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(A) :: Negociações para cessar-fogo entre Israel e Hamas arrastam-se. Pode o "plano alargado" de Trump para o Médio Oriente conseguir a paz?

Negociações para cessar-fogo entre Israel e Hamas arrastam-se. Pode o "plano alargado" de Trump para o Médio Oriente conseguir a paz?

Israel aposta na "proposta Witkoff", o Hamas quer a libertação de todos os reféns de uma só vez. Encontro entre Trump e Netanyahu pode quebrar impasse, mas ainda não há planos a longo prazo para Gaza.

Madalena Moreira
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Passaram pouco mais de cinco meses desde que Israel e Hamas acordaram um cessar-fogo em Gaza e pouco mais de três desde que esse acordo caiu por terra. Agora, um cessar-fogo parece estar mais próximo novamente. Quem o garantiu não foi nem Netanyahu, nem nenhum líder do grupo terrorista, mas sim Donald Trump, em declarações aos jornalistas na passada sexta-feira. “Acho que está próximo. Falei com algumas pessoas envolvidas. Pensamos que na próxima semana, vamos alcançar um cessar-fogo“, afirmou, sem revelar quem eram as “pessoas” com quem tinha dialogado.

As movimentações diplomáticas confirmaram-se esta terça-feira, depois de Benjamin Netanyahu ter confirmado que vai mesmo a Washington na próxima semana. O primeiro-ministro israelita apresentou planos para para se reunir com o Presidente Trump, o vice-presidente JD Vance, os secretários de Estado e da Defesa e com o enviado norte-americano para o Médio Oriente, Steve Witkoff, para uma série de “reuniões de segurança”, sem adiantar mais detalhes. Horas depois, Trump acertava a cronologia inicial e apresentava alguns pontos do plano. “Esperamos que [um cessar-fogo] aconteça e estamos em crer que aconteça algures na próxima semana. Vamos falar sobre o grande sucesso que tivemos no Irão. Também vamos falar sobre Gaza“, relatou.

O desejo de ambos os líderes para um encontro já tinha sido avançado na semana passada pelo Axios. Mas as motivações de cada um para esse encontro parecem ser diferentes. “Há um interesse mútuo de fazer uma festa da vitória depois da guerra com o Irão“, adiantou um oficial israelita, que confirmou a vontade de Netanyahu se encontrar com Trump para assinalar o apoio norte-americano à ofensiva israelita contra as instalações nucleares iranianas que desencadeou o cessar-fogo que parece ter posto fim à “Guerra dos 12 Dias”. No entanto, do lado de Washington, parecia haver mais motivações para este encontro: “Trump quer um cessar-fogo e um acordo para os reféns em Gaza, o mais rapidamente possível”, declarou outra fonte da publicação norte-americana.

Dias antes de ter regressado à Casa Branca, a equipa de Trump colaborou com a administração cessante de Joe Biden para alcançar o cessar-fogo de janeiro, que acabou por durar quase dois meses. Agora, o foco do Presidente norte-americano volta a este tema, mas com uma ressalva: o acordo na Faixa de Gaza faz parte de um plano mais alargado que tem para a região, avançava o Axios. Este domingo, Trump confirmou, em entrevista à Fox News, que planeia estender os acordos de Abraão a outros Estados do Médio Oriente. Os acordos, assinados durante a sua primeira administração, normalizaram as relações de Israel com vários países da região.

As semelhanças entre a situação atual e a situação em janeiro não se esgotam nas motivações pessoais de Donald Trump. Tanto no Hamas, como em Telavive, as exigências para assinar um acordo não parecem ter-se alterado. Sem cedências, as negociações mantêm-se num impasse, apesar dos esforços dos mediadores egípcios e qataris em fazer avançar um acordo, relatados por fontes egípcias à Reuters. Apesar das diferenças aparentemente inconciliáveis, há um ponto em que israelitas e palestinianos concordam: a pressão do Presidente norte-americano para chegar a um acordo pode ser mais bem-sucedida onde o Cairo e Doha não foram.

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Com os olhos virados para o encontro entre Netanyahu e Trump na próxima segunda-feira, levanta-se a questão: até onde estão Israel e o Hamas dispostos a ceder nas suas exigências? Trump é a peça que falta para desbloquear um novo acordo de cessar-fogo?

Telavive apoia a “proposta Witkoff”, mas insiste na eliminação do Hamas

No final de maio, Steve Witkoff apresentou uma proposta para um cessar-fogo de 60 dias. O documento previa a libertação de 10 reféns israelitas e a devolução dos corpos de 18 reféns que morreram em Gaza. Em troca, Israel libertaria 1.236 palestinianos das prisões israelitas e os corpos de 180 pessoas que morreram em cativeiro. O acordo previa ainda que estas trocas acontecessem em duas vagas.

Além disso, Israel deveria suspender as operações militares e a vigilância aérea durante metade do dia (12 horas) e deveria retirar as tropas para locais específicos do enclave palestiniano, como a região norte do enclave e o corredor de Netzarim, que se estende do mar Mediterrâneo a Israel e divide o norte do sul da Faixa de Gaza. Esta trégua manter-se-ia em vigor enquanto os dois lados dialogassem.

Na altura, [Yahya] Sinwar e [Hassan] Nasrallah tinham sido mortos, o Hezbollah estava derrotado e o exército sírio estava destruído. Agora, os iranianos sofreram um duro golpe e Mohammed Sinwar e Saeed Izadi foram mortos.
Oficial sénior israelita sobre o acordo de janeiro e a situação em junho

Esta proposta, aprovada pelo governo israelita antes de ter sido tornada pública, revelava algumas semelhanças com o acordo assinado em janeiro, como as trocas de reféns por prisioneiros palestinianos e a manutenção do diálogo como condição para a sua aplicação e renovação. No entanto, o acordo também incluía uma presença militar israelita no enclave mais forte e tinha poucos detalhes concretos sobre os planos para a distribuição de ajuda humanitária em Gaza.

Mais de um mês depois, a “proposta Witkoff” continua a ter o selo de aprovação de Telavive, que a utiliza como base para um eventual acordo. No entanto, a principal exigência de Israel continua a ser o cumprimento de um dos seus “objetivos de guerra”: a eliminação do Hamas. Ora, ao fim de 20 meses de ofensiva israelita, a liderança do grupo palestiniano encontra-se praticamente dizimada, relata a Reuters, citando fontes israelitas, palestinianas próximas do Hamas e diplomatas. Neste sentido, a situação é muito semelhante à de janeiro, assinalou uma fonte israelita ao Haaretz.

“Na altura, [Yahya] Sinwar e [Hassan] Nasrallah tinham sido mortos, o Hezbollah estava derrotado e o exército sírio estava destruído. Agora, os iranianos sofreram um duro golpe e Mohammed Sinwar e Saeed Izadi foram mortos”, declarou ao jornal israelita, referindo-se ao irmão e sucessor de Sinwar na liderança do Hamas em Gaza e ao comandante da Guarda Revolucionária iraniana, que fazia a ligação entre o regime e o Hamas.

Tendo em conta a situação enfraquecida do grupo palestiniano, o objetivo parecia estar cumprido e Israel declarou que estava disposta a avançar com negociações. No entanto, acrescentou à “proposta Witkoff” uma alínea: os (poucos) líderes que restavam ao Hamas em Gaza deviam ser obrigados ao exílio.

No mesmo sentido, na passada sexta-feira, o chefe do Estado-Maior israelita, Eyal Zamir, declarou que as linhas definidas para a ofensiva relançada em março estariam completas “num futuro próximo”. Dois dias depois, o Exército israelita emitiu alertas de evacuação para o norte da Faixa de Gaza e estendeu a ofensiva na região, onde a situação humanitária já era ainda mais precária do que no resto do enclave.

Mas o foco da ofensiva israelita no norte de Gaza não anula a sua alegada disponibilidade para um cessar-fogo, uma vez que a “proposta Witkoff” prevê a permanência das tropas israelitas na região. No entanto, na mesma ocasião, Eyal Zamir declarou que “há potencial que o golpe causado no Irão faça avançar os objetivos em Gaza” e esta realidade parece ser mais difícil de alcançar. Em vez de suavizar a sua posição, como Telavive esperava, a guerra contra o Irão radicalizou a posição do Hamas, levando-os a defender um “tudo ou nada“.

A contraproposta do Hamas: todos os reféns de uma vez em troca de um cessar-fogo definitivo

O espírito do “tudo ou nada” reflete-se muito claramente na contraproposta que o Hamas apresentou à “proposta Witkoff”. “[Estamos] prontos para libertar todos os prisioneiros de uma só vez“, declarou um oficial sénior do Hamas, Sami Abu Zuhri, à Reuters. Por oposição, afirmou que a “rendição não é uma opção”. Em troca da libertação dos reféns — estima-se que ainda estejam 50 em Gaza e que mais de metade já tenha morrido —, o grupo palestiniano repete a exigência que colocou em cima da mesa em janeiro, sem sucesso: o fim definitivo e incondicional da ofensiva israelita.

A contraproposta palestiniana não desbloqueou as negociações e criou mesmo um novo jogo de culpas: Telavive acusou o Hamas de recusar a “proposta Witkoff” e não querer negociar, enquanto o Hamas devolveu as acusações na direção de Benjamin Netanyahu. Outro oficial do grupo palestiniano, Mahmoud Mardawi, recorreu ao seu canal de Telegram para declarar que o primeiro-ministro israelita está a colocar “condições impossíveis” às negociações. “Netanyahu está a mentir quando diz que não está envolvido na escolha dos nomes dos reféns [libertados num acordo]. Ele não quer um acordo”, escreveu, citado pelo Haaretz.

O fim incondicional dos ataques israelitas constitui, neste momento, o principal bloqueio ao avançar das negociações, declarou um oficial egípcio envolvido nos diálogos ao mesmo jornal israelita. Foi precisamente por esse motivo que o Hamas terá recusado a “proposta Witkoff”. A resposta palestiniana destacava a frase “o cessar-fogo continuará enquanto as negociações decorrerem de boa fé” e, particularmente a utilização da expressão “boa fé”, avançou à data o jornal saudita Asharq Al Awsat. No entendimento do Hamas, esta expressão permitia que Israel tornasse a quebrar o cessar-fogo de forma unilateral, tal como fez em março, o que consideraram inaceitável.

Mas a inflexibilidade neste ponto não quer dizer que o Hamas não mostre margem de manobra noutras áreas. O mesmo oficial egípcio avançou ao Haaretz que os palestinianos estavam disponíveis para aceitar a permanência de tropas israelitas em certas zonas da Faixa de Gaza enquanto se desenrolar a troca dos reféns — incluindo no corredor de Filadélfia. Esta faixa de terreno, na fronteira sul da Faixa de Gaza com o Egito, já causou o bloqueio do acordo no verão do ano passado. No entanto, o acordo assinado em janeiro contemplava a presença israelita na região. O oficial ouvido pelo Haaretz destaca, contudo, que este passo atrás é pouco relevante quando, desta vez, o impasse é causado por outros temas.

Uma vez mais, as negociações de cessar-fogo parecem ser o confronto entre uma força imparável e um objeto inamovível. Isso traduz-se ainda na recusa de ambas as partes em enviar uma delegação para o Cairo para uma nova ronda de negociações. Telavive aguarda para ver se a guerra com o Irão ainda causa um suavizar da posição do Hamas, avançou o Times of Israel. Já o Hamas recusa enviar uma delegação até o governo israelita o fazer, declarou uma fonte palestiniana à televisão Kan.

A relutância relativa a um encontro no Cairo não se estende a outros mediadores, nomeadamente aos Estados Unidos. Da parte de Israel, a disponibilidade transparece na deslocação a Washington na próxima semana, enquanto o Hamas se mostra na expetativa que Donald Trump possa empurrar Benjamin Netanyahu na direção de um acordo que ponha um definitivo à ofensiva israelita em Gaza. “Trump pode forçar [negociações] a Netanyahu, que está a lutar pela sobrevivência política sem um objetivo claro para continuar a guerra”, declarou um oficial palestiniano, Taher al-Nunu, em entrevista ao canal qatari Al-Araby.

Em declarações à Reuters, Sami Abu Zuhri foi mais longe e deixou um apelo direto ao Presidente norte-americano: “Apelamos à administração dos Estados Unidos que se redima dos seus pecados em Gaza ao declara um fim da guerra”.

A peça-chave (Donald Trump) e o ponto de interrogação (o futuro de Gaza)

Na Casa Branca, Donald Trump pode não estar preocupado com os “pecados” das administrações norte-americanas. No entanto, existem outras preocupações que pode resolver se puser um fim à ofensiva israelita em Gaza. A primeira é o cumprimento de uma promessa eleitoral: a de pôr fim às guerras. Trump regressou à presidência colhendo os louros do cessar-fogo que acabara de entrar em vigor. Porém, seis meses depois, o cessar-fogo caiu por terra e, com ele, os seus louros. Pôr um fim definitivo à guerra ajudá-lo-ia a recuperá-los.

Por outro lado, o cessar-fogo em Gaza fará parte do plano de Trump para o Médio Oriente — “uma ação mais alargada que visa pôr fim à guerra em Gaza, a libertação de todos os reféns, o fim do processo de Netanyahu e uma ação regional séria”, definiu uma fonte próxima do primeiro-ministro israelita à estação Kan. O “plano regional alargado”, revelado por outras fontes, foi confirmado por Donald Trump como uma expansão dos acordos de Abraão e uma normalização da posição israelita no Médio Oriente. O primeiro passo para alcançar esse objetivo foi a eliminação da “ameaça nuclear iraniana”, detalhou o Presidente. O próximo não foi confirmado, mas deverá ser o cessar-fogo em Gaza.

Trump tem as cartas na mão. Se ele exercer pressão suficiente, à luz das conquistas que ajudou o primeiro-ministro a obter nas últimas duas semanas, pode haver desenvolvimentos. É duvidoso que algo se vá mover sem o envolvimento direto do Presidente.
Amos Harel, jornalista e analista no Haaretz

No centro deste plano está Benjamin Netanyahu, com o qual Trump pretende colaborar para levar a cabo o seu plano — aqui entra a tentativa de anular o julgamento por corrupção em que o primeiro-ministro israelita está envolvido, tentativa que foi apoiada pelo Presidente norte-americano. “Ele está a negociar um acordo com o Hamas“, escreveu Trump, numa longa publicação na Truth Social. “DEIXEM O BIBI, ELE TEM UM ENORME TRABALHO PARA FAZER!”, rematou.

O “enorme trabalho” que Trump pretende de Netanyahu deverá ser discutido na reunião de segunda-feira, 7, e o Presidente prometeu ser “firme” no seu desejo de pôr fim à ofensiva na Faixa de Gaza. Amos Harel, jornalista e analista no Haaretz, argumenta que, depois de ter apoiado a ofensiva israelita no Irão e a luta legal de Netanyahu, “Trump tem as cartas na mão”. “Se ele exercer pressão suficiente, à luz das conquistas que ajudou o primeiro-ministro a obter nas últimas duas semanas, pode haver desenvolvimentos. É duvidoso que algo se vá mover sem o envolvimento direto do Presidente”, escreveu num artigo de análise. A colaboração com Donald Trump também é útil para a situação interna de Netanyahu que, no rescaldo da autoproclamada vitória contra o Irão, parece ter definido dois objetivos muito similares aos de Washington: um acordo em Gaza e uma normalização das relações com a Arábia Saudita.

Os dias até ao encontro entre os dois líderes serão uma “fase de espera”, define Mustafa Ibrahim, investigador palestiniano ouvido pelo Haaretz. “A questão depende em grande parte do quão comprometidos, especialmente Trump, estarão com um cessar-fogo”, elaborou, acrescentando que os residentes de Gaza estão “principalmente dependentes dos desejos de Trump”.

No entanto, a longo prazo, o futuro destes mesmos habitantes fica por responder. Em fevereiro, o chefe de Estado norte-americano apresentou o seu plano para uma “Riviera do Médio Oriente” que iria ocupar a Faixa de Gaza. O plano conta com o apoio de Telavive, mas a firme oposição dos restantes mediadores árabes que apresentaram soluções alternativas de governos de gestão para uma fase imediatamente a seguir ao cessar-fogo.

Em maio, de visita a um desses mediadores, o Qatar, Trump insistiu que as suas prioridades eram fazer de Gaza “uma zona de liberdade” e que os Estados Unidos podiam intervir no terreno “se for necessário”. Contudo, nas últimas semanas a pressão de Washington sobre Telavive para chegar a um acordo aumentou, mas a visão manteve-se a curto prazo, sem novos olhares para um futuro mais longínquo. Nas palavras da porta-voz da Casa Branca, logo a seguir às declarações de Trump na passada sexta-feira: “[Trump] quer salvar vidas“.