“Quem é que te mandou essa mensagem?”
“Porque é que chegaste tão tarde?”
“Quem é aquela mulher que não tira os olhos de ti?”
“Viste o teu ex-namorado e não me disseste nada?”
E, no século XXI, claro: “Quem é esta pessoa que comentou a tua publicação no Instagram com um coração?”
Para uns, o ciúme é um sinal claro de falta de confiança. Para outros, uma insegurança mal disfarçada. Há ainda quem o considere uma prova de amor e quem o veja apenas como uma sensação de posse mascarada de romantismo. Já para a psicologia, o ciúme é uma emoção social complexa, que surge quando sentimos que uma relação importante pode ser ameaçada por uma terceira pessoa — real ou imaginada, conhecida ou desconhecida — que nos vai roubar o protagonismo.
Apesar de ser possível sentir ciúmes em quase todos os tipos de relação, o mais vulgar é que surjam nas relações românticas. Alguns trabalhos na área da psicologia evolutiva sugerem que, nesse contexto, homens e mulheres reagem de forma diferente ao ciúme: os homens tendem a temer mais a infidelidade sexual, enquanto que as mulheres tendem a sentir mais ciúme face à infidelidade emocional.
Quando ouve falar em ciúmes inadequados ou sem motivo, Ana Isabel Lage, psicóloga clínica e educacional e membro da Delegação Regional do Norte da Ordem dos Psicólogos Portugueses, começa por esclarecer que “não devemos olhar para as emoções como certas ou erradas, porque sinalizam sempre alguma coisa importante”. Frisa, no entanto, que “uma coisa é aquilo que sentimos e outra o que fazemos com o que sentimos: a reação aos ciúmes é que pode ser mais ou menos adequada”.
“Os ciúmes têm uma conotação negativa: associamo-los a ser uma pessoa insegura ou infantil — e ninguém quer ser essa pessoa”, diz a psicóloga. Mas não tem de ser assim: sentir ciúmes é perfeitamente normal e falar sobre isso também. “Se forem transmitidos de uma forma adequada, podem mostrar ao outro uma necessidade que temos, de cuidado, de atenção, de colo e podem ajudar a clarificar e solidificar a relação.”
A psicóloga refere que há duas necessidades humanas básicas relacionadas com o ciúme: a segurança, no sentido de haver quem nos protege e cuida de nós, e a sensação de pertença, ao sentimos que o outro nos estima e reconhece o nosso valor. “Quando numa relação há ciúme a pessoa sente que uma destas dimensões — ou as duas — está perturbada: ou não se sente segura na relação e/ou sente que não o seu valor não está a ser reconhecido.”
O que acontece, explica Ana Isabel Lage, é que “há pessoas que têm um radar mais sensível a sinais que entendem ser de distância ou desvalorização, ativando com mais facilidade comportamentos ciumentos, por exemplo de escrutínio e controlo do outro, porque sentem que podem ser abandonadas ou rejeitadas”.
Esta sensibilidade depende do temperamento, com que já nascemos, mas sobretudo das nossas experiências, nomeadamente do nosso estilo de vinculação, ou seja, da forma como nos relacionamos emocionalmente com outras pessoas, que é aprendida na infância, com base nas experiências que tivemos com quem cuidou de nós. Além disso, podem também ter peso as experiências já na idade adulta. “Se a pessoa já teve uma relação em que foi traída ou se viu isso acontecer com alguém próximo, pode ficar mais vigilante em relação a situações que, para outras, passariam completamente despercebidas.”
Mas os ciúmes sem razão podem chegar a ser doentios ou patológicos. O ciúme patológico, muitas vezes chamado de Síndrome de Otelo, distingue-se dos ciúmes normais pela sua intensidade e irracionalidade. Dentro desta categoria, como mostra um artigo de um grupo de profissionais de saúde mental portugueses, há dois tipos de ciúme patológico: o ciúme obsessivo e o ciúme delirante. Em comum, têm uma má adesão ao tratamento e um mau prognóstico. Mas enquanto o ciúme obsessivo se baseia em ruminações de que o parceiro poderá estar a ser infiel, acompanhadas de comportamentos compulsivos de verificação, o ciúme delirante é um distúrbio psicótico caracterizado por crenças fortes e falsas de que o parceiro é infiel.
Alguns dados indicam que este tipo de ciúme patológico tem uma prevalência semelhante em homens e mulheres, mas é mais comum em pessoas idosas, sendo que na origem desta condição podem estar problemas psicológicos e/ou neurológicos, relacionados com o consumo de substâncias. É um tipo de ciúme que, além do impacto para o paciente, pode ter consequências graves para o parceiro e para o rival imaginado, nomeadamente com o risco aumentado de violência doméstica. Em alguns casos, refere o mesmo estudo, podem justificar-se medidas como internamentos involuntários para garantir a toma de medicação, além da psicoterapia.