Ele é o Zé e é em torno dele que gira todo o mistério de O Zé Faz 25, o primeiro podcast de ficção do Observador. Ele, Tiago Teotónio Pereira, disse que sim ao projeto assim que ele se começou a desenhar na cabeça do realizador e criador Manuel Pureza, mas quando percebeu que tudo seria feito apenas através do som, temeu que se assemelhasse com dobragens — é a voz do Homem Aranha na versão portuguesa do videojogo desde 2018. “Tive algum receio porque, nas dobragens, tu vês imagens. Aqui não. Mas estávamos todos na mesma sala, a contracenar e o projeto ganhou imenso com isso”, confessa ao Observador.
Teotónio Pereira conhece Manuel Pureza há muitos anos e havia uma grande vontade de trabalharem novamente juntos [depois de Linhas de Sangue e 12 Horas]. “Ele é um realizador que gosta mesmo de atores, ouve sempre as sugestões e acrescenta alguma coisa. A Rita Tristão, que foi a diretora de atores, a mesma coisa. É muito fácil trabalhar com eles, além de ser uma história que queríamos contar há muito.”
O resultado final de O Zé Faz 25 já pode ser ouvido e para conhecer melhor o protagonista é preciso falar uma carreira que demorou muito a arrancar, uma aventura nos EUA com percevejos, treinos intensos para maratonas e provas de Ironman (triatlo de longa distância) e sobretudo a noção da sorte que tem em trabalhar naquilo que o apaixona, que nunca abandona Tiago Teótonio Pereira.
Uma infância de surf e skate
Nasceu e cresceu em Lisboa. Durante um breve período viveu em Vila Franca de Xira, onde estava horas infinitas na rua com os dois irmãos mais novos. “Passávamos horas a jogar à bola nas traseiras dos prédios. Tirando isso, não havia muito para fazer. Lembro-me de ter um bip da Coca-Cola porque nessa altura ainda não havia telemóveis.”
Os pais separaram-se quando tinha 12 anos. O pai mudou-se para o Alto de Santo Amaro e a mãe “mudou de casa umas 20 vezes”. Por isso, Tiago Teotónio Pereira viveu na Lapa, em Benfica ou na Infante Santo. Do surf ao skate, experimentou todos os desportos e o que recorda dessa fase é que o pai o levava sempre para todo o lado — a ele e aos amigos. “Eles vinham ter a minha casa, entravam cinco pessoas no carro e o meu pai levava-nos a todos para Monsanto andar de skate. Aos fins de semana acordava às seis da manhã para me levar ao surf.”
Ironicamente, o pai não adorava desporto. “Sempre foi muito mais nerd do que eu”, afirma Tiago Teotónio Pereira.
[o trailer de “O Zé Faz 25”:]
https://www.youtube.com/watch?v=yKQk7gUto7U
Estudava no Liceu Francês e, como nem sempre as férias com os amigos que frequentavam outras escolas coincidiam, passava algumas semanas sozinho. Quando tinha 15 ou 16 anos, a mãe sugeriu-lhe que escolhesse um workshop para ocupar o tempo. Sem ter noção disso ainda, escolheu algo que mudaria para sempre a sua vida: um Workshop à Iniciação de Técnicas de Ator na ACT (Escola de Atores). “Estive lá duas semanas, gostei e disse à minha mãe que queria explorar mais aquela área e fazer o curso de três anos.”
Em paralelo começou logo a tentar ir a castings, tudo de forma autodidata. Precisava de fazer um book para se apresentar e era ao irmão que recorria. “Chateava-o para me tirar fotos na varanda, por exemplo. Depois mandava as fotos, perguntavam-me a altura e já não me aceitavam. Eu era pequenino [tem 1,73 m], mas só queria ter acesso aos castings, não queria ser modelo.”
Após várias tentativas frustradas, cruzou-se com Sofía Espírito Santo, fundadora do grupo de teatro infantil Animarte. “Nessa altura, ela fundou uma agência de jovens atores, a True Sparkle, pegou em mim e começou a mandar-me a castings.” Conseguiu pequenas participações em Chiquititas (2007) e Morangos com Açúcar: Férias de Verão 5 (2008). Seguiu-se Lua Vermelha (2009), onde fez parte do elenco principal, o que o obrigou a deixar em pausa o curso da ACT. “Gravávamos todos os dias e era impossível conciliar.”
Seguiu-se algo que considera curioso. “Depois da Lua Vermelha fiquei muito tempo sem trabalhar e o mesmo aconteceu a inúmeras pessoas da série.” Aí, o pai achou que estava na altura de intervir. “Ele é um bocadinho mais conservador do que eu e disse-me: ‘Apoio-te no que quiseres mas, agora que estás sem trabalho, acho que devias tirar um curso superior’.”
Tiago inscreveu-se então em Gestão de Marketing. “Achei que ia para uma agência ser criativo porque já estava a ver que a vida de ator não ia dar.” Ainda assim, continuou a fazer todos os castings que apareciam, a enviar self tapes e a aceitar as pequenas participações que lhe ofereciam. “Durante uns cinco anos foi isso. Os meus amigos estavam sempre a gozar comigo.”
Como vivia em casa dos pais, todo o dinheiro que ganhava, guardava. “Nunca fui de grandes gastos e não recebi mesada para aí a partir dos 17, porque ia fazendo esses trabalhos.” Já o dinheiro que tinha conseguido em Lua Vermelha teve um propósito específico. Com Inês Aires Pereira, de quem se tornou amigo na série, embarcou para os EUA, para fazer uma formação em Los Angeles.
“Tínhamos 18 anos e aterramos numa espécie de universo paralelo. Olhando para trás penso na inconsciência que foi. Quando conseguimos ser admitidos na Lee Strasberg [a escola], marcámos o voo e fomos.” Estiveram lá dois meses e depararam-se com inúmeras dificuldades. “Tínhamos menos de 21 anos e era tudo muito complicado. Ninguém nos alugava uma casa por menos de três meses, acabamos por ficar num hostel o tempo todo. As camas tinham percevejos. Foi um filme, mas uma experiência para a vida”, recorda.
Com o regresso a Portugal voltaram as participações especiais (O Bairro, Destinos Cruzados, Os Filhos do Rock, etc). Mais uma vez, decidiu pegar no dinheiro conseguido com esses trabalhos e mudou-se para o Brasil para estudar. Na mesma altura surgiram castings em Portugal que o agente lhe garantia que tinha mesmo de fazer. “Disse-lhe que não, tinha acabado de investir o meu dinheiro todo numa formação, ia ficar no Brasil seis meses. No limite, disse, faço uma self tape e envio.”
Enviou o vídeo e não conseguiu o papel. Algumas semanas depois, o agente insistiu que regressasse a Lisboa, já que a RTP e a TVI também iam fazer audições. “Vim, fiz os castings e não fiquei. Aí foi mesmo o meu ponto mais baixo. Vim tentar tudo outra vez, ouvi três nãos e pensei: ‘Já chega, vou fazer outra coisa’.” Dois dias depois, o telefone tocou. “Era do projeto para o qual tinha feito o primeiro casting, a novela Mar Salgado. Disseram-me: ‘Queremos-te para outra papel, vem cá falar connosco’.”
O papel, de Messias Pimenta, acabaria por lhe dar o Globo de Ouro de Revelação. A partir daí, tudo mudou. Seguiram-se papéis nos elencos principais de Amor Maior (2016), Prisioneira (2019), Nazaré (2020), Queridos Papás (2023) ou Vizinhos Para Sempre (2025).


Atualmente, quando entra num estúdio, lembra-se recorrentemente da primeira vez. “Sinto o mesmo cheiro, porque aquilo é tudo pladur, mas dou por mim muitas vezes a pensar: ‘Isto é o meu sonho, tenho de dar valor ao facto de ter trabalho, de conseguir sustentar a minha família.”
Quando a representação já era um sonho, a sua vida familiar ganhou uma referência nessa área — a mãe casou com o ator Nicolau Breyner em 2006. Foi com ele que começou a visitar os estúdios de gravação. “Lembro-me de lhe pedir para me levar, de entrar naquele sítio e de sentir aquele cheiro tão característico. É um cheiro que não me sai da cabeça e me faz descer à Terra.”
Por ter passado tanto tempo sem um papel consistente, tem noção de que tudo pode mudar a qualquer momento. Também por isso, é muito disciplinado. “Tens de chegar a horas, saber os textos e, independentemente de seres bom ou mau ator, tens de ser uma boa pessoa e um bom trabalhador. Se isso não acontecer, o resto não interessa. Até podes ser o melhor ator do mundo, mas se fores uma pessoa execrável, que chega sempre atrasada, que é mau colega, ninguém vai querer trabalhar contigo.”
Cauteloso, Tiago Teotónio Pereira tem um Plano B, que o ajuda a lidar com a incerteza da vida de ator. “Tenho dois hostels, do grupo Mute, com três amigos. Um em Vila Nova de Mil Fontes e outro em Porto Covo. Sempre foi um sonho porque faço surf desde sempre e as duas localizações em cima do mar são espetaculares.” Agora vive mais perto do mar, mas fala frequentemente com a mulher de irem viver para o campo. “Temos de nos mandar e pronto, mas ainda não tivemos coragem porque temos aqui a nossa família toda.”
O exercício físico faz parte das tarefas de todos os dias. “Adoro sair para correr e estou ao pé do rio e depois de repente estou no Monsanto, no meio da floresta e sem ver carros. Também pego na bicicleta e num minuto estou na Marginal e vou até Sintra.”
Não se imagina a realizar, nem a escrever. Respira representação e é isso que quer continuar a melhorar. As personagens mais difíceis de domar são também aquelas que lhe dão mais gozo. Um exemplo disso foi Rúben Paiva, na série Da Mood (2022), da RTP1, sobre uma boyband.
“Tal como n’O Zé Faz 25, entrei no projeto do Sérgio Graciano numa fase muito embrionária. Discutimos e exploramos imensas coisas e, de repente, quando começamos a gravar, não consigo chegar à personagem. Comecei a sentir-me muito frustrado, ia para casa triste todos os dias, até que foi só mudar uma coisa simples. Arranjamos um tom de voz, uma maneira de falar para a personagem, e isso mudou tudo completamente.”
O Globo e as medalhas de triatleta
Além do Globo de Ouro, há muitas outras medalhas e prémios que preenchem as prateleiras de Tiago Teotónio Pereira. “São medalhas de participação”, desvaloriza, mas o certo é que preparar-se e participar em provas físicas lhe dá muito gozo.
“Encontro um paralelismo com a minha profissão. No triatlo não há segredo nenhum, é só treinar, é dedicação, é aparecer todos os dias, mesmo quando não te apetece vais treinar para conseguires fazer uma prova grande, tipo Ironman. E a medalha é só o simbolismo de que conseguiste chegar ao fim. Enquanto ator, estive não sei quantos anos sem trabalhar e só queria uma oportunidade, estava sedento de uma oportunidade. Nunca pensei ganhar o Globo de Ouro, só queria aparecer todos os dias para trabalhar. Para mim, teve muito mais importância por ter sido um caminho de seis anos sem me darem uma oportunidade e, de repente, quando ma deram fui validado tanto pelas pessoas que me nomearam, como pelo público que votou para eu ganhar.”
Já perdeu a conta às provas Half Ironman que completou (“talvez umas oito ou dez”), correu sete maratonas e está a preparar-se para o segundo Ironman, em 2026. “Fui pai duas vezes num período curto, não consegui mais do que isto.”
As filhas, Camila e Júlia, são fruto do casamento com Rita Patrocínio. Ambos vêm de famílias numerosas, um detalhe que Tiago Teotónio Pereira considera que será uma mais-valia para as filhas. “Adoro que tenham muitos primos, do meu lado somos mais de 30.” O grupo de WhatsApp onde estão todos é um reboliço, sobretudo desde que os almoços semanais em casa da avó deixaram de acontecer com tanta frequência.
“Havia almoços todos os domingos e todas as terças-feiras em casa da minha avó, mas ela agora já está muito velhinha.”
Da infância recorda os bolos e a atenção que ela dava a todos — “não parava um minuto” —, mas não havia grandes relatos da história familiar, muito menos dos supostos tetravós alemãs e ingleses. “Sei que há essas referências na Wikipedia, mas o meu pai diz que não faz ideia de onde isso vem.”
Entre os treinos intensos para as provas que se seguem, as rotinas familiares e os próximos projetos televisivos, Psicopatas Portugueses e Homens de Honra, não é algo que tenha urgência em averiguar. “Até agora não senti necessidade de ir à procura, talvez um dia.”