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(A) :: Rómulo Mateus. O "magistrado à antiga" que passou pelas prisões e pelo Kosovo até liderar o MP no julgamento do caso Sócrates

Rómulo Mateus. O "magistrado à antiga" que passou pelas prisões e pelo Kosovo até liderar o MP no julgamento do caso Sócrates

Francisca Van Dunem, Maria José Morgado e José Góis traçam o retrato do procurador responsável pelo julgamento da Operação Marquês, num percurso que cruza os tribunais, as prisões e o Kosovo.

João Paulo Godinho
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A caminho dos 63 anos, o procurador Rómulo Mateus enfrenta o último grande desafio de uma carreira com mais de três décadas na justiça: liderar o Ministério Público (MP) no julgamento da Operação Marquês. Pela frente terá, de forma inédita, um ex-primeiro-ministro — José Sócrates — sentado entre os arguidos, e alguns dos rostos mais proeminentes de uma elite económico-financeira outrora todo-poderosa, como Ricardo Salgado, Zeinal Bava ou Henrique Granadeiro.

Para o julgamento mais mediatizado e importante da história da democracia portuguesa, o procurador-geral da República, Amadeu Guerra, indicou em dezembro de 2024 um magistrado “discreto”, “à antiga”, sem qualquer ligação ao caso e com grande capacidade de trabalho. É assim que o descrevem várias pessoas que trabalharam com ele ao longo dos anos, como a ex-ministra da Justiça, Francisca Van Dunem, a antiga diretora do DIAP Lisboa, Maria José Morgado, ou o procurador-geral-adjunto jubilado, José Góis, que coordenou as Varas Criminais de Lisboa.

https://observador.pt/2024/12/20/operacao-marques-procurador-geral-amadeu-guerra-cria-equipa-de-elite-no-ministerio-publico-para-apoiar-o-julgamento/

Apesar da discrição do perfil do homem a quem cabe dar a cara pela histórica acusação do MP em tribunal — coadjuvado pelos procuradores Rui Real e Nadine Xarope, além de uma retaguarda constituída pelos magistrados mais conhecedores do processo, como Rosário Teixeira, Vítor Pinto, Inês Bonina e Ana Catalão —, Rómulo Mateus tem um percurso público que se reparte pelas comarcas, pelos tribunais, pelas prisões e até por uma experiência internacional no Kosovo, como procurador no European Union Rule of Law Mission (Eulex).

Vários colegas gabam-lhe “o espírito de missão”, a “presença”, o “rápido raciocínio” e a “boa capacidade de comunicação” — características para a realização de um bom trabalho em julgamento. Mas Rómulo Mateus tem noção do peso que este julgamento tem para o MP. “Até pode estar nervoso no primeiro dia, mas tenho a certeza de que vai fazer um ótimo trabalho”, confia uma procuradora que conhece o seu trabalho em julgamento.

Nasceu em Angola, formou-se em Lisboa e tem uma ligação antiga ao serviço prisional

Natural de Luanda, Angola, onde nasceu no dia 25 de julho de 1962, foi em Portugal que completou a sua formação académica, com a licenciatura em Direito na Universidade Clássica de Lisboa, em 1985. No ano seguinte, entrou como auditor de justiça no Centro de Estudos Judiciários e a partir de 1990 iniciou o seu périplo por diferentes comarcas, ao passar, até 2002, por Avis, Nisa, Santiago do Cacém e Vila Franca de Xira.

Magistrados contactados pelo Observador que o conhecem desse périplo judicial habitual em magistrados em início de carreira recordam um “bom colega” — não só tinha espírito de equipa, como era solidário —, “afável” e “intelectualmente desenvolvido”.

Em Vila Franca de Xira — nos arredores de Lisboa e, por isso, já com características urbanas —, Rómulo Mateus deixou marca como um bom colega e com perfil para julgamentos. Numa comarca marcada pelos furtos, por rixas e por alguma violência associada ao consumo de álcool e de drogas, os julgamentos não eram propriamente muito complexos, mas Rómulo Mateus destacou-se porque “era inteligente, tinha um raciocínio rápido e falava muito bem”, elogia uma ex-colega.

Em Vila Franca de Xira, Rómulo Mateus deixou marca como um bom colega e com perfil para julgamentos. Numa comarca marcada pelos furtos, por rixas e por alguma violência associada ao consumo de álcool e de drogas, os julgamentos não eram propriamente muito complexos, mas Rómulo destacou-se porque "era inteligente, tinha um raciocínio rápido e falava muito bem", elogia uma ex-colega.

Foi então que começou a sua ligação às prisões: passou a inspetor-coordenador no Serviço de Auditoria e Inspeção da Direção-Geral dos Serviços Prisionais, uma comissão de serviço que durou até maio de 2009.

Decidiu, então, regressar às vestes de procurador nos tribunais criminais: primeiro, nas instâncias de Cascais e Oeiras durante esse ano; e, depois, em dezembro, assumiu a coordenação da equipa do MP no Tribunal de Pequena Instância Criminal de Lisboa, por indicação de Francisca Van Dunem, à data procuradora-geral distrital de Lisboa.

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E foi aqui que, até ao verão de 2013, Rómulo Mateus operou uma autêntica revolução no serviço, com pragmatismo e dedicação. Ou, como uma procuradora resume, com “espírito de missão”. “Dedica-se sempre a fundo a um novo desafio e leva-o até ao fim”, refere.

A experiência da Pequena Instância Criminal. Do criminoso de rua a Jardim Gonçalves

“Foi um período muito intenso de trabalho”, conta Francisca Van Dunem, que viria a ser ministra da Justiça de António Costa entre 2015 e 2022.

Até então tinha sido complicado para o MP conciliar “com igual qualidade” as pequenas causas criminais com os recursos “extremamente complexos” dos processos de contraordenações do Banco de Portugal (BdP) ou da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM). Isto é, o Tribunal de Pequena Instância Criminal de Lisboa funcionava como instância de recurso das decisões sancionatórias aplicadas pelos conselhos de administração do BdP e da CMVM.

“Era difícil encontrar alguém que tivesse uma valência adaptada às pequenas causas e que, simultaneamente, estivesse vocacionado para enfrentar processos de enorme complexidade jurídica. Rómulo Mateus foi capaz de fazer isso: fez a pequena instância e arregaçou as mangas e pôs-se a despachar esses processos muito complexos que lá estavam”, recorda Francisca Van Dunem.

Entre estes processos encontravam-se casos ligados ao Banco Comercial Português (BCP) e a Jardim Gonçalves, ao Banco Privado Português de João Rendeiro e ao Banco Português de Negócios de Oliveira Costa. E a outras grandes empresas nacionais visadas pelos respetivos reguladores, sobre os quais demonstrou “capacidade de intervenção em julgamento e domínio das matérias”, elogia a ex-ministra da Justiça.

Ao declarar um combate sem tréguas às pendências processuais no Tribunal de Pequena Instância Criminal, o magistrado impressionou igualmente Maria José Morgado, que conheceu enquanto a procuradora-geral adjunta (hoje jubilada) dirigiu o DIAP de Lisboa, entre abril de 2007 e janeiro de 2016.

“Teve uma experiência notável, porque conseguiu resolver todos os problemas — que eram muitos e se arrastavam no tempo. Conseguiu envolver os colegas e dar um bom impulso à produtividade do tribunal”, frisa a antiga procuradora, sem esconder a sua “estima” e a “melhor impressão” acerca de Rómulo Mateus.

O ponto de viragem na forma como a Pequena Instância Criminal teve de lidar com os recursos sobre as decisões sancionatórias de supervisores e regulares sobre grandes empresas foi, precisamente, o caso do recurso do ex-banqueiro Jardim Gonçalves sobre a condenação do processo contraordenacional do BdP, em 2010.

Estava em causa a alegada prestação de informação falsa e de alegada falsificação das contas do BCP, que levou o Banco de Portugal a sancionar o líder histórico do BCP com o pagamento de uma multa de um milhão de euros e a pena acessória de inibição de funções por nove anos no setor financeiro.

“Foi provavelmente a primeira vez que se teve administradores de um banco a responder em tribunal”, sublinha Francisca Van Dunem. Na visão da ex-ministra, foi o primeiro de “várias Operações Marquês” a cair nas mãos do procurador, preparando-o para a “singularidade” iminente de um julgamento que leva pela primeira vez um antigo chefe de Governo a responder em tribunal.

O processo sofreria inúmeros percalços polémicos, com a interrupção do julgamento e a repetição de parte das diligências que acabaram por levar o caso até à prescrição final. Rómulo Mateus tentou evitar esse desfecho e chegou a entrar em rota de colisão com o juiz António da Hora, que declarou a prescrição do caso. “Nunca desiste, por maiores que sejam as dificuldades. Tornam-no ainda mais capaz, é muito competente e dedicado, muito trabalhador e motivado”, descreve Maria José Morgado.

"[Rómulo Mateus] Teve uma experiência notável, porque conseguiu resolver todos os problemas — que eram muitos e se arrastavam no tempo. Conseguiu envolver os colegas e dar um bom impulso à produtividade do tribunal [de pequena instância criminal de Lisboa]"
Maria José Morgado, antiga diretora do DIAP Lisboa

Qualidades que, na ótica de Francisca Van Dunem, assentam no perfil que define como o de “um magistrado à antiga”. “É uma pessoa que mantém a reserva que os magistrados devem cultivar e, simultaneamente, é uma pessoa com grande capacidade e dedicação ao trabalho. De um ponto de vista pessoal e humano, é uma pessoa reservada, mas urbana, cordata, com afabilidade e uma enorme integridade”, assegura a antiga ministra.

A correção e a lealdade de Rómulo Mateus, segundo Francisca Van Dunem, não se viam apenas pelo cuidado na relação com os antigos superiores hierárquicos, mas também com os magistrados que dependiam dele nas varas criminais.

A construção do Kosovo e a licença sem vencimento para combater o crime organizado

Depois de organizar o Tribunal de Pequena Instância Criminal de Lisboa, Rómulo Mateus entendeu que tinha chegado o momento para uma nova experiência. Num novo país, o Kosovo, cuja declaração unilateral como estado independente (do território sérvio) datava apenas de 2008 e onde era preciso fazer quase tudo em termos de instituições e procedimentos.

A União Europeia lançou a Missão para o Estado de Direito no Kosovo (Eulex) logo em 2008 e uma das áreas abrangidas para aproximar o novo país das melhores práticas europeias foi, precisamente, a Justiça.

Assim, em 2013, Rómulo Mateus integrou a Eulex no Kosovo, continuando um percurso invulgar na magistratura. Mas que, para Francisca Van Dunem, não menoriza o seu currículo, lembrando a rara curiosidade de ser um magistrado avaliado com a nota de “Muito Bom” logo na primeira inspeção.

“Quando Rómulo Mateus esteve no Kosovo, ficou a dirigir aquilo que correspondia ao DCIAP [Departamento Central de Investigação e Ação Penal] de lá”, frisa. A partir de Pristina, enfrentou casos de elevada complexidade e localmente mediáticos.

Maria José Morgado não vê este passo do magistrado como “fora da caixa” e salienta que não foi, de todo, um ‘passo em falso’. “É uma pessoa competente. Penso que deixou um trabalho de referência no Kosovo e é um colega muito respeitado em todo o lado”, nota a magistrada jubilada. “É um percurso enriquecedor. Ele adapta-se rapidamente, porque tem boa capacidade de adaptação”, acrescenta.

“Sair do MP e voltar”, sustenta a antiga ministra da Justiça, “só enriquece a magistratura e a experiência do magistrado”, fazendo questão de notar que na jovem república kosovar conciliou as dimensões da investigação e de julgamento.

Por isso, defende que, “dificilmente, o MP encontraria uma pessoa melhor” e com perfil mais adequado para abordar “um julgamento de enorme complexidade”, como será o da Operação Marquês.

"É uma pessoa competente. Penso que deixou um trabalho de referência no Kosovo e é um colega muito respeitado em todo o lado. É um percurso enriquecedor. Ele adapta-se rapidamente, tem boa capacidade de adaptação"
Maria José Morgado, antiga diretora do DIAP Lisboa

Rómulo Mateus seguiu para o Kosovo em regime de comissão de serviço na Eulex por um ano, devidamente autorizada pelo Conselho Superior do Ministério Público (CSMP) e renovada em 2014 e 2015.

Quando chegou a junho de 2016, após os três anos de duração duração normal de uma comissão de serviço ordinária, o magistrado português — que tinha sido entretanto nomeado Chefe da Unidade do Crime Organizado no âmbito daquela missão europeia — pediu para continuar, disponibilizando-se a ficar só com uma licença sem vencimento para exercício de funções em organismo internacional.

Assim, cumpriu o que lhe faltava nessa missão até 2018.

Regresso às prisões — para enfrentar a Covid-19 e propor a libertação de 2.200 reclusos.

Após a experiência no Kosovo, Rómulo Mateus voltou a Lisboa, onde passou a integrar desde o final de junho de 2018 o Juízo Central Criminal, sob a coordenação então do procurador-geral-adjunto jubilado José Góis.

O antigo procurador — que liderou o MP num dos julgamentos dos processos do BPP e esteve ligado à Operação Fizz (tendo também passado pelo MP no Supremo Tribunal de Justiça) — guardou uma “boa impressão” de Rómulo Mateus, lembrando que a sua experiência e maturidade dispensaram uma atenção maior na sua integração no tribunal.

“Quando ele foi, como já era um magistrado com grande experiência, não perdi muito tempo a dar formação — como quando iam magistrados novos —, porque já não era necessário”, recorda.

Góis recorda Rómulo Mateus como alguém que é “tecnicamente muito competente”.

"É, tecnicamente, muito competente. Teve uns casos complicados e desenvencilhou-se muito bem. Sabe lidar com a advocacia nestes casos"
José Góis, procurador-geral-adjunto jubilado e ex-coordenador do MP nas varas criminais de Lisboa

Por este tribunal passam atualmente os processos mais complexos — é aqui que será julgada a Operação Marquês — e José Góis admite que, naquela altura, Rómulo Mateus “não tinha uma grande experiência de julgamentos”.

Todavia, isso também não lhe tirou o sono, face ao “empenho” do magistrado: “Teve uns casos complicados e desenvencilhou-se muito bem. Sabe lidar com a advocacia nestes casos”.

Durou pouco tempo esta passagem. Em fevereiro de 2019, agora investida nas funções de ministra da Justiça, Francisca Van Dunem voltou a lembrar-se de Rómulo Mateus para lhe confiar nova tarefa: se em 2009 lhe delegou o Tribunal de Pequena Instância Criminal, agora indicava-o para responsável máximo da Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP), sucedendo ao também procurador Celso Manata (atual juiz conselheiro no STJ).

“Rómulo Mateus tinha já feito uma comissão nos serviços prisionais, em que tinha dirigido o Serviço de Auditoria e Inspeção (SAI). Portanto, era uma pessoa que, pelas indicações que eu tinha na altura, tinha feito um excelente papel enquanto tinha estado no SAI e tinha uma boa relação — não só de conhecimento, mas de à-vontade — com o sistema prisional. Foram esses os fatores que me levaram a nomeá-lo”, explica.

A DGRSP não era, efetivamente, um ‘corpo estranho’ para o magistrado do MP. Afinal, tinha cumprido sete anos no SAI. Contudo, se as greves de então do corpo da guarda prisional já se revelavam um desafio, dificilmente estaria preparado para o que viria no ano seguinte, com o eclodir da pandemia de covid-19.

Para Francisca Van Dunem, esse momento atesta a “coragem” e a “enorme retidão de caráter” de Rómulo Mateus, com a conciliação da proteção aos guardas prisionais, técnicos de reinserção e reclusos. Por sua vez, Maria José Morgado vê-o como uma expressão da persistência e do lado “metódico” que põe no trabalho.

"Todo aquele trabalho de criação de espaços livres de doença, de vacinação de guardas e população prisional, de diálogo franco e firme com as famílias dos reclusos e as associações que os representam, explicando que não era possível fazer visitas em determinados períodos. A visita era uma reivindicação constante e aí é preciso ter alguma firmeza e ser capaz de dizer ’não’. O dr. Rómulo Mateus fez isso"
Francisca Van Dunem, ex-ministra da Justiça

“Todo aquele trabalho que foi feito de criação de espaços livres de doença, de vacinação de guardas e população prisional, de diálogo franco e firme com as famílias dos reclusos e as associações que os representam, explicando que não era possível fazer visitas em determinados períodos. A visita era uma reivindicação constante e aí é preciso ter alguma firmeza e ser capaz de dizer ’não’. O dr. Rómulo Mateus fez isso. Perante situações de maior tensão e dificuldade, não hesita e não age por critérios de oportunidade”, resume a ex-governante.

Uma dessas situações foi precisamente a libertação de cerca de 2.200 reclusos que foi decidida pelo Governo de António Costa, por proposta da então ministra Francisca Van Dunem. Terá sido Rómulo Mateus a propor esta solução para evitar, nas palavras da então ministra da Justiça, “uma catástrofe”. O risco de uma rápida disseminação do novo coronavírus era inerente ao facto de ser impossível separar centenas de reclusos que estavam em cada estabelecimento prisional.

A “boa aposta” na “pessoa indicada” para a Operação Marquês

Rómulo Mateus viu o CSMP rejeitar a renovação da comissão de serviço na DGRSP. Mas foi promovido a procurador-geral adjunto e, em setembro de 2022, entrou ao serviço no Tribunal da Relação de Lisboa.

Apesar da avalanche de recursos e de incidentes processuais promovida pelas defesas de José Sócrates e de outros arguidos, Rómulo Mateus não teve contacto com os autos da Operação Marquês. Entre os 20 procuradores-gerais adjuntos que compõem o quadro do MP na Relação de Lisboa, tal ‘fava’ calhou ao procurador-geral adjunto José Niza — que tinha trabalhado com Mateus no Juízo Central Criminal de Lisboa.

Amadeu Guerra envolveu-se pessoalmente no processo de escolha de Rómulo Mateus para o julgamento da Operação Marquês, ciente da importância absoluta do caso e ao abrigo da sua prerrogativa como PGR e líder de uma magistratura hierarquizada. “É um reconhecimento da capacidade de Rómulo Mateus”, defende Maria José Morgado, que nota também que essa decisão “aumenta a responsabilidade para o julgamento”.

A antiga diretora do DIAP Lisboa — e um dos rostos mais mediáticos do combate à corrupção em Portugal nas últimas décadas — manifesta total confiança na capacidade de resposta do magistrado do MP. “Desempenhará o melhor possível a sua missão e tem uma capacidade de trabalho notável. Para o dr. Rómulo Mateus, as coisas não são difíceis. É a pessoa indicada e não considero que este julgamento seja um fardo para ele. Saberá resolver os problemas. Não é um super-homem, mas é combativo, objetivo, isento e saberá desempenhar o papel adequado às circunstâncias“, assegura.

“É uma boa aposta para um julgamento desta natureza”, complementa José Góis, continuando: “Tenho a certeza de que vai fazer o melhor que puder. No entanto, o sucesso do julgamento não tem sempre a ver com a competência técnica das pessoas… Tenho a certeza de que cumprirá com imparcialidade e que vai fazer a obrigação de qualquer magistrado de respeitar a lei. E se tiver de pedir a absolvição de algum arguido — ou de todos —, certamente o fará”.

Ao que o Observador apurou, estava inicialmente previsto que Rómulo Mateus fosse acompanhado por Rosário Teixeira, o procurador que liderou a equipa de sete magistrados do MP que assinaram a acusação histórica contra José Sócrates e os restantes arguidos. Contudo, Rosário Teixeira não deverá estar presente no julgamento, ficando, juntamente com as procuradoras Inês Bonina e Ana Catalão (que também participaram na equipa original do MP que fez a investigação), num papel de retaguarda.

Para já, está previsto que Rómulo Mateus seja apenas acompanhado na sala de audiências pelos jovens procuradores Nadine Xarope e Rui Real.

Na preparação para o julgamento — que começará este dia 3 de julho —, Rosário Teixeira, Inês Bonina e Ana Catalão estão a ser uma espécie de memória do processo e a trabalhar em plena cooperação com Rómulo Mateus.

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Quando ainda não havia data para o início de julgamento, tal não impediu que Rómulo Mateus tivesse tomado decisões relevantes no processo que podem ditar mudanças com impacto no julgamento dos 21 arguidos (18 individuais e três empresas) e dos 117 crimes económico-financeiros.

A proposta de autonomização dos factos relativos a Vale do Lobo para um julgamento separado e urgente foi disso exemplo. Um olhar objetivo e pragmático sobre os autos detetou um risco real de prescrição desta matéria, após quase 12 anos de investigação, recursos e litigância.

A preocupação com a celeridade do processo é, segundo Francisca Van Dunem, inerente ao perfil pessoal de Rómulo Mateus e que sustenta a sua convicção pessoal de que o magistrado de 62 anos fará “bem” este julgamento. “Estou segura de que da parte dele nunca faltará iniciativa para que o processo ande. É uma pessoa com enorme sentido de responsabilidade e nunca faria uma coisa que retardasse o processo”, adianta.

https://observador.pt/2025/02/01/operacao-marques-mp-quer-separar-armando-vara-e-arguidos-ligados-a-vale-do-lobo-para-outro-julgamento/

A ex-ministra da Justiça reconhece que a Operação Marquês não é um processo como todos os outros, pela sua importância política e social para a democracia portuguesa, e que “ninguém faz um julgamento destes sem ficar marcado” por uma situação “absolutamente excecional”.

Contudo, se há alguém que Francisca Van Dunem vê como capaz de levar este caso “em condições” até ao fim, é Rómulo Mateus: “É um magistrado notável”.