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O que é a disforia de género? Oito perguntas sobre o sofrimento psicológico de quem não se identifica com o sexo com que nasceu

Homem ou mulher? Quando o corpo não corresponde ao género com que a pessoa se identifica, a ansiedade, a depressão ou comportamentos autolesivos podem ser consequências frequentes.

Sara Dias Oliveira
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1 O que é a disforia de género?

É o nome dado ao sofrimento psicológico que algumas pessoas sentem pelo facto de o seu corpo não corresponder com o género com que se identificam.

“Por exemplo, se uma pessoa nasceu com um sexo biológico masculino (corpo de rapaz), mas se identifica no feminino (sente que é uma rapariga), sofre com o facto de o corpo não corresponder a um corpo biologicamente feminino”, diz Ana Silva, psicóloga da AMPLOS – Associação de Mães e Pais pela Liberdade de Orientação Sexual e Identidade de Género, que acompanha pais e mães de filhos trans e pessoas trans (designação que engloba todas as identidades e/ou expressões de género que não coincidem com o sexo à nascença).

2 Como se chega a este diagnóstico?

Só se a diferença entre as características do corpo e o género com o qual a pessoa se identifica, causar sofrimento clinicamente significativo, ou seja, se houver implicações negativas no dia a dia ou em áreas importantes da vida.

A avaliação deve ser efetuada por profissionais de saúde mental (psicólogo ou psiquiatra) com base em critérios estabelecidos nos cientificamente e protocolos de saúde mental.

3 Qual a diferença entre disforia e identidade de género?

Identidade de género é a forma como cada pessoa se sente e se reconhece face ao género — pode ser uma pessoa do género feminino, masculino ou não binário (não se identificam exclusivamente como homens ou mulheres). A identidade de género, por si só, não causa sofrimento.

“O sofrimento pode surgir a pessoas que não se identificam de acordo com o sexo biológico com que nasceram, associado a situações de discriminação, rejeição e preconceito ou pelo facto de o corpo não corresponder ao género com que a pessoa se identifica (disforia de género)”, diz a psicóloga.

4 E o que é a orientação sexual? Tem alguma coisa a ver?

Não, são questões completamente diferentes. A orientação sexual diz respeito à atração emocional, romântica, sexual que umas pessoas sentem por outras e define-se tendo em conta a identidade de género da pessoa que sente e a identidade de género da pessoa por quem sente.

Disforia de género é um diagnóstico relacionado com questões relativas à identidade de género e não com a orientação sexual.

5 Quais os impactos na vida emocional e afetiva?

A disforia de género pode ter fortes impactos emocionais e afetivos, especialmente se a pessoa se sentir rejeitada e sem apoio. Manifestam-se de várias formas no dia a dia da pessoa, afetando o seu bem-estar psicológico, as suas relações e a forma como se vê a si própria. Pode provocar:

Ansiedade, depressão e baixa autoestima;

• Isolamento social, medo do julgamento ou rejeição;

• Dificuldades nas relações familiares, amorosas ou escolares;

Comportamentos autolesivos ou risco de suicídio (particularmente na adolescência, quando o corpo começa a desenvolver características indesejadas).

A Ordem dos Psicólogos Portugueses (OPP) refere que “é importante conhecer a natureza, a duração e consistência da experiência de disforia de género, uma vez que a pessoa que sofre pode não partilhar a sua experiência e emoções com os mais próximos ou profissionais de saúde. É raro ocorrer uma mudança abrupta ou superficial na identidade de género, por isso, é importante ir avaliando continuamente os sinais de disforia de género”.

6 Todas as pessoas trans sentem disforia de género?

Não. Segundo a psicóloga Ana Silva, “muitas pessoas trans vivem bem com a sua identidade e com as características do corpo que têm e não precisam, nem desejam, nenhuma intervenção clínica ou transformação física”.

Outras não. “Dependendo das questões físicas que mais as incomodem, algumas pessoas podem só fazer tratamento hormonal, outras necessitarão de cirurgias (podendo incluir a cirurgia de reafirmação sexual)”, acrescenta, referindo que o importante é o bem-estar individual. Cada pessoa tem as suas necessidades específicas.

7 Implica cirurgia para mudar de sexo?

“Não. A disforia de género não implica obrigatoriamente qualquer tipo de tratamento médico ou cirúrgico”, reforça Ana Silva.

Dependendo do nível de sofrimento que cada pessoa enfrenta e das suas necessidades específicas, cada uma decidirá quais os procedimentos que mais se adequam à sua situação, com o respectivo acompanhamento emocional e clínico.

• Algumas pessoas podem ultrapassar as suas dificuldades, fazendo um processo de afirmação social de género (mudando o nome, os pronomes e a sua aparência);

• Outras podem decidir efetuar tratamento hormonal e/ou tratamentos cirúrgicos;

• Algumas podem até desejar fazer tratamentos clínicos, mas, por questões de saúde (ou outras), não terem condições para os realizar.

A OPP sustenta também que “algumas pessoas transgénero podem optar por realizar intervenções médicas e cirúrgicas para adequar o seu corpo ao seu género”, acrescentando que “a autodeterminação significa a escolha livre e informada dos processos de afirmação e transição de género que cada pessoa deseja para si”.

Em todos os casos, é necessário uma avaliação por parte de um profissional de saúde mental.

8 Como se pode lidar com a disforia de género? Como se acalma este sofrimento?

Para a profissional de saúde mental, é essencial procurar apoio psicológico especializado em identidade de género.

Uma hipótese é explorar formas de afirmação de género (novo nome, pronomes adequados ao género com que se identifica, roupa. etc) e validar a sua identidade sem pressões externas. “Considerando que nada há de errado em ter a condição que tem, pois a diversidade de género faz parte da espécie humana.”

É conveniente que a família e pessoas mais próximas possam ouvir sem julgar, e respeitar a identidade da pessoa. Para isto poderá fazer sentido procuraram também ajuda psicológica, pois o choque pode ser grande. Usar o nome e os pronomes de acordo com o género com que a pessoa se identifica é um caminho possível e procurar informação e apoio especializado para compreender melhor a condição trans e poder apoiar a pessoa de maneira adequada.

“Importa ter em conta que o respeito e o apoio da família e das pessoas mais próximas têm um papel crucial na saúde mental da pessoa trans”, conclui Ana Silva.