Em atualização
Chama-se Taleb A., tem 50 anos e é médico. É a descrição em traços gerais do homem, natural da Arábia Saudita, que no final da tarde desta sexta-feira foi detido por atropelar uma multidão numa feira de Natal em Magdeburgo, na Alemanha. A pegada digital que deixou para trás, e que foi horas mais tarde partilhada pela imprensa alemã, revela que é simpatizante do partido de extrema-direita AfD, fã de Elon Musk e que se diz ativista pela defesa das “mulheres sauditas requerentes de asilo que a Alemanha quer destruir”.
O primeiro-ministro da Saxónia-Anhalt, Rainer Haseloff, revelou que o suspeito do crime, que vitimou mortalmente pelo menos quatro pessoas, uma delas criança, é um psiquiatra que trabalha na região e terá entrado na Alemanha em 2006. Foi reconhecido como refugiado em julho de 2016 e detinha atualmente a autorização de residência permanente.
As autoridades revelaram, ainda, que o homem, detido enquanto fazia marcha-atrás com o BMW após atropelar dezenas de pessoas reunidas na feira de Natal, não estava referenciado pelas autoridades. O jornal regional Mitteldeutsche Zeitung, avançou que a polícia efetuou buscas na casa do atacante, em Bernburg.
[Já saiu o primeiro episódio de “A Caça ao Estripador de Lisboa”, o novo podcast Plus do Observador que conta a conturbada investigação ao assassino em série que há 30 anos aterrorizou o país e desafiou a PJ. Uma história de pistas falsas, escutas surpreendentes e armadilhas perigosas. Pode ouvir aqui, no Observador, e também na Apple Podcasts, no Spotify e no Youtube.]
Uma entrevista com cinco dias sobre ativismo na “defesa de ex-muçulmanos”
Como revelado pela imprensa alemã, o homem suspeito do atropelamento mortal foi entrevistado há poucos dias por um site dedicado à partilha de conteúdo centrado na defesa dos “valores judaico-cristãos”. Na entrevista, o árabe é descrito enquanto ativista. “O seu ativismo começou em 2016, quando uma mulher saudita o contactou no Twitter [ndr: agora X], procurando desesperadamente ajuda para escapar à perseguição islâmica“, refere-se na apresentação.
“O Dr. Taleb rapidamente deu por si a ajudar refugiados genuínos e requerentes de asilo, principalmente ex-muçulmanos, da Arábia Saudita e não só — incluindo casos chocantes em países ocidentais como o Canadá”, acrescenta-se.
Este sábado, o procurador-geral de Magdeburgo confirmou que ainda não são claras as motivações do atacante. Em conferência de imprensa reconheceu, porém, “que o contexto pode ser o descontentamento com a forma como os refugiados sauditas são tratados na Alemanha”.
Na entrevista ao RAIR Foundation USA, o médico defende que a Alemanha criou uma agenda de acordo com a qual os “jihadistas islâmicos” que “chegam à Alemanha sob o pretexto de procurar asilo são recebidos de braços abertos, muitas vezes sem qualquer controlo ou análise séria”. “É dada uma prioridade desproporcionada a estes migrantes, independentemente do seu alinhamento com o terrorismo islâmico ou do seu impacto nas sociedades ocidentais”, garantiu Taleb A.
Já os ex-muçulmanos, segundo ele, “aqueles que corajosamente rejeitaram a opressão da Sharia” são colocados de lado. “Os seus pedidos de asilo são indeferidos e as suas vidas voltam a estar em perigo. Estes indivíduos, já ostracizados e perseguidos nos seus países de origem, enfrentam um novo ataque às suas liberdades na Europa, um lugar que acreditavam ser um santuário”, defendeu.
A revista alemã Der Spiegel analisou as contas de redes sociais que se pensam ser do alegado atacante. Taleb A. que tem um historial de presença online extenso, mostra-se nas publicações como simpatizante da AfD, o partido de extrema-direita alemão, que já veio garantir que o saudita não é militante nem que nunca foi feito um pedido de adesão. Há oito anos, escreveu no Twitter que queria iniciar um projeto com o partido: uma academia para ex-muçulmanos.
Além disso, também fez comentários de apoio a Elon Musk, ao ativista de extrema-direita anti-imigração Tommy Robinson e ao teórico da conspiração Alex Jones.
Na pagina do X que alegadamente lhe pertence, Taleb A. apresenta-se como “opositor militar saudita” e refere que “a Alemanha persegue as mulheres sauditas requerentes de asilo, dentro e fora da Alemanha, para destruir as suas vidas”. Acrescenta que a “Alemanha quer islamizar a Europa”. Na foto de capa da página figura uma AR-15, a arma de fogo associada a muitos dos tiroteios nos EUA.
Em junho deste ano, o suspeito terá feito uma repartilha na mesma rede social da líder do partido, Alice Weidel, escrevendo a acompanhar: “A esquerda é louca. Precisamos da AfD para proteger a polícia deles próprios.” Também terá divulgado posts da ativista de extrema direita afiliada à AfD, Naomi Seibt, com a seguinte citação em inglês: “A tirania é baseada na docilidade dos covardes. Eu escolho ser corajoso”.
Além disso, foi republicada uma montagem fotográfica em que a ex-chanceler Angela Merkel segura nas mãos uma placa com a inscrição “Eu destruí a Europa”.
Nas redes sociais, circula uma suposta imagem do atacante, bem como um vídeo do momento em que este é detido pela polícia alemã.
https://twitter.com/theinformant_x/status/1870203071768178760
A polícia de Magdeburgo isolou o local porque havia suspeitas de um explosivo no carro, mas a análise ao local desmentiu essa hipótese. As autoridades chegaram a admitir que o atacante podia não ter agido sozinho, o que foi posteriormente descartado. O carro com que o autor do crime se dirigiu para a multidão, “pelo menos 400 metros adentro do mercado de Natal”, foi alugado.
O maior crítico do Islão, a espionagem da Arábia Saudita e uma publicação apagada sobre um possível ataque
No início de agosto, uma jornalista do Frankfurter Allgemeine recebeu uma mensagem do ex-muçulmano xiita a revelar que tinha na sua posse documentos que provavam “que as autoridades alemãs estão por detrás dos atos contra os pobres requerentes de asilo sauditas” depois de, em 2019, ter dado uma entrevista ao mesmo jornal sobre como ajudava as mulheres da Arábia Saudita a conseguirem asilo na Alemanha, garantindo, na época, que aquele era “um bom país”, estando ainda satisfeito com o sistema. Na entrevista de 2019, descreve-se como o “crítico mais agressivo do Islão em toda a história”.
Ainda sem serem conhecidas as motivações do ataque, uma fonte da Arábia Saudita revelou à Reuters que há cerca de um ano o reino já tinha alertado as autoridades alemãs sobre Taleb A, que defende agora que a Alemanha quer islamizar a Europa. Segundo a agência de notícias de DPA, que também cita fontes, as autoridades alemãs nunca responderam ao aviso saudita.
A CNN, por seu turno, diz que as autoridades sauditas avisaram a Alemanha por três vezes. Segundo uma fonte, que falou ao canal norte-americano sob condição de anonimato, o primeiro aviso foi feito em 2007 e estava relacionado com a preocupação da país de origem sobre visões radicais expressadas por Taleb A.
A mesma fonte disse que o homem era considerado um fugitivo e que a Arábia Saudita pediu a sua extradição entre 2007 e 2008, um pedido que foi negado por Berlim, citando preocupações com a segurança do individuo caso ele regressasse. As autoridades sauditas alegaram que Taleb A. tinha assediado sauditas que viviam no estrangeiro que se opunham às suas visões políticas, notaram também que se tinha tornado apoiante da AfD e que tinha desenvolvido visões anti-islâmicas radicais.
Foi também contra a Arábia Saudita que o médico se apresentou à rádio e televisão pública alemã DW quando em março de 2021 enviou uma mensagem pelo X a revelar que estava a ser espiado tanto pelo país como pelos sauditas na Alemanha.”Ele acusou também as autoridades alemãs de não o levarem a sério e de não agirem”, recorda a DW.
Numa outra mensagem do médico, em outubro de 2023, lê-se: “Eles recusaram-se a abrir uma investigação. Com o argumento de que não há interesse público. Deixam um refugiado saudita exposto a intimidação, vigilância e perseguição, sem sequer efetuarem uma investigação de uma hora para obterem, pelo menos, uma primeira impressão.” Este ano, ofereceu-se para ir à DW apresentar as suas provas, mas, sem receber resposta, quebrou o contacto com a rádio.
Agora, o Frankfurter Allgemeine veio desenterrar uma publicação feita por Taleb A. no X em agosto de 2023— e apagada pelo próprio usuário — na qual sugeria que podia vir a realizar um ataque como o de sexta-feira. “Uma questão puramente filosófica: Culpavam-me se eu matasse aleatoriamente 20 alemães porque a Alemanha agiu contra a oposição saudita?“, escreveu. Não é ainda claro se foi esta a pergunta que deu origem aos avisos das autoridades sauditas sobre Taleb A. à Alemanha.