Bernardo Blanco surpreendeu ao decidir ficar fora da nova Comissão Executiva da Iniciativa Liberal, mesmo quando tinha sido promovido a vice-presidente pelo próprio Rui Rocha e o atual presidente liberal decidiu recandidatar-se. Mas descartou ficar apenas como deputado nos próximos dois anos. Anunciou que seria cabeça de lista ao Conselho Nacional — órgão que tanto trabalho já deu à corrente da liderança —, e continua a jurar a pés juntos que não entrou em rutura com Rocha. Feitas as contas, o que podia ser visto como um afastamento da vida interna da IL pode ser, afinal, a preparação do tão ambicionado cargo: presidente da IL.
Um passo atrás para dar dois à frente. Bernardo Blanco entrou pela primeira vez numa Comissão Executiva da IL pela mão de Carlos Guimarães Pinto, numa Convenção realizada a 13 de outubro de 2018 e não mais saiu. João Cotrim Figueiredo manteve-o na direção do partido e Rui Rocha até o promoveu a vice-presidente. Já passaram seis anos desde que passou a fazer parte do núcleo mais revelante da hierarquia liberal e uma renovação deixaria Blanco com impedimento estatutário de continuar na direção daqui a dois anos.
Os estatutos da Iniciativa Liberal dizem que os mandatos dos titulares de órgãos do partido “duram por dois anos, com efeito da respetiva eleição, sendo renováveis” e “se, em renovação, completar uma duração de oito anos como titular do mesmo órgão, não será elegível para novo mandato na eleição sequente para esse órgão”. Ora, se Blanco decidisse manter-se na Comissão Executiva com Rocha mais dois anos, perderia a possibilidade de se candidatar em 2027 por limitação de mandatos. Era uma limitação de secretaria.
A realidade até pode fazer com que Bernardo Blanco não seja candidato à liderança da IL em 2027, mas fica com a ficha limpa para mais oito anos — o que vai facilitar em muito a ambição que nunca escondeu de chegar à liderança do partido. Com esta estratégia, Blanco não fica totalmente afastado da vida interna do partido, ao estar presente no Conselho Nacional, e obviamente ao manter o lugar de deputado. Sai da direção, mas fica com um pé dentro do partido. Até lá, pode até aceitar um grande voo nas eleições autárquicas.
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A ambição nunca negada
Nem é uma ideia secreta que Bernardo Blanco é visto por muitas pessoas dentro do partido como um futuro líder da IL e, mais relevante ainda, o próprio não só nunca o negou como reconheceu que esse é um “desejo”. O próprio João Cotrim Figueiredo, em dezembro de 2021, no arranque da VI Convenção da Iniciativa Liberal, traçou o destino ao agora deputado (que tinha ido buscar para o seu gabinete parlamentar quando ali aterrou como deputado único): “Bernardo, sei que um dia serás primeiro-ministro, espero que seja deste país.”
Ouvidos pelo Observador quando Bernardo Blanco ficou debaixo dos holofotes à boleia da prestação na comissão parlamentar de inquérito à gestão da TAP e atingiu o estatuto de deputado-estrela, muitos liberais não tiveram pruridos em descrevê-lo como a “nova Mariana Mortágua” ou a “Mariana Mortágua da IL”, enquanto outros lhe antecipavam um futuro de sucesso à frente do partido.
Nessa altura, os três presidentes da IL que contaram com Bernardo Blanco na direção não só lhe fizeram rasgados elogios como alinharam numa palavra em comum: “Futuro.” Exatamente a mesma palavra que Bernardo Blanco está disposto a alimentar até lá chegar.
Em boa verdade, ao contrário das tradicionais hesitações e dos momentos em que se alimentam dúvidas sobre intenções futuras na política, Bernardo Blanco nunca andou a fazer-se de desentendido nem tão-pouco a fugir ao assunto. Sempre assumiu a ambição de vir a presidir aos liberais quando chegasse o momento certo.
A última dessas ocasiões aconteceu durante declarações à Rádio Observador, quando disse que estará “sempre disponível para contribuir para o crescimento futuro do partido” e confirmou a tal ambição: “Tenho esse desejo, sempre o disse, mas não é o momento.”
https://observador.pt/especiais/bernardo-blanco-um-fenomeno-mortagua-que-deixa-a-il-a-suspirar-por-um-lider-de-futuro/
O caminho até à liderança
No entretanto, Blanco está aparentemente a construir esse caminho paulatinamente. Quando lançou a lista ao Conselho Nacional, que intitulou de “Juntos Fazemos o Futuro”, fez questão de sublinhar que é composta por “pessoas que já estiveram em diferentes listas, com o objetivo positivo de ultrapassar o passado rumo ao futuro” — com a clara pretensão de uma união que tem estado desaparecida desde a reunião magna em que Rui Rocha, escolhido para substituir João Cotrim Figueiredo, foi eleito presidente do partido.
Em declarações na Rádio Observador, já depois de conhecida a candidatura, esclareceu que há a necessidade de ultrapassar um “passado que é público, de divisões depois da saída do João Cotrim Figueiredo”, mostrando que “é possível ter uma lista de pessoas que estiveram em listas diferentes, mas que podem colaborar juntas rumo a esse futuro”.
E disse mais: quer “investir mais tempo a fazer política para fora do que para dentro” com o objetivo de ter o Conselho Nacional a “debater mais política e menos burocracia interna”. Nos últimos anos, as divergências internas têm levado a IL a dedicar-se em várias ocasiões à burocracia do partido, sendo que o auge dessa dedicação aconteceu na Convenção Estatutária que acabou sem qualquer decisão e deixou os estatutos exatamente na mesma — e depois de a oposição interna se ter unido e dedicado ao tema durante meses.
Seja como for, Blanco parece empenhado em desvalorizar esses temas quando diz que vai procurar que o órgão máximo entre convenções debata “menos burocracia interna” — mas por muito boas que sejam as intenções que profere, os liberais continuam sem uns estatutos novos, alegadamente mais adequados à dimensão do partido, já depois de os dois lados terem concordado que era importante haver alterações. Uma coisa é certa: até que haja novos estatutos a IL terá de se governar com os atuais, em que o grande motivo de discussão continua a ser o poder das inerências da direção.
O peso de Blanco, os incumbentes e os mileístas: o próximo Conselho Nacional da IL
Por tradição, a corrente da liderança apadrinha uma lista ao Conselho Nacional da IL. Também por tradição, a lista candidata à Comissão Executiva até tem a mesma letra do que essa equipa que se candidata à direção. Mas Bernardo Blanco pode bem ter sido o responsável por tudo isso ter mudado.
Rui Rocha foi o primeiro a deixar o caminho livre quando, durante uma entrevista ao NOW, apelidou de “excelentes notícias” o facto de Bernardo Blanco ter “decidir avançar” e garantiu: “Nestas eleições não apoiarei nenhuma das listas do Conselho Nacional.”
Já Bernardo Blanco tinha dito no Observador que as pessoas “são livres para apoiarem e para votarem em quem quiserem”, sublinhando que espera ter o “voto de muitos” dos atuais elementos da direção.
Ora, a verdade é que a lista incumbente, que foi liderada por Mariana Leitão e acabou por escolher Nuno Santos Fernandes para presidente do Conselho Nacional, vai mesmo a votos, desta vez com Pedro Ferreira, atual vice-presidente deste órgão interno, como cabeça-de-lista. A existência de duas listas pode até dividir os votos da corrente da liderança para o Conselho Nacional, mas no final das contas nenhuma destas se transformará numa oposição interna a Rui Rocha e isso até pode ser positivo para a atual direção, que muito se debateu no Conselho Nacional com vozes desalinhadas — ainda que ao longo dos últimos dois anos tenham conquistado alguns liberais para o seu lado. Prova disso será a número dois da lista X, de Pedro Ferreira, Marta Von Fridden, que chegou a estar ao lado de Rui Malheiro na última candidatura ao Conselho Nacional.
“A Lista X conta com uma significativa renovação ao nível dos seus candidatos, enquanto apresenta nomes que trazem consigo a experiência necessária para as reformas que se impõem”, pode ler-se no comunicado de apresentação da lista, onde se garante que o objetivo é contribuir para a existência de um Conselho Nacional “plural e eficaz, numa atitude positiva para o futuro da Iniciativa Liberal e de Portugal”.
Mas há mais. Ao todo já se chegaram à frente seis listas para o Conselho Nacional. Uma delas é a lista T, com o lema “Todos Diferentes, Todos Liberais”, que há dois anos tinha como cabeça-de-lista Miguel Ferreira da Silva, e elegeu 14 conselheiros nacionais. Desta vez, André Serpa Soares é o número um da lista que considera que a IL deve ser “o partido de todos os liberais” e que deve acolher “diversas perspetivas ideológicas dentro da matriz do liberalismo social, político e económico”.
A lista defende também que a IL deve “reforçar o seu papel como partido reformista, liderando a transformação em áreas críticas como a reforma do Estado, educação, saúde, justiça, segurança social, habitação, fiscalidade ou imigração”. “Mais do que ideias, a IL precisa de propor soluções concretas”, sublinha.
Também a lista A, que tem como número 1 Francisco Cudell, vai a votos na próxima Convenção da IL e pretende garantir que “o Conselho Nacional funciona de forma independente, com legitimidade, cumprindo o seu papel de acompanhamento político e de escrutínio” e tem como objetivo “a implementação de regras claras que assegurem a separação de poderes dentro do partido”.
Além de propor a existência de “mecanismos rigorosos de prestação de contas, assegurando a sua divulgação de forma clara, transparente e atempada”, a lista A entende que todos os membros devem ter “acesso à informação relevante sobre a gestão corrente do partido, execução orçamental e estado do cumprimento da Moção de Estratégia Global ao longo do mandato”, propondo também “descentralizar a estrutura partidária” e dar “maior autonomia aos núcleos territoriais”.
Na lista D, que em tempos foi liderada por Rui Malheiro, atual candidato à liderança da Comissão Executiva, Paulo Ricardo Lopes é o número um e pretende um “Conselho Nacional exigente e capaz de colaborar com a Comissão Executiva”, sendo que defende “um partido alicerçado nos membros, cada vez mais capaz de os capacitar e transformar em promotores ativos do Liberalismo pelo país”.
Além da apresentação da candidatura, a lista D destacou ainda a importância das eleições autárquicas, frisando que “é fundamental garantir o apoio às decisões dos núcleos territoriais”. “A forma primordial do partido se apresentar às eleições deverá ser isoladamente, com as nossas ideias e candidatos”, diz ainda, apontando que “possíveis coligações devem ser avaliadas, mas sempre passando por um processo mais exigente de avaliação”.
A Iniciativa Liberal vai contar ainda com uma uma lista ao Conselho Nacional inspirada em Javier Milei, presidente da Argentina. Encabeçada por Jorge Pires, “a lista M surge como elemento ideológico e tem como objetivo materializar na forma interna as ideias liberais de estado mínimo e máxima responsabilidade individual”, pretendendo “aproveitar aquela que é a nova vaga liberal representada principalmente por Javier Milei, que através do liberalismo tem feito uma recuperação impressionante da economia Argentina”. O objetivo da lista é “eleger um conselheiro nacional” e, com isso, “marcar o território ideológico”.
[Notícia atualizada com informação sobre uma das listas candidatas ao Conselho Nacional da IL]