas com “compromissos de humanismo e respeito de dignidade pela pessoa humana”.
O direito ao reagrupamento familiar, neste momento, está ao alcance de qualquer cidadão estrangeiro com autorização de residência válida, com alojamento e meios de subsistência. Segundo a lei, até três meses após ter sido apresentado o pedido junto da AIMA, o requerente fica a saber se os membros da sua família que se encontrem fora de Portugal se podem juntar em território nacional — ficando, ou não, habilitados a apresentar o pedido de visto de residência.
No entanto, admitido o cenário da entrada em vigor das novas diretrizes propostas pelo Governo, a lei que era vista como “demasiado alargada” por alguns passaria a ter um acesso mais limitado. Passaria a ser solicitada apenas por quem tivesse a sua situação regularizada há pelo menos dois anos, sendo abrangidos apenas filhos ou dependentes menores — excluindo cônjuges e outros membros do seio familiar — e com a condição de todos os envolvidos “cumprirem medidas de integração”, como a aprendizagem da língua portuguesa.
Este documento será discutido pelos partidos esta sexta-feira no Parlamento e o Observador explica o que muda com a proposta do Governo.
Quem pode pedir reagrupamento familiar?
De acordo com a lei atualmente em vigor, esta opção está disponível para “o cidadão com autorização de residência válida”, sem qualquer entrave, possibilitando a reunião com os “membros da família que se encontrem fora do território nacional, que com ele tenham vivido noutro país, que dele dependam ou que com ele coabitem, independentemente de os laços familiares serem anteriores ou posteriores à entrada do residente”.
Nos dias de hoje, o direito ao reagrupamento familiar é alargado aos “membros da família que tenham entrado legalmente em território nacional e que dependam ou coabitem com o titular de uma autorização de residência válida”, bem como refugiados, “sem prejuízo das disposições legais que reconheçam o estatuto de refugiados aos familiares”. Com a nova proposta do Governo, esta última condição mantém-se inalterada, mas restantes termos sofrem uma mudança considerável.
[A polícia é chamada a uma casa após uma queixa por ruído. Quando chegam, os agentes encontram uma festa de aniversário de arromba. Mas o aniversariante, José Valbom, desapareceu. “O Zé faz 25” é o primeiro podcast de ficção do Observador, co-produzido pela Coyote Vadio e com as vozes de Tiago Teotónio Pereira, Sara Matos, Madalena Almeida, Cristovão Campos, Vicente Wallenstein, Beatriz Godinho, José Raposo e Carla Maciel. Pode ouvir o 7.º episódio no site do Observador, na Apple Podcasts, no Spotify e no Youtube Music. E o primeiro episódio aqui, o segundo aqui, o terceiro aqui, o quarto aqui, o quinto aqui e o sexto aqui]

Na lei atual, o reagrupamento abrange cônjuges, filhos (maiores ou menores), ascendentes dependentes e irmãos menores. Na nova proposta, este grupo seria restringido, pasando a incluir apenas os filhos menores, obrigando qualquer outro familiar a passar pelo processo habitual de obtenção da residência em Portugal. Note-se que, para o caso dos refugiados, o Governo não apresentou qualquer alteração.
Se o projeto do Executivo avançar, o reagrupamento familiar passa a ser limitado apenas a quem tenha autorização de residência válida e que “resida, há pelo menos dois anos, legalmente em território nacional”, ao contrário do estipulado atualmente, que não prevê um período mínimo de residência em Portugal para o pedido ser aprovado. Sobre esta matéria, a presidente do Sindicato dos Técnicos de Migração, Manuela Niza, manifestou a sua preocupação, referindo que este “compasso de espera que está a ser dado vai atrasar a integração”.
“O reagrupamento familiar é uma base essencial para a integração. Ninguém se integra se não tiver a família por perto. Ninguém cria raízes se não tiver a família”, sublinha, mencionando que é a situação familiar acaba por “obrigar” os imigrantes a “estabelecer laços com o que acontece à sua volta”, por exemplo, através da integração dos filhos na escola — “há necessidade de contactar a escola, de conhecer pais, de conhecer outros miúdos”.
Manuela Niza revela ainda algumas preocupações relativas à limitação dos familiares que podem ser reagrupados. “Vão manter-se as regras que já existiam para estas situações, o que quer dizer que se vai contar com um período muito mais alargado de tempo e de idade para os filhos, permitindo-lhes acabar, por exemplo, os estudos universitários, ou vai-se restringir até aos 18 anos?”, questiona, sem deixar de mencionar que nestas idades, mesmo já não sendo menores, os jovens continuam a ser “muito dependentes” dos pais.
Quais são as condições necessárias para exercer o direito de reagrupamento familiar?
Enquanto a versão atual da lei define apenas “alojamento” e “meios de subsistência” como as condições necessárias para exercer o direito de reagrupamento familiar, a proposta do Governo de Luís Montenegro prevê um “robustecimento dos critérios”, como anunciou o ministro da Presidência, António Leitão Amaro, em Conselho de Ministros.
Mediante aprovação desta alteração, não basta o cidadão dispor de um alojamento, na sua definição geral, para lhe ser garantido o exercício deste direito. Será necessário viver num “alojamento, próprio ou arrendado, considerado normal para uma família comparável na mesma região e que satisfaça as normas gerais de segurança e salubridade”, lê-se no documento apresentado.
O mesmo se verifica para a definição de “meios de subsistência”, que agora passam a ser os “correspondentes a recursos estáveis e regulares que sejam suficientes para a sua própria subsistência e para a dos seus familiares, sem recorrer ao sistema de assistência social, e tendo em conta o número de familiares e a natureza e regularidade do rendimento”.
Desta forma, os critérios passam também a ser mais exigentes neste campo. De uma forma mais simplificada, os requerentes de reagrupamento familiar terão que garantir que têm um alojamento adequado e meios de subsistência suficientes, mas que não impliquem a necessidade de receber “prestações de assistência social”. O “adequado” e o “suficiente” abordado pelo Governo, segundo o documento, será definido “por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das migrações e da solidariedade e segurança social”.
[A polícia é chamada a uma casa após uma queixa por ruído. Quando chegam, os agentes encontram uma festa de aniversário de arromba. Mas o aniversariante, José Valbom, desapareceu. “O Zé faz 25” é o primeiro podcast de ficção do Observador, co-produzido pela Coyote Vadio e com as vozes de Tiago Teotónio Pereira, Sara Matos, Madalena Almeida, Cristovão Campos, Vicente Wallenstein, Beatriz Godinho, José Raposo e Carla Maciel. Pode ouvir o 7.º episódio no site do Observador, na Apple Podcasts, no Spotify e no Youtube Music. E o primeiro episódio aqui, o segundo aqui, o terceiro aqui, o quarto aqui, o quinto aqui e o sexto aqui]

Adicionalmente, é acrescentado um novo ponto no artigo referente a estas condições. Para além de ser obrigatório dispor das condições elencadas, o requerente e os respetivos familiares que visam ser reagrupados devem “cumprir medidas de integração”, nomeadamente, a “aprendizagem da língua portuguesa e dos princípios e valores constitucionais portugueses” para qualquer um dos envolvidos, mas também a “frequência do ensino obrigatório no caso de menores”.
Segundo Leitão Amaro, deve ser feita uma avaliação, tanto “para quem está e para quem venha”, que implique a exigência de execução destas medidas de reintegração. Contudo, no projeto-lei apresentado, é omisso se a aprendizagem da língua, por exemplo, será avaliada à chegada ao país ou ao fim de um determinado período de permanência em Portugal.
Os critérios de alojamento e meios de subsistência não são aplicáveis ao reagrupamento familiar de refugiados, segundo ambos os diplomas, mas a nova proposta é omissa relativamente às medidas de integração para este grupo.
De que forma é que a AIMA faz a apreciação do pedido?
Durante o período de deliberação do pedido, segundo a legislação atualmente em vigor, a AIMA pode, se necessário, “proceder a entrevistas com o requerente do reagrupamento e os seus familiares e conduzir outras averiguações que considere necessárias”.
Apesar de este termo não ser alterado na proposta do Governo, passa a ser reforçado que o agendamento das entrevistas e a apreciação dos pedidos deve ser organizada de modo a “assegurar o cumprimento das exigências previstas na presente lei e atendendo à sua capacidade administrativa, podendo divulgar publicamente essa organização e método de calendarização, para promover a previsibilidade para os requerentes”.
Quais são os prazos de resposta que a AIMA tem de cumprir?
Dos três meses que estão agora em vigor, o Governo vai alargar o prazo de resposta por escrito da decisão ao requerente para nove meses. Assim, a deliberação do pedido deve passar a ser feita no prazo de nove meses, com a possibilidade de ser prorrogado em “circunstâncias excecionais associadas à complexidade da análise do pedido”, tal como consta na lei atual.
Como nota Manuela Niza, do Sindicato dos Técnicos de Migração, “os prazos que eram dados — os 90 dias — nunca foram cumpridos” e, mesmo assim, acredita que os nove meses agora propostos pelo Executivo são “excessivos”. “É muito tempo para quem está à espera. É muito tempo de ansiedade”, sublinha ainda, referindo que “não se está a pensar nas pessoas”.
Atualmente, caso a decisão não seja comunicada no prazo de seis meses, a AIMA concede um “deferimento tácito do pedido”, ou seja, o pedido de reagrupamento familiar é aprovado “automaticamente” caso o requerente esteja sem resposta ao fim deste período de tempo — que não tenha sido prorrogado de acordo com os termos previamente mencionados. Contudo, na nova proposta do Governo, estas alíneas do artigo 105.º foram revogadas, deixando de existir esta modalidade.
Em que casos é que o pedido pode ser indeferido?
Para justificar a decisão sobre o pedido de reagrupamento familiar — neste caso, um parecer negativo —, existem diversos fatores na lei atual. “Quando não estejam reunidas as condições” é o primeiro fundamento apresentado, que representa o incumprimento dos critérios mencionados nos artigos anteriores. Existe também menção dos casos em que o membro da família esteja “interdito de entrar e permanecer em território nacional ou indicado no SIS [Sistema de Informação de Schengen] para efeitos de regresso ou de recusa de entrada e permanência”.
O pedido também pode ser indeferido quando “a presença do membro da família constitua uma ameaça à ordem pública, à segurança pública ou à saúde pública”. Sobre esta alínea em particular, a legislação refere que as decisões relativas ao pedido “devem ser tomadas [tendo] em consideração a gravidade ou tipo de ofensa, ou os perigos que possam advir da permanência dessa pessoa” em Portugal.
Porém, na nova proposta que será debatida esta sexta-feira, o Governo acrescenta que, relativamente aos motivos que dizem respeito a questões de ordem ou segurança pública, a decisão deve, também, ter em conta a “gravidade da evolução da situação de ordem ou segurança pública em parte ou na totalidade do território nacional”, para além dos já presentes na lei. Sobre a questão da saúde pública, acrescenta-se que a decisão deve ter em consideração “doenças definidas nos instrumentos aplicáveis da Organização Mundial de Saúde ou outras doenças infeciosas ou parasitárias contagiosas objeto de medidas de proteção em território nacional, assim como o acesso e capacidade de resposta dos serviços de saúde”.
Os casos “dramáticos” e as questões que falta esclarecer?
“Há um caso de uma pessoa que, efetivamente, conseguiu agora o seu cartão de residência, estando, agora, regularizada. Quando veio para Portugal, trouxe a mãe, de 75 anos, porque veio naquela intenção de ‘assim que eu me regularizar — pois a minha mãe, que depende totalmente de mim, já não está em idade de estar no mercado de trabalho — posso reagrupá-la’. Portanto, a senhora trouxe a mãe na altura, porque as regras eram essas”, exemplifica Manuela Niza.
Com a incerteza associada a certos pontos da nova legislação proposta pelo Governo relativamente ao reagrupamento familiar, a “senhora está com imenso medo de a mãe sair à rua, por temer que seja deportada para um país onde não tem mais ninguém”. Este caso é um de muitos, segundo a dirigente sindical, que “estão a acontecer porque não há uma clarificação da situação”.
As preocupações de Manuela Niza são as mesmas para os jovens estudantes abrangidos por este canal para a imigração, os menores. “Muitos deles vieram quando eram menores. Se não estenderem esta situação, como é que é? Vão voltar para onde? Para um país onde não têm ninguém? Vamos separar famílias?”, questiona a presidente do Sindicato dos Técnicos de Migração, admitindo que, se este cenário se verificar, “para além de não resolver o problema da integração, vai quebrar a situação que já existe”, apelando a esclarecimentos adicionais do Governo.
“Pode acontecer que o Governo agora diga assim: ‘Não. A lei que se aplica à situação dos familiares que já se encontram em território nacional era a lei cujos pressupostos foram metidos em linha de conta quando estes senhores vieram para cá.’ Não há retroatividade da aplicação da lei”, equaciona Manuela Niza. A dirigente sindical diz que vai aguardar pela discussão no Parlamento, esta sexta-feira, para obter esclarecimentos adicionais sobre estes casos “pouco claros”.