Muito se tem falado nos últimos dias sobre a questão da perceção. Numa era de cada vez maior polarização política, o apelo á emoção, a manipulação de perceções em detrimento dos factos encaminha-nos para uma deriva e retórica perigosa que no caso Português, dada a inédita fragmentação do Parlamento, pode levar a uma deriva em que poderá ser difícil de estancar.
Julgo ser da maior relevância, escrever sobre a questão dos imigrantes. Quando se define uma retórica negativa contra uma determinada franja da sociedade, isso levará invariavelmente a uma estigmatização, discriminação e hostilidade.
Dessa forma, e especialmente quando a situação é mais premente, importa aos responsáveis políticos um sentido de estado que trace uma clara divisão entre perceção e realidade para que não só evite situações de conflito como também aproximar as decisões políticas o mais possível da verdade. Seguem alguns dos casos mais recentes
Saúde
Existe uma perceção generalizada de que a recente alteração á lei de bases da saúde é resultado de um abuso na utilização dos cuidados de saúde no SNS por parte dos imigrantes que vêm trabalhar para Portugal.
Conforme retórica do CHEGA e conforme declarações do seu presidente que “recusa um humanismo bacoco” afirma também que “se não há para os nossos, não haverá para ninguém, porque foram eles que pagaram o nosso SNS”
Ou, citando um dos seus vídeos André Ventura, “é particularmente interessante que este Governo diga que damos saúde a todos, os que chegam cá de qualquer maneira. De comboio, de barco, sejam legais ou ilegais, mas não querem dar a mesma saúde aos emigrantes Portugueses no Estrangeiro” referindo-se a uma alteração no RNU (Registo Nacional de Utentes), mentindo de forma descarada.
Realidade: 102 182 estrangeiros não residentes foram atendidos sendo que 43264 não tinham seguro de saúde. Ora segundo os números da Administração Central de Saúde, em 2023 foram realizadas cerca de 13 Milhões de Consultas de especialidade. Falamos de um valor na casa dos 0.79% das consultas realizadas.
Conforme descrito na Assembleia da República pelo antigo Bastonário da Ordem dos Médicos e atual deputado da AD Miguel Guimarães. Estes casos não se enquadram no chamado fenómeno de “turismo de saúde”. Aquando da apresentação da proposta dos sociais-democratas, o médico defendeu que este fenómeno “não tem nada a ver com a imigração, já que se refere a estrangeiros não residentes em Portugal, nem se confunde com o chamado turismo de saúde, pois trata-se de uma utilização abusiva do SNS”.
Segurança
Outra das mais propaladas perceções é a de que existe um clima de insegurança, nomeadamente relacionado com o aumento da imigração e que Portugal se tornou um país perigoso.
Ora na realidade e de acordo com a Global Peace Index, Portugal surge como o 7.º país mais seguro do mundo, apenas superado pela Islândia, Irlanda, Áustria, Nova Zelândia, Singapura e Suíça.
Como resultado dessas perceções, foi realizado no presente mês de Dezembro de 2024, uma rusga no bairro do Martim Moniz que mobilizou Equipas de Intervenção Rápida, Equipas de Prevenção e Reação Imediata, Equipas de Trânsito de Investigação Criminal e fiscalização num total que ronda 100 agentes mobilizados.
Para a história, para além das infelizes imagens ficam a registar, a saber:
- Duas detenções: uma por posse de droga e arma branca e outra por suspeita de furtos.
- Uma Centena de Artigos Contrafeitos
- Aproximadamente 3870€ em numerário.
Resultados relativamente confusos para um Governo que se propunha em tornar a Administração Pública mais transparente e eficiente.
Emigração e Criminalidade
Lá diz o ditado que uma mentira contada muitas vezes, se torna verdade. André Ventura e o Chega não se têm coibido de perseguir esse objetivo com o intuito de querer associar aquilo que não tem qualquer correlação.
Em Novembro numa manifestação realizada para o Porto “Contra a Imigração Descontrolada”, o ex-comentador de futebol da CMTV disse: “Eles querem-nos vencer dizendo que quem fala de imigração vai parar à prisão”, acrescentando “quem vai parar à prisão é o ladrão”. “Ameaçam-nos com prisão, mas nós vamos sair à rua e vamos lutar pelos vossos filhos e pelos vossos netos”.
E aqui vamos ter novamente á perceção. Segundo o Barómetro da Fundação Francisco Manuel dos Santos, 67,4% dos Portugueses acredita que os imigrantes têm um impacto significativo do aumento da criminalidade.
O problema é que nada desta narrativa tem aderência á realidade. Quer na cidade do Porto quer no resto do país, o peso da população reclusa está sensivelmente alinhado com o peso da população estrangeira em Portugal (12,9% e 10% respetivamente).
Num estudo realizado recentemente em setembro de 2024 concluiu inclusive que os municípios portugueses com maior proporção de imigrantes apresentam, na realidade, menores taxas de criminalidade. Esta investigação sugere que a presença de imigrantes não está associada a um aumento da criminalidade e pode, em alguns casos, correlacionar-se com uma redução.
A Imigração e os benefícios da Segurança Social
Outra das perceções difundidas exaustivamente por parte da comunidade política em Portugal está na ideia que os imigrantes vêm para Portugal para poder usufruir dos benefícios da Segurança Social sem contribuírem com nada em troca.
Filipe Melo, deputado do CHEGA , referia que “Os imigrantes, vêm beneficiar da Segurança Social que os nosso pais e avós pagaram anos e anos” referindo ainda que “Sabemos receber melhor que ninguém, nas não nos peçam para receber de toda a gente de mãos abertas, com pensões de 330 euros, e a pagar mil e tantos euros a quem nunca contribuiu nada para o nosso país”
No entanto, tudo isto é falso. Em 2023 foi batido o recorde de contribuições dos imigrantes para a Segurança Social (2.677 Milhões de Euros) ao passo que as prestações sociais somaram 483 Milhões de Euros.
Sim senhor leitor, os imigrantes contribuíram com um saldo positivo de mais de 2.200 Milhões de Euros com a comunidade Brasileira a ser a principal contribuidora (29%).
Infelizmente é caso para dizer, de boas perceções está o inferno cheio