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Estado limpou balanço da CP mas ainda tem compensações a pagar. Operadora só conseguiu executar 21,3% do investimento previsto para 2024

O Estado limpou o balanço da CP, concluindo em 2024 o saneamento financeiro aprovado em 2023. Mas há ainda compensações a pagar e as contas estão por aprovar.

Alexandra Machado
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O último governo de António Costa deixou o saneamento financeiro da CP pronto a ser executado, mas a sua conclusão só aconteceu em 2024. Em outubro de 2023, o Governo determinou compensar a CP pelas obrigações de serviço público entre 2002 e 2019, através de um aumento de capital que converteu dívida ao Estado em capital, além de injeção de dinheiro. Parte deste último só aconteceu em 2024.

Assim, foi convertido 1.919,3 milhões de dívida (capital e juros) em capital e foi entregue mais 180,4 milhões em dinheiro (uma tranche de 54,1 milhões em 2023; uma outra de 56,5 milhões em março de 2024; mais 52,1 milhões em julho de 2024 e 17,7 milhões em dezembro de 2024). Todas essas injeções foram feitas para pagar empréstimos contraídos pela CP (obrigações, empréstimos Eurofima, e a última tranche serve para financiar os juros dos próximos anos).

Além destes financiamentos, a CP ainda viu o Estado utilizar uma reserva de saneamento para cobertura de resultados transitados negativos no valor de 91,3 milhões, além redução do capital para cobertura do restante valor de resultados transitados negativos, no valor de 5,8 mil milhões de euros. 

Ou seja, a limpeza que converteu uma empresa em falência técnica numa sociedade com capitais próprios positivos representou um custo total de quase oito mil milhões de euros.

CP recebeu 105 milhões por compensações do serviço público

Além deste custo do saneamento, a CP recebe agora anualmente compensações pelo serviço público, mas não só. Em 2024, conforme se pode ler no relatório e contas divulgado nos últimos dias, e noticiado pelo Público, os subsídios à exploração atingiram os 105,18 milhões de euros, menos 33,4% o que os 157,8 milhões de 2023 e menos 24,8 milhões do que o previsto. Para esta diminuição, a CP tem uma explicação:

“A diferença é justificada, essencialmente, pela contenção dos gastos operacionais e pelo atraso registado na execução de alguns dos investimentos para acréscimo dos níveis de serviço.

Ainda assim, a CP alerta que “os valores da compensação financeira e das penalidades apuradas e apresentados de seguida ainda serão objeto de apreciação pelo IMT (Instituto de Mobilidade e Transportes)”.

A CP diz ter solicitado ao IMT, enquanto Gestor do Contrato de Concessão, que “para 2024 se continuassem a considerar as metas definidas até 31 de dezembro 2023. Efetivamente, o CSP considerava a partir de 2024, inclusive, um maior grau de exigência, que pressuponha, no entanto, a concretização de um conjunto de pressupostos, tanto ao nível das infraestruturas, como de investimentos em material circulante, que, por motivos alheios à responsabilidade da CP, não ocorreram”.

As penalidades em 2024, segundo as contas da CP, e conforme noticiado pelo Público, atingem os 719,4 mil euros, devido ao facto de o índice de pontualidade por causas da CP ter sido inferior à meta. E mais 3.675,5 euros por falhar o objetivo ao nível das brigadas de fiscalização.

O índice de pontualidade ficou nos 67,2%, contra 73,9% do ano anterior, em que a empresa tinha assumido ter tido muitas greves. Agora a empresa indica que tem atrasos decorrentes do tempo de paragem que excede a meta, na entrada e saída de passageiros.

Na regularidade, o índice, em 2024, situou-se nos 97,3%, 5,4 pontos acima do registado em 2023, “refletindo essencialmente a menor conflitualidade laboral no ano de relato”.

Aliás, essa é a explicação para a realização, em 2024, de cerca de 415,7 mil comboios e aproximadamente 27,9 milhões de comboios-quilómetro (CK), o que representa um acréscimo face a 2023 de 4,6% e de 6,5% respetivamente “devido essencialmente ao elevado volume de greves registado em 2023”.

Em 2025 voltou a haver uma greve com grandes impactos e que, aliás, resultou em declarações, em plena campanha eleitoral, de Luís Montenegro a admitir rever a lei da greve, o que acabou por ficar escrito no programa do Governo.

https://observador.pt/especiais/surpresas-no-programa-do-governo-numero-unico-do-cidadao-manuais-gratuitos-lei-da-greve-solidariedade-no-rsi-e-concessao-de-transportes/

A CP apresenta, assim, um aumento nos custos com Pessoal (sem indemnizações), em cerca de 14,7 milhões de euros, totalizando 167,9 milhões de euros, menos 1,8 milhões de euros do que o previsto, “devido, essencialmente, ao desvio registado em termos de efetivo médio, decorrente da limitação do número de recrutamentos autorizados e das dificuldades de retenção de trabalhadores recrutados”. O número de efetivos a cargo, no final de 2024, totalizava 3890 pessoas.

Acertos ainda a fazer

As compensações financeiras que a CP tem de receber são várias. Em 2024 ficou registado em balanço um valor a receber de 77 milhões de euros, um aumento de 44,7 milhões face a 2023, “referentes a rendimentos para os quais a CP aguarda ser ressarcida”. E relaciona esses valores com:

  • o acerto da compensação das obrigações de serviço público de 2024, no montante de 15,9 milhões de euros, e do acerto da compensação financeira pelo Passe Ferroviário Verde de 5 milhões de euros;
  • o valor dos Passes Comparticipados na região de Lisboa, Porto e Regional, no montante de 24,6 milhões de euros (que inclui títulos com tarifa reduzida, passe Antigos Combatentes, passe social+; e as compensações devidas ao abrigo do programa de Incentivo ao Transporte Público Coletivo de Passageiros (Incentiva+TP);
  • os valores pendentes das CIM que ascendem a 3,3 milhões de euros.

Segundo indica no relatório e contas já foi validado o acerto da compensação financeira pelas obrigações de serviço público e 2023 e em março deste ano foi ressarcida pelos acertos de “reequilíbrio do contrato pela compensação financeira das obrigações de serviço público de 2021, e do acerto de reconciliação das obrigações de serviço público de 2022, valores reconhecidos nas contas de 2023”.

A empresa chama a atenção, aliás, para o desfasamento temporal das compensações no âmbito do Programa de Apoio à Redução Tarifária (PART) e do Programa de Incentivo ao Transporte Público Coletivo de Passageiros (Incentiva+TP). Ao mesmo tempo que recorda que a evolução dos proveitos de tráfego divergem do da procura também por isso, mas ainda pelo maior peso dos títulos mensais (que têm uma tarifa média inferior aos títulos ocasionais) e a atualização tarifária aplicada. Em 2024, apenas os títulos ocasionais tiveram uma atualização. Os mensais não.

Os proveitos de tráfego atingiram 280,1 milhões, mais 13,2% que em 2023, tendo havido 188,3 milhões de passageiros, mais 8,7% do que no ano anterior.

Ainda assim, a CP alerta que, em 2024, “os serviços da CP continuaram a ser afetados pelas diversas obras de modernização que estão a decorrer na infraestrutura ferroviária, que têm provocado diariamente atrasos em diversos serviços comerciais. Reconhecendo-se a necessidade destas intervenções, espera-se que após a conclusão das mesmas existam novas condições que permitam à CP melhorar substancialmente o seu desempenho operacional”.

Fala mesmo em “más condições de exploração da infraestrutura, em consequência das diversas intervenções de modernização e conservação, transversais a toda a Rede Ferroviária Nacional, com imposição de limitações de velocidade e as avarias na sinalização, que continuam a ser determinantes para este desempenho”.

Ao nível dos lucros, que têm baixado desde 2022 (primeiro ano de lucros), a CP registou, em 2024, resultados positivos de 1,8 milhões de euros, o que compara com os 3,6 milhões de 2023. Ficaram, também, abaixo do orçamento.

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Investimento abaixo do previsto

Do investimento previsto para 2024, a CP só conseguiu realizar 21,3%. Ou seja, 26,8 milhões de euros de um valor que deveria ascender a mais de 126 milhões. Um valor bem abaixo por conta da não concretização da compra de comboios. Sem essa aquisição, a execução do investimento tinha atingido a 45,8%.

Os desvios referem-se em particular à compra de material circulante, nomeadamente a aquisição de automotoras: 12 bimodo e 10 elétricas, cuja entrega da primeira unidade é apontada, agora, para este ano. Além do concurso para a compra de 117 automotoras para os regionais e urbanos de Lisboa e Porto, que continua pendurada nos tribunais.

https://observador.pt/especiais/tribunal-rejeitou-recurso-da-cp-mesmo-com-lei-a-medida-maior-contrato-da-historia-para-117-comboios-esta-suspenso-ha-14-meses/

A CP refere ainda que a instalação de máquinas de venda automática também está mais demorada, “devido à dependência da aprovação dos projetos de instalação por parte da Infraestruturas de Portugal”.

Os valores orçamentados foram, entretanto, revistos. Segundo diz a CP, o plano de atividade e orçamento 2024-2026 “foi aprovado pelas tutelas em julho de 2024, mas com fortes limitações ao plano de investimentos autorizado”. A CP alerta, ainda, para o facto desse plano aprovado pelo Ministério das Infraestruturas e pelo Ministério das Finanças ter ficado “limitado a um conjunto de autorizações expressas no mesmo, referentes a recrutamentos, aumento dos gastos operacionais e plano de investimentos”.

As tutelas também ainda não aprovaram as contas referentes a 2022, 2023 e 2024. Só a 25 de março de 2024, depois das eleições, mas ainda com o governo em gestão de António Costa, é que as tutelas aprovaram as contas de 2016 a 2021 “sem recomendações”.