Antes de abordar o tema desta reflexão, como a sociedade está cada vez mais intolerante é fundamental relembrar que uma das vantagens e conquistas da democracia liberal é a discordância de opiniões, e o respeito e a defesa pela expressão dessa pluralidade.

Eu posso discordar, e faço-o veementemente, de algumas ideias e posições ideológicas e políticas. Mas isso não me dá o direito a censurar, nem a proibir essas ideias. Por outras palavras, não devo, nem posso agir como fazem aqueles de quem discordo.

Não há diferenças entre os extremos. Nunca houve. Não importa se são da direita ou da esquerda. Os totalitarismos e os regimes ditatoriais por eles implementados são todos iguais e integralmente dispensáveis. Não há ditaduras boas!

Uma ditadura de direita não justifica uma de esquerda, nem o contrário o faz. Tanto o corporativismo de Salazar, o fascismo de Mussolini e o nazismo de Hitler foram tão maus como o socialismo e/ou comunismo de Lenine, Estaline, Mao Tsé-Tung, Pol Pot ou, mais recentemente, da dupla Chávez/Maduro. Há um traço comum entre nazistas, fascistas, marxistas e trotskistas: são todos inimigos da liberdade e a da democracia.

Também afirmei repetidamente que a democracia liberal é o mais frágil de todos os regimes, sendo mais fácil de conquistar do que manter. A história está repleta de exemplos disso. Aliás, a história evidencia a democracia como a excepção em vez da regra.

A Constituição é a convenção que impede o abuso e a arbitrariedade de todos, principalmente de quem tem poder, enquanto garante a possibilidade da liberdade a qualquer um. Contudo, qualquer acto de liberdade individual, intangível ou não, exercido por qualquer pessoa não é ilimitado. Ora, uma Constituição não é suficiente por si só para a defesa da democracia. Sem partidos políticos, cidadãos conscientes dos seus direitos e deveres, e normas democráticas sólidas e disseminadas entre a população, a democracia morre. Assim, a democracia pode perder-se tanto pela acção dos eleitos, como pela perda de interesse e vontade dos cidadãos nela acreditar e/ou participar.

Dito isto, há circunstâncias e posições que dificilmente compreenderei. Durante décadas expressei-me contra a dualidade de critérios da esquerda quando atacava as ditaduras de direita enquanto defendia as ideologias totalitárias da esquerda. Todas as ditaduras são péssimas e indesejáveis. Também critiquei, frequente e veementemente, os exageros da cultura de cancelamento e das políticas identitárias, assim como a deturpação, os desequilíbrios e as perversões provocados pelo wokismo.

Donald Trump decidiu, e bem, reverter muitas decisões que promoviam o wokismo. Vejo muita gente da direita a celebrar esta decisão. Contudo, essa mesma direita nada diz (pelo contrário, apoia) as decisões de Trump sobre a restrição da liberdade de expressão, a discriminação de órgãos de comunicação social, o banir e proibir de livros, o desrespeito pela Constituição e pelo Direito Internacional, etc.

Na democracia liberal, a transição, a manutenção e o exercício do poder não se faz pela força ou pela chantagem. Nem tampouco pela afronta à Separação dos Poderes ou ao Estado de Direito.

Eu tinha a ideia de que os conservadores defendiam e abraçavam estas noções. Estava errado. Vejo muita gente da direita a defender o abuso de poder, o uso da força e o desrespeito pela lei e pela democracia liberal desde que se acabe com o wokismo. Paradoxalmente, o reaccionismo de Trump não é assim tão diferente do wokismo.

Não posso concordar com isto. Já votei muitas vezes vencido, tendo os meus candidatos perdido as respectivas eleições. Sim, fiquei triste e desanimado. Mas jamais utilizei os comportamentos dos meus adversários, por mais deploráveis que fossem, para os praticar de maneira a obstar o exercício e o funcionamento da democracia liberal.

A essas pessoas digo isto. A incoerência revela-vos! E o vosso carácter também!

Quer no âmbito interno, quer no externo, Trump age como se fosse um marxista e/ou fascista. A certeza de John Quincy Adams está a ser pervertida e a América anda à procura de monstros, não percebendo que se está a tornar num monstro.

Trump partilha algo com nazistas, fascistas, marxistas e trotskistas. Também é um  inimigo da liberdade e a da democracia liberal. Estas, para ele, que se fod#&$…!