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Popota, a hipopótama cor-de-rosa que ficou com o lugar de Leopoldina: do elefante de peluche à ascensão a "lenda pop do Natal"

Era para ser elefante, nasceu cor-de-rosa e cresceu inspirada na Beyoncé. Popota é sinónimo de Natal, mas a personagem vai para lá da época festiva. Pouco consensual, não se escapa a críticas.

Carolina Sobral
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Todos os anos, por volta de novembro, há uma figura que percorre as televisões portuguesas anunciando que o Natal está a chegar. Reconhemo-la pela voz e pela cover da música pop que interpreta — muitas vezes uma qualquer canção que tenha andado pelos ouvidos dos portugueses naquele último ano — e, mais importante, pela cor. Falamos da Popota, a hipopótama humanizada que todos os Natais ganha vida na campanha de brinquedos do Continente. “Lenda pop do Natal” para os mais chegados, a Popota está há quase 20 anos no mercado, tendo tomado conta do papel de Leopoldina, a avestruz do Mundo Encantado dos Brinquedos que marcou uma geração de crianças.

Um quase Pai Natal e uma muito mal comparada Mariah Carey (versão portuguesa), “é um bocadinho como a All I Want For Christmas is You“, sugere Sérgio Soares, diretor de Estratégia e Publicidade do Continente. Quando a ouvimos sabemos que é tempo de época festiva — e tempo também de começar a pensar nas prendas, brinquedos ou não. Ao longo dos anos já cantou com uma versão hipopótamo de Tony Carreira, dançou ao som de Buraka Som Sistema, foi JLo com On The Floor, fez parte dos LMFAO, desfilou com os anjos da Victoria’s Secret e fez um dueto com o youtuber brasileiro Luccas Neto. “É aquela personagem sobre a qual ninguém fica indiferente, não é absolutamente consensual, mas é maioritariamente muito querida e mimada pelo público no geral”, acrescentou Sérgio Soares, revelando que a campanha da Popota apresenta os melhores resultados de todo o ano. “Isso revela bem o entusiasmo que a Popota vai conseguindo renovar todos os anos com os nossos clientes.”

Esses clientes são, em especial, as crianças. São elas que fazem da Popota o sucesso comercial que é hoje e foram também elas que, na verdade, no início dos anos 2000, fizeram com que a personagem ganhasse vida. Ainda antes de se sonhar com uma rainha do Natal pop cor-de-rosa, andava Leopoldina a voar pelo Mundo Encantado dos Brinquedos, quando o Modelo fez uma campanha de Natal onde um grupo de brinquedos seguia num avião quando o Pai Natal — só com um patinho de borracha no saco — contacta os pilotos a alertar que “precisava de mais”. Estes começam depois a saltar um a um de paraquedas:

O anúncio é de 2004 e foi aqui que apareceu pela primeira vez aquela personagem que se transformaria em Popota. O grupo de brinquedos era composto por bonecas, robots, nenucos e por um peluche de um hipopótamo cor-de-rosa — que originalmente seria um elefante da mesma cor. Porquê a mudança para um hipopótamo? Porque, na época, o elefante era o símbolo do Jumbo — hoje Auchan. “No anúncio há uma cena em que ela fica entalada no avião e tem de ser, literalmente, empurrada para fora. E aí chegámos à conclusão de que o elefante era o símbolo do Jumbo e que podia ter uma má leitura. Por isso decidimos trocar para uma hipopótama”, explicou Alexandre Montenegro, co-fundador da produtora e realizadora Show Off | MOLA, responsável pela realização do filme na época, em conjunto com Luciano Ottani.

Quando chegou o momento de apostar numa mascote a solo, foi tempo de olhar para aquele grupo de brinquedos ou, como lhe chama Alexandre Montenegro, “Turma Modelo”. “Pensámos em quem é que teria mais potencial para se tornar numa diva pop. Uma Bratz ou Barbie? A verdade é que esses bonecos já existem. A Popota surgiu aí, com o cliente a querer apostar as suas fichas a transformar em heroína o peluche de hipopótama cor-de-rosa”, explicou.

No entanto, voltando às crianças, essas também tiveram voto na matéria. Ao Observador, João Madeira, co-CEO e Diretor da Fuel, a agência de publicidade que trabalha hoje em dia com o Continente na criação da Popota, explicou que, depois dos anúncios com a “Turma Modelo” terem ido para o ar, a personagem com melhores resultados nos estudos e testes de focus group foi o hipopótamo. “Ou seja, quando mostraram a campanha aos miúdos, eles adoraram o hipopótamo”, acrescentou.

“Chama mais à atenção porque é maior, é mais fofinha e é cor-de-rosa. Nesse momento, o Modelo percebeu que podia ter ali a sua mascote”, tal como o Continente tinha a Leopoldina. E assim foi. Deram-lhe um tratamento de personagem, com características mais humanizadas, e “foi assim que nasceu a Popota”.

Do Mundo Encantado dos Brinquedos à lenda pop do Natal

Lançada oficialmente três anos depois, a Popota ainda conviveu em paralelo com a Leopoldina durante uns quantos Natais. O primeiro anúncio do Modelo com a hipopótama cor-de-rosa foi para o ar em 2007 fazendo referência a um “espetáculo de brinquedos” que apenas podia ser vivido naquele supermercado da Sonae. Inspirada na artista norte-americana Beyoncé, a Popota apresenta-se assim como uma diva pop num mundo de espetáculo, música e brilho.

Ao mesmo tempo, a avestruz amarela continuava as suas aventuras com as crianças dos anos 90 e início do anos 2000 sem saber que dali a quatro anos já não voltaria a sair do camarim para representar o Natal. Em vez disso, foi gradualmente reposicionada, focando-se na então Missão Sorriso — agora Missão Continente — em iniciativas de responsabilidade social: “Esta transição refletiu uma estratégia da marca para que a Leopoldina pudesse simbolizar valores como a partilha e a aprendizagem e a Popota trouxe uma abordagem mais lúdica, apelando à diversão, dança e música, elementos que captam a atenção de crianças e famílias de forma mais descontraída”, lê-se num esclarecimento do Continente enviado ao Observador.

“A Popota ficou destinada à função de anunciar o Natal e tendo uma abordagem muito mais descontraída permite-nos aproximar de targets que não trabalhamos tanto ao longo do ano, promovendo assim um maior envolvimento da nossa marca com públicos que também são muito importantes para nós”, explicou o diretor de Estratégia e Publicidade do Continente, acrescentando ainda que o reposicionamento da Leopoldina surgiu porque “não fazia muito sentido” ter duas mascotes a anunciar o Natal quando, para o cliente, o Modelo e o Continente eram uma única marca.

A partir de 2011, a Popota passou assim a ser a mascote oficial do Natal do Continente sendo, nos dias de hoje, um dos principais ativos da marca. Ao longo dos anos tornou-se numa figura amplamente reconhecida e também numa “espécie de ícone da cultura pop portuguesa”, descreve o Continente. Porquê restringi-la apenas a esta época? “É sempre uma conversa que está em cima da mesa e já várias vezes pensámos se seria interessante ela ocupar mais espaço da nossa comunicação noutros momentos do ano”, respondeu Sérgio Soares, acrescentando que o Continente não quer “torná-la uma companheira de todos os dias”. “Senão temos de inventar outro Pai Natal”.

Um mercado da saudade da Leopoldina

Para celebrar os 35 anos do Continente, em 2020, a marca juntou as duas mascotes num dueto que trouxe de volta às televisões dos portugueses a canção O Mundo Encantado dos Brinquedos. O anúncio começa com a Popota a pedir um desejo diante de um bolo de aniversário com as velas com o número 35 acesas. Rapidamente, o boneco em 3D transforma-se em 2D, ao mesmo tempo que se ouve a voz da Leopoldina a cantar a nostálgica música. “Foi intencional. Começámos com elas em 2D para ser mais o estilo inicial da Leopoldina e depois, quando se juntam, transformam-se magicamente em 3D”, descreve João Madeira.

O dueto foi um sucesso, tanto com as crianças como com as gerações mais adultas que durante tantos anos tiveram O Mundo Encantado dos Brinquedos como hino de Natal. Nas redes sociais a discussão gerou-se, com muitos utilizadores do X a afirmarem que, em tempos de pandemia, o regresso da Leopoldina “salvou 2020”.

https://twitter.com/bextrizgomes/status/1325935088475967489

https://twitter.com/issabellum/status/1325902001377599490

https://twitter.com/CatarinaGomes96/status/1866129301373878726

“Há um mercado da saudade que todos os anos reclamam pelo regresso da Leopoldina, que é uma coisa que nós achamos super interessante”, comentou Sérgio Soares, corroborando que a junção da Leopoldina e da Popota no Natal de 2020 “teve muita adesão”.

“E quando a Leopoldina voltou para os bastidores houve gente que perguntou onde é que ela estava. Diria que ainda há muitas pessoas que associam muito o Mundo Encantado dos Brinquedos, a Leopoldina e a sua música a esta época. Mas acho que já é uma coisa mais concentrada numa geração. Já há gerações que nunca viram a Leopoldina, as mais novas nunca viram a Leopoldina em ação”, acrescentou.

Anatomia do anúncio da Popota

Qual é então a receita da Popota? A fórmula é sempre a mesma, garante Sérgio Soares. “O anúncio tem de representar uma história de Natal, os brinquedos nos filmes são figuração, personagens. Ela — eu até falo dela como se fosse nossa amiga, qual não é o grau de envolvimento —  faz sempre uma versão de uma música que tenha sido um hit grande junto do público alvo da Popota e tem de haver dança e depois a promoção específica dos nossos brinquedos”, descreve. Mas, vamos por partes.

Primeiro, é preciso então perceber “o que é que a rapariga vai cantar este ano”. Cerca de seis meses antes de novembro, tanto o Continente como a Fuel começam a varrer as plataformas — do Spotify ao YouTube — à procura daquela que será a música que vai representar o Natal. “Costumo dizer que a Popota é uma boa forma de me manter a par da música pop feita nesses anos”, comenta o diretor da agência de publicidade, revelando que, por norma, o Continente “prefere usar música portuguesa”.

Enquanto se procura a canção, há um trabalho que vai também sendo feito em paralelo: pensar na ideia para o anúncio. Este ano a Fuel já sabia que o público alvo seriam tanto as crianças como os adultos e, por isso, criou um cenário de brincadeira, “de brinquedos e jogos, para crianças e adultos. Super Mario, o Catan, cenários que não são tão infantis assim”. No final, o cliente descobre que “era uma menina que está a brincar com o pai”.

No entanto, este ano a música nada tem a ver com a história que o anúncio conta. “A ideia pode não ser influenciada pela música. A nossa versão da letra é que depois cola as duas coisas”, explica. A passar pelas televisões portuguesas desde o início de novembro, a Popota de 2024 interpreta um cover da Nosso Quadro, da cantora brasileira Ana Castela, que foi adaptada por João André e Diana Martínez — a voz da Popota. Foi esta também que inspirou o guarda-roupa da lenda pop do Natal, que surge com um chapéu de cowboy, botas altas e casaco com franjas: “A Ana Castela tem aquele look de boiadeira, então aqui trouxemos alguma influência para a personagem”.

No caso de a cantora não inspirar o look da Popota, o Continente e a Fuel fazem provas de guarda-roupa para perceber qual será o visual da hipopótama cor-de-rosa tendo como referência “o estilo que hoje se consome e o que está outdated“. “Seis meses depois já só queremos ver a Popota na rua, porque é um processo que envolve muita gente e é super intenso”, revela Sérgio Soares.

É assim todos os anos? Não. “Hoje em dia faz-se uma Popota nova de dois em dois anos“, responde João Madeira, explicando que o custo da campanha e o esforço de produção são elevados, logo seria “um desperdício” só usar um ano. “Ano sim ano não, reconduzimos a campanha, ou seja, repetimos o filme com uma canção diferente, para trazer alguma frescura”.

Sexualização da Popota e o cyberbullying

Como qualquer figura pública, também a Popota está desprotegida de comentários nas redes sociais. Ao longo dos anos tem sido tema uma eventual sexualização da personagem, com o público a criticar as mudanças na aparência física e as escolhas de guarda-roupa — com as saias, os decotes e os vestidos justos como mais apontados. Apesar de reconhecerem que esses comentários existem, tanto o Continente como a Fuel defendem que “não existe espaço nenhum para nenhum tipo de sexualização da Popota.”

No caso da agência de publicidade, João Madeira garante não há nenhuma parte do briefing sobre o anúncio que peca especificamente para emagrecerem a personagem e que até acontece o contrário. “O que nos dizem sempre é que a Popota está sempre mais magra, que é uma hipopótama e porque é que não é gordita”, revela, acrescentando que, como terá passado por muitas mãos diferentes ao longo dos anos, é normal que vá mudando com o tempo. “A Popota não é uma visão de uma só produtora e de um só realizador.”

Por sua vez, a marca considera que, apesar de aparecer num curto período do ano, a Popota recebe bastante atenção do mercado, acabando por deixar grandes impressões. Durante esses cerca de dois meses, é inevitavelmente alvo de comentários sobre se “está mais ou menos vestida, mais magra ou mais anafada”. “Reconheço que por vezes leio comentários desse género e já vi insultos que não fazem sentido“, afirma Sérgio Soares.

https://twitter.com/gamesbymanuel/status/134220154400808961

https://twitter.com/_piOpiU_/status/1202347084348702720

https://twitter.com/by__richard/status/424358684010237952

Quanto às roupas que utiliza, João Madeira explica que se regem sempre por aquilo que é o estilo da Popota. Como é que o descreve? “É uma pop friendly”, ao contrário da pop que estava em voga no início dos anos 2000 em que as artistas eram mais sexualizadas. “É uma pop que meninos e meninas de oito, nove e 10 anos possam ter como referência, sem que os pais questionem o que elas estão a ver. Claro que gostamos sempre de ter um lado divertido na Popota, mas nunca de má referência“, esclareceu.

Apesar de serem muitas mais as pessoas que gostam da Popota, Sérgio Soares reconhece que aquelas que não gostam “são muito muito abusivas” e que a hipopótama cor-de-rosa é, todos os anos, “um bocadinho vítima de cyberbullying“. O Diretor de Estratégia e Publicidade do Continente recorda ainda como a personagem é utilizada como insulto em reality shows — como era o caso de Fanny Rodrigues, a antiga concorrente do Secret Story 2 que durante anos sofreu body shaming e era conhecida como “Popota”— reconhecendo que há uma versão “definitivamente má” do uso da personagem. Mesmo sendo criticada, “o carinho por ela é enorme”. “Isso faz-nos pensar que estamos a fazer a coisa certa”, conclui.