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Um Natal Digital: Uma Lenda do Futuro Próximo

Se esta lenda é verdadeira, ninguém sabe ao certo. Claro que, segundo os dados que tenho, o Natal era muito mais ineficiente antes. Mas parece que havia algo... especial. Queres mais informação?

Joana Russinho
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– Nannybot, como era o Natal antigamente?

Nannybot, robô caseiro de companhia da família Reis, alinhou as lentes para olhar para criança:

Reza a lenda que, numa época muito distante, o Natal começou a transformar-se. Dizem que começou devagar, com pequenas mudanças, como sempre foi e sempre será. Vou falar-te de algumas dessas alterações.

O Pai Natal, que no início dos tempos era uma figura do imaginário infantil que lembrava um avô terno, de sorriso pronto, barrigudo e com uma farta barba branca, acabou empurrado para o estrelato digital. Crianças e adultos já não se contentavam em sentar-se ao colo de sósias nos grandes centros comerciais da altura. Queriam vê-lo, sempre que lhes apetecesse, e de forma imediata. Dizem que foi assim que se tornou um grande influencer nas redes sociais, com reels que somavam milhões de visualizações. Nesses reels, desde duendes malabaristas a unboxings virtuais dos sites mais aguardados do ano, cada publicação era um fenómeno viral. As renas? Não desapareceram, mas juntaram-se-lhes os drones que sobrevoavam os céus, entregando os pedidos das crianças (recebidos através de sonhos manipulados pelos pais) com a precisão de um GPS.

Dizem também que as famílias — a esmagadora maioria separadas pelo mundo fora — encontraram uma nova forma de se reunir para festejar. Entravam na sala de jantar no Metaverso e, à volta de mesas virtuais, ligavam-se através de videochamadas com hologramas para partilhar refeições, contar criptomodeas e, claro, competir nos jogos online. Os tradutores online, com todos os idiomas existente, garantiam que as diferentes Línguas não criavam barreiras à comunicação. Dizem também que dispositivos de realidade virtual permitiam dar “beijos e abraços digitais” que simulavam o toque humano. Ninguém sabe o que aconteceu aos hashtags.

As histórias ainda mais antigas falam de um Natal onde se penduravam meias junto à lareira! Consegues imaginar? Eu mostro-te uma imagem no ecrã. Não te rias. Acabaram-se as meias e os próprios brinquedos foram repensados. Começaram a ser muito procuradas as ofertas em segundos: subscrições de serviços de streaming, obras de arte digitais e até experiências com realidades alternativas no metaverso. O ritual de desembrulhar embalagens deu lugar ao de abrir links enviados para os telemóveis ou tablets.

Sobre as decorações que eram utilizadas — das quais tenho registo de aromas a musgo, pinheiro e lenha queimada — há evidências da sua não continuidade. As habitações eram cenários projetados pelas Siris de cada família, com neve a cair, árvores de Natal 4D, presépios com figuras em movimento e nannybots menos evoluídas do que eu.

Dizem os mais velhos que, apesar de toda esta (r)evolução, o Natal não perdeu a sua essência. Que, mesmo naquela era, as pessoas encontraram formas de partilhar carinho e de se unirem, mesmo que não presencialmente. Mas há quem jure que, às vezes, se sentia a falta de algo — fala-se do calor de um abraço em pessoa, do toque de uma mão real, do simples som de gargalhadas e de lágrimas de saudade. Disso não percebo.

Se esta lenda é verdadeira, ninguém sabe ao certo. Claro que, segundo os dados que tenho, o Natal era muito mais ineficiente antes. Mas parece que havia algo… especial. Queres mais informação?

– Não, obrigada. O Natal era mesmo muito diferente do que é agora. No entanto, percebo que o espírito natalício, por mais que os tempos mudem, dependerá sempre daquilo que cada um sentir e partilhar.