É fim de tarde mas o calor que se sente ainda chega aos 35 graus. O que alivia é a brisa leve que se sente, e que fez soprar também as plumas e as franjas das peças que aos poucos apresentam-se diante da paisagem de tirar o fôlego do Douro. Esta terça-feira, 1 de julho, os corredores das vinhas da Quinta do Bomfim transformaram-se em passarelle para a coleção outono/inverno 2025 de Marques’Almeida. Figuras clássicas dos bastidores, como Isabel Branco, Luís Pereira e Vera Deus, prepararam o espaço, um casarão com vista para o rio. O desfile off location ainda atraiu caras conhecidas, como a it girl Raquel Strada, que se sentou na fila da frente. Aqui assistimos à primeira coleção inédita do Portugal Fashion, numa edição que marca os 30 anos do evento e o regresso dos desfiles depois de quase dois anos de hiato.
A dupla/casal Marques’Almeida trouxe as já conhecidas silhuetas com plissados e tecidos estruturados, as saias com volume, os brocados com flores, as franjas e as peças em ganga desbotada e desfiada. Uma combinação da elegância com o grunge, de acordo com Marta Marques. “É a coleção que está a sair agora para as lojas”, explica a designer. “É ligeiramente mais madura, mais elegante. Está a acontecer-nos relutantemente enquanto designers e marca, estamos a tentar abraçar, e está a fazer sentido com o que o mercado está a procurar neste momento. Mas há sempre um pouco de grunge e rebeldia, que faz parte da nossa essência”.
Uma mudança que tem a ver com o mercado internacional. “Devo dizer que dos 15 anos que estamos no negócio os últimos quatro têm sido os mais difíceis. O paradigma muda muito em termos do que o consumidor quer, a instabilidade do mundo em geral: económica, financeira e social, está a transformar o mercado, que está muito mais conservador e receoso. Portanto nós temos perdido alguns mercados mas encontrado alguns novos. Por exemplo os Estados Unidos, que era um mercado que não dominávamos; estávamos muito mais na Ásia e na Europa”, revela a designer, que tem recebido muitas encomendas do centro dos EUA. “Estamos a vender muito as linhas de festa e noite, o que não era natural para nós. O que é interessante é continuar a vender a mesma quantidade de boyfriend jeans e de silk taffeta dresses. A marca continua com esta dualidade e com estes dois mercados: incorporar a procura norte-americana e o Médio Oriente, com esta vertente mais elegante e madura, e manter o ADN da Marques’Almeida, que é mais casual“.




Entretanto, o casal garante que a produção sempre foi e continuará a ser feita em Portugal. “Há aqui fatores aliciantes do extremo leste que vão aparecendo, mas nunca nos compensou em termos de qualidade, e sobretudo nós gostamos de trabalhar localmente”, explica a designer. “A nossa produção sempre foi toda feita em Portugal, nas fábricas têxteis do norte de Portugal, que é de onde somos.”
Marta Marques garante que trabalhar com o Portugal Fashion “tem sido uma das coisas mais recompensadoras de voltar a apresentar em Portugal, porque eles têm uma abertura de questionar a maneira tradicional de fazer desfiles e fashion weeks e identificámo-nos com isso”, afirmando que um desfile serve “não só para mostrar uma coleção, mas para trazer uma experiência, contar um bocadinho sobre o contexto da marca”. Numa próxima edição em julho, a intenção é voltar a apresentar uma coleção outono inverno — uma das quatro que a marca tem criado anualmente. “Em breve estaremos com o Portugal Fashion em Londres a apresentar a próxima coleção, de primavera/verão 2026”.
Portugal Fashion experience
Marques’Almeida foi o único desfile do primeiro dia do evento, que arrancou mais cedo, pela manhã, à bordo de um típico barco rabelo. É a estreia do que já se adivinha ter mais de experiência de lifestyle do que se esperaria — o primeiro vislumbre de moda surgiu com a distribuição dos chapéus de palha (o primeiro dos dois que receberíamos no dia), um acessório mais funcional do que fashion, mas que traduz a nova abordagem do evento, que não quer ser “só” uma semana da moda ao norte.


Os jornalistas nacionais e internacionais, acompanhados de membros da organização, da câmara municipal de Alijó, e representantes das parcerias com o CANEX (que traz designers de vários países de África) e da mais recente com a Arábia Saudita, foram recebidos na Quinta do Bomfim para uma merenda na vinha. Com o segundo chapéu de palha na cabeça, seguimos para a sala de provas de vinho do Porto, ainda sem sinal de novidades quando o assunto é coleções de moda. Já passava das 15h45 quando começou a primeira talk sobre “o novo luxo”, com Ana Roncha, Lulu Shabell e Tiago Castro, que antecipou as apresentações das três marcas esperadas para o dia de abertura.
Maria Gambina numa cave de vinho do Porto
A viagem pela quinta continuou durante a tarde pela cave onde é armazenado o vinho do Porto, um espaço onde foram servidos cocktails Porto Tónico ao som de música lounge, enquanto nas paredes foram projetadas imagens da sessão fotográfica de Maria Gambina — fotografias feitas durante a manhã no meio das vinhas, com peças da coleção de verão 2025, que estão atualmente em loja. “Eu não quero apresentar uma coleção de inverno porque eu já não faço coleções com tanta antecedência”, justifica a designer. “Quando me convidaram e me puseram à vontade para apresentar o que fazia mais sentido, embora eu tivesse coleção para fazer um desfile, acho que faz mais sentido apresentar imagens para poder continuar a divulgar no Instagram e nas minhas redes“.


As imagens das modelos debaixo do sol no meio das vinhas, nas peças com padrões coloridos tradicionais da designer do Porto, foram projetadas em espaços brancos por entre os barris de vinho. O escuro, as luzes coloridas, a música e os cocktails, deram um ambiente de discoteca à apresentação, e convidaram ao convívio. “Como a própria coleção é inspirada no campo e tem referências à natureza, achei que neste espaço ia ficar bonito, o verde… E estamos a viver num mundo tão dark”, diz Maria Gambina.
Desde outubro de 2023 que a semana da moda não acontece, por questões relacionadas com o financiamento — o certame realizava-se graças aos fundos comunitários do Portugal 2020, que se extinguiram em outubro de 2022. Este ano, o formato volta com o financiamento do Portugal 2030, em modelo anual, e com uma proposta que inclui a indústria têxtil e experiências de lifestyle. Sobre a nova abordagem, a designer reforça que está feliz pelo regresso, mas tem dúvidas sobre o calendário em julho. “Preferia ter apresentado a coleção mais cedo. Se isto tivesse acontecido em março, daria mais tempo para apresentar a coleção”, explica, destacando a importância do evento para os criadores de moda. “O Portugal Fashion deve existir para ajudar os designer a promover o seu trabalho da forma que eles melhor entenderem”, diz. “É um investimento muito grande e as coisas não estão fáceis. A economia não está uma maravilha, as pessoas têm dificuldade para pagar a renda, para comprar roupa de design mais ainda.”

Aliás, Maria Gambina assume que se afastou da marca por cinco anos em 2013 por, na altura, estar muito cansada. “Não quero que isto volte a acontecer. Tenho que cada vez lutar mais no sentido que a marca chegue ao público e que venda.” Durante o período em que não houve desfiles do Potugal Fashion, a designer continuou com a marca, mas garante que “o investimento é muito diferente”. “Às vezes o ter que pagar retrai um bocadinho o fazer, porque não fica mais barato.” Nos últimos meses, Maria Gambina confessa que vive das vendas da loja e de projetos como a produção de fardamentos — a designer ganhou recentemente o concurso para os uniformes do MUDE. “Foi um concurso da câmara de Lisboa que era anónimo. Estou a fazer os protótipos para o concurso público da produção”, explica, revelando ainda que fez fardas para um colégio em Macau e para a Cuf. “Gosto muito desta área das fardas. Porque acho que o fardamento continua a ser uma coisa muito pesada e como tenho um ar mais lúdico, divertido, a minha marca é mais colorida, funciona muito bem. Tenho tido estes trabalhos que gosto muito de fazer.”
Porém, depois de mais de 30 anos a criar moda, Maria Gambina diz que só há um ano convenceu-se a não mais trabalhar aos fins de semana e confessa a vontade de abrandar. “Estou numa altura da minha carreira em que tenho muito bem noção daquilo que eu quero e para onde quero ir, mas sinto-me mais perto de acalmar”, diz a designer. “Acalmar para mim é não ter esta pressão de ter que vender, porque tenho que pagar as minhas contas. Se calhar é mesmo ir viver para o campo. Os meus pais têm uma casa em Cerveira que eu adoro, onde se calhar poderia fazer workshops para crianças, poderia na mesma criar, mas peças ainda mais especiais”. Mas isso significa reformar-se? “Não sei, estou sempre a mudar. Já são muitos anos, não quer dizer que eu não goste, muito pelo contrário, entro todos os dias na loja feliz e sou muito agradecida, mas é muita dedicação para uma pessoa só”.
Maria Carlos Baptista e Carminho a cantar fado
Depois da apresentação da coleção de Marques’Almeida (o único desfile do dia), a programação terminou com uma conversa entre amigas. A jovem designer Maria Carlos Baptista, que venceu o concurso Bloom em 2020, colabora há anos com a fadista Carminho, criando os vestidos que a artista usa em palco. A cumplicidade é evidente: trocam olhares, elogios, riem-se das piadas umas das outras, e garantem que nesta relação profissional há muita troca. “Visto Maria porque acredito nela e na nossa conexão, porque me sinto poderosa e consigo expressar-me. Mas é claro que amo dizer que ela é portuguesa”, diz a fadista, que assume que não usa muitos designers e é restrita, por ter um estilo próprio e preferir a discrição.


O sentimento é recíproco. “Primeiro achava que estava a trabalhar para uma musa. Mas agora sinto que tudo desenvolveu, foi mais profundamente. Crio para a Carminho mas trocamos ideias. Sinto-me no palco quando ela usa minhas peças”, diz a designer. Depois da talk, houve tempo para dois fados. E na tradicional semana da moda do Porto, o Portugal Fashion termina o seu primeiro dia do regresso a provar que volta repaginado, com Carminho a cantar a marcha de Alcântara de 1969 à beira do Douro.
O Observador está instalado no Porto à convite do Portugal Fashion.