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O que é a síndrome de Peter Pan? Nove perguntas sobre a falta de maturidade que afeta a vida adulta — e a saúde mental

Comportamentos infantis, fuga a compromissos ou recusa em amadurecer. As exigências da vida adulta podem trazer sentimentos de insatisfação e de forte ansiedade.

Sara Dias Oliveira
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1 O que é a síndrome de Peter Pan?

É um conjunto de sintomas que se manifestam pela dificuldade de uma pessoa  em aceitar as responsabilidades associadas à vida adulta. Catarina Mexia, psicóloga clínica, terapeuta familiar e de casal, explica que esta designação “é geralmente utilizada na psicologia para descrever adultos que apresentam uma falta de maturidade social e uma dificuldade em ‘crescer’”. Adultos com comportamentos infantis, medo de assumir compromissos, e que recusam amadurecer.

O nome tem uma explicação. Em 1983, o psicólogo norte-americano Dan Kiley escreveu A Síndrome de Peter Pan, inspirado na personagem do rapaz eternamente despreocupado, o menino que não queria crescer, do escritor e dramaturgo escocês J.M. Barrie. O livro, que descreve adolescentes com dificuldades em assumir responsabilidades, padrão que persistia na idade adulta, foi a primeira referência a este tema na Psicologia.

 

2 Quais os principais sintomas?

Dificuldade em lidar com responsabilidades, imaturidade emocional, problemas nos relacionamentos amorosos ou de amizade, falta de ambição ou objetivos de vida. O medo da solidão, a incapacidade em lidar com a crítica, a dependência de terceiros, são outras características.

Os especialistas referem que esta é uma síndrome complexa, caracterizada por um conjunto de sinais e sintomas que, por vezes, se confundem com outras situações e que se manifestam de forma diferente em cada pessoa.

 

3 E como se manifesta, ao certo?

De várias formas e com pontos em comum. Relutância em ser adulto, mantendo uma mentalidade infantil e juvenil, evitando obrigações e compromissos (como a dificuldade em manter e dedicar-se a um emprego para construir uma carreira sólida).

Por exemplo, aos 30, 40 anos, viver em casa dos pais sem contribuir financeiramente ou ajudar nas atividades domésticas, esperando que tudo se resolva sem o mínimo de esforço. Ou, estando numa relação, esperar que o parceiro assuma todas as responsabilidades.

Nos relacionamentos, há receio em assumir compromissos sérios e evita-se uma intimidade mais profunda. “Manter um emprego estável, constituir uma família responsabilizando-se por um filho, definir a vida com uma visão estratégica, são fonte de receios e ansiedade”, diz a psicóloga, realçando ainda a “dificuldade em lidar com a crítica e assumir responsabilidade pelos erros” e a preferência pelo “convívio com pessoas mais jovens e/ou crianças em detrimento de adultos da mesma faixa etária”.

4 O que explica esses comportamentos?

“A superproteção ou excessiva permissividade parental podem comprometer o desenvolvimento da autonomia, independência e sentido de responsabilidade da criança”, responde Catarina Mexia. Por outro lado, a negligência e pouca atenção dos pais e traumas de infância contribuem para um estado emocional mais imaturo. O medo do fracasso, a baixa autoestima, e a ansiedade também influenciam.

A solidão e o medo de compromissos são aspetos psicológicos que podem determinar a dificuldade em lidar com as exigências da vida adulta. Há ainda a influência da sociedade e as expectativas em relação ao sucesso e à realização pessoal. Além disso, os padrões culturais sobre o que é ser um adulto podem gerar pressão e ansiedade e, por consequência, afastar compromissos.

Na infância e adolescência, a autonomia, a responsabilidade e a resiliência perante as adversidades podem ficar comprometidas com a superproteção dos pais. E a mensagem de que os mais novos não são capazes de crescer sozinhos entranha-se. “Essas crianças podem crescer com uma expectativa equivocada de que a vida adulta será tão protegida quanto o ambiente familiar, o que contrasta com a realidade que encontrarão.”

Experiências difíceis na infância, como um abandono, uma morte, dificuldades na escola, ajudam também a explicar esses comportamentos. As atitudes infantis são mecanismos de defesa contra traumas. Por outro lado, a ausência de modelos adultos, maduros e responsáveis, deixar jovens confusos sobre o significado de ser adulto, prolongando assim comportamentos típicos da adolescência.

 

5 Como distinguir de inseguranças emocionais e dificuldades ocasionais?

Na síndrome de Peter Pan, a dificuldade em amadurecer é um padrão de comportamento constante que afeta vários aspetos da vida. A grande diferença reside precisamente aqui. Não é um acontecimento esporádico, é permanente.

“Todos nós passamos por inseguranças e alturas em que lidar com responsabilidades é complicado. Enquanto uma pessoa pode ter um dia em que pensa ‘hoje não me apetece ter responsabilidades’, alguém com a síndrome vive essa mentalidade diariamente”, refere Catarina Mexia.

6 É uma perturbação mental?

Não, não é uma perturbação mental. Não é reconhecida como um diagnóstico psiquiátrico oficial. Como síndrome, é um conjunto de sinais e sintomas que caracterizam uma condição específica.

Dessa forma, é interpretada como um obstáculo emocional que condiciona o desenvolvimento da maturidade emocional e a capacidade de lidar com as exigências da vida adulta.

 

7 De que forma afeta a vida adulta?

De várias maneiras e com impacto. Catarina Mexia dá vários exemplos. A aversão às responsabilidades adultas manifesta-se nas tarefas diárias mais simples, como cuidar da casa, cozinhar, ir às compras. A procrastinação instala-se e as tarefas aborrecidas ficam a marinar. E tomar uma decisão importante é uma grande dor de cabeça.

Problemas nos relacionamentos pessoais, na construção e manutenção de vínculos amorosos duradouros e saudáveis. Preferência por relações passageiras ou excessiva dependência do parceiro.

Problemas emocionais. A instabilidade permanente gera sentimentos de insatisfação, ansiedade e depressão.

Problemas no trabalho. Do ponto de vista profissional, a instabilidade é constante, sem motivação para trabalhar e progredir. Mudanças de emprego são frequentes. Há tédio e resistência em assumir responsabilidades mais sérias. A perspetiva de encarar deveres adicionais, liderança ou compromissos de longo prazo, causa  desconforto.

Problemas financeiros. O comportamento impulsivo em relação ao dinheiro é comum. Há uma inclinação para viver o presente sem pensar o futuro, o que significa problemas e dependência monetária. Planear o futuro financeiro e estabelecer objetivos de poupança de longo prazo são planos complexos e desinteressantes.

 

8 Como se trata?

Reconhecer o problema, querer resolvê-lo, compreender as razões, saber gerir emoções, melhorar a relação com os outros. Desenvolver capacidades para lidar com o dia a dia da vida adulta, ganhar independência, aprender a gerir o dinheiro, definir metas. Estabelecer prioridades e iniciar tarefas.

Lidar com frustrações, aceitar críticas construtivas, resolver conflitos. Trabalhar a resiliência. Saber resolver problemas dos mais banais aos mais complicados. Eliminar distrações infantis, não amuar, não fazer birras.

É um processo que envolve autoconhecimento, apoio terapêutico, desenvolvimento de capacidades práticas e emocionais, e um ambiente que incentive a autonomia e a responsabilidade.

9 Há maneiras de prevenir?

Não há uma receita infalível para que as crianças se tornem adultos independentes e responsáveis. Há, contudo, uma abordagem educativa equilibrada. De um lado, os afetos, o suporte e os estímulos. Do outro, a autonomia, a responsabilidade e capacidades essenciais para a vida.

O segredo está em encontrar o ponto de equilíbrio, sem esquecer regras e limites, estimulando a capacidade de superação, ajudando a encontrar soluções, seja um brinquedo, sejam desentendimentos com amigos ou tarefas escolares mais difíceis.

Catarina Mexia termina com uma imagem. “É como uma planta que precisa de vento para fortalecer as suas raízes; protegendo demais, torna-se frágil.”