De pedra e cal. Apesar da sucessão de polémicas e de embaraços, Luís Montenegro não faz tenção de afastar Margarida Blasco. No Governo, reconhece-se que a ministra da Administração Interna tem dado alguns sinais de “desgaste”, que tem óbvias dificuldades de “comunicação” e que tem demonstrado a “insegurança” própria de quem não está habituada a estar no combate político. Mas remodelar agora não é sequer opção. “Problema de comunicação? Era pior se tivesse um problema de competência, algo que manifestamente não acontece”, remata ao Observador fonte do núcleo duro do primeiro-ministro.
Completamente excluída está, por isso, a hipótese de Blasco receber um convite para sair numa eventual remodelação governamental. “Impensável. O primeiro-ministro não a deixa cair. Vai segurar até ao fim”, assegura um elemento do Executivo da Aliança Democrática. “Qualquer conversa sobre remodelação é intrigalhada. Não está nos planos, nem vai acontecer”, garante outro colega do Conselho de Ministros. “Afastar a ministra não resolveria nada e só seria fragilizar o Governo. Não vai acontecer”, sintetiza fonte governamental.
Apesar das palavras de solidariedade para com a colega do Governo, que vão tendo reverberações também a partir do partido e da bancada parlamentar do PSD, ninguém, nem mesmo a equipa mais próxima de Luís Montenegro, ignora que a mais recente polémica de Margarida Blasco não é um simples embaraço; “foi um monumental tiro no pé”, concede ao Observador um elemento do Executivo liderado por Luís Montenegro.
Ao sugerir — como sugeriu — que a questão da greve nas forças de segurança poderia ser revisitada em futuras negociações com os representantes sindicais da PSP, a ministra acabou por inflamar um setor que o Governo tenta a todo custo apaziguar e, pior, entrou em manifesta contradição com aquilo que o próprio Luís Montenegro tinha dito sobre o tema durante a campanha eleitoral — o agora primeiro-ministro chamou-lhe mesmo uma ideia “completamente errada” e uma “irresponsabilidade“.
Com horror a grandes improvisos e fugas ao guião, as declarações de Blasco, no domingo, apanharam de surpresa Luís Montenegro e restante núcleo de coordenação política do Governo. Durante um par de horas, fontes do Ministério da Administração Interna foram tentando contextualizar as declarações da ministra, dizendo que era apenas uma manifestação de abertura para o diálogo e para a reflexão, como se exige a quem está de boa-fé nas negociações, mas que o direito à greve na PSP não estava, nem está nos planos do Executivo.
Apesar das respostas oficiosas, a coisa ganhou tal dimensão (chegou a ser celebrada pelos sindicatos como um avanço considerável e surpreendente) que era preciso matar o assunto. À noite, o gabinete de Blasco enviava um comunicado às redações onde se esclarecia que o direito à greve não estará em discussão nas negociações com as polícias. Os termos da nota enviada para a comunicação social não terão sido do agrado da ministra, avança esta terça-feira o Diário de Notícias. Segundo aquele jornal, Margarida Blasco terá sido surpreendida pela nota e ter-se-á sentido “desautorizada” pela equipa de coordenação política do Governo, ajudando a piorar uma situação que já não era fácil.
Existe quem, no Executivo, negue qualquer por completo mal-estar entre Ministérios e recorde que a resposta oficial foi coordenada entre os gabinetes da ministra da Administração Interna e da Presidência, liderado por António Leitão Amaro, pelo que não havia forma de a governante ser apanhada em contra-pé. Seja como for, a ordem é clara: depois do golpe auto-infligido, é urgente enterrar o assunto e seguir em frente, sem alimentar mais dramas.
Aliás, quem com Blasco trabalha de perto no Conselho de Ministro não lhe regateia elogios no plano técnico e na capacidade de preparação. Todavia, existe quem reconheça que a ministra dá alguns sinais de algum “desgaste” depois de sete primeiros meses de grande intensidade, numa pasta historicamente muito difícil para todos os que a lideram, e que se torna ainda mais pesada para quem não tem experiência política, como é o caso de Margarida Blasco. “É evidente que há um problema de comunicação. Não existe isso de ser ministro e não saber comunicar. É preciso evitar que se repita”, concede um elemento da equipa de Luís Montenegro.
Do ponto de vista do ciclo político, também não faria grande sentido avançar com uma remodelação governamental neste momento ou imediatamente a seguir ao Orçamento do Estado. Primeiro, não há sinais de que o clima político vá melhorar até às eleições autárquicas, agendadas para setembro de 2025. Logo, e a menos que aconteça algo de extraordinariamente grave ou gritante, mudar de peças agora incentivaria a prática de tiro ao boneco por parte da oposição e teria efeitos contraproducentes, queimando ministros atrás de ministros. Haverá um tempo para repensar o atual elenco governamental, mas este, garantem ao Observador três elementos da equipa de Montenegro, não é seguramente o momento.
Fogo amigo fragiliza ministra; oposição chama-lhe um figo
Do ponto de vista político, o mais dramático nas declarações de Blasco é que demonstram um padrão que vai fazendo franzir alguns sobrolhos mesmo entre aqueles que a defendem: a incapacidade de ocupar o espaço mediático, que é também uma componente da afirmação de força e autoridade política de qualquer ministro.
Logo na primeira entrevista que concedeu, Blasco admitiu que uma das prioridades do Governo era afastar a “fruta podre” que existe nas forças de segurança, o que incendiou o setor. Mais tarde, chegou a concordar com a ideia do serviço militar para jovens delinquentes, alinhando com um também problemático Nuno Melo, até ser obrigada a recuar.
No verão, esteve largos dias em silêncio durante os incêndios que afetaram as regiões do Norte e Centro do país, sendo uma figura secundária na reação pública — o que demonstrou a sua falta de peso político e/ou a necessidade de a resguardar –, sendo que a coordenação política foi essencialmente assumida por Castro Almeida. Pelo caminho, ainda se viu envolvida numa inusitada polémica com uma autarca que dizia ter tentando contactar, sem sucesso, a ministra.
Esteve igualmente desaparecida em combate durante os desacatos que se seguiram à morte de Odair Moniz, em Lisboa, tendo demorado uma semana a emitir uma declaração pública sobre o que estava a acontecer. E ainda houve a reação à manifestação dos bombeiros junto ao Parlamento, em que disse que as autarquias eram os verdadeiros patrões dos sapadores — o que foi obviamente corrigido posteriormente pelos colegas de Governo, António Leitão Amaro e Manuel Castro Almeida, por exemplo.
Este último caso é mais um episódio infeliz, com a agravante de ter contribuído para alimentar as divergências entre os sindicatos das forças de segurança e o Governo. Ainda que esteja agora a existir um esforço concertado para defender a ministra na praça pública — Hugo Soares e António Leitão Amaro, líder parlamentar e ministro da Presidência, respetivamente, fizeram-no ao longo de segunda-feira –, as reações ao tropeção (mais um) de Margarida Blasco partiram não apenas da oposição, mas também da família social-democrata e por figuras do partido insuspeitas de terem intenções de fragilizar o atual Executivo.
Em entrevista ao Observador, José Pedro Aguiar-Branco, muito contido em considerações políticas pelo facto de ocupar o cargo de presidente da Assembleia da República, não deixou de comentar aberta e secamente as declarações de Margarida Blasco. “Se a ministra da Administração recuou, ainda bem. A greve da PSP, como dos militares, não deve ser possível”, cortou o social-democrata.
Também Miguel Macedo, com especial relevância de ter sido ministro da Administração Interna e de ser muito próximo de Luís Montenegro, aproveitou o espaço de comentário na CNN para dizer dizer que a ministra tinha sido, no mínimo, “equívoca”. “Não devemos arranjar problemas onde eles não existem”, aconselhou o antigo governante.
Na SIC, Luís Marques Mendes, conselheiro de Estado e putativo candidato presidencial com o apoio do PSD, falou em “infelicidade” e sugeriu que a ministra deveria “pensar, estudar, refletir antes de falar para não acontecerem coisas infelizes como estas”. Mais desalinhado, e mais mordaz, Miguel Relvas defendeu que Margarida Blasco é “uma ministra desadequada para a função”, que só “cria problemas” e que pode obrigar Luís Montenegro a agir mais rapidamente do que pensa. “O primeiro-ministro, de uma vez por todas, ou controla e silencia a ministra ou encontra outra solução que passa, naturalmente, pela substituição.”
Ora, as declarações de Margarida Blasco deram óbvias munições à oposição para atacar o Governo. “A ministra da Administração Interna, em poucos meses, já mostrou em diferentes alturas, em diferentes momentos, a sua inaptidão para as funções. A partir de determinada altura, o responsável já é o primeiro-ministro e neste momento para mim o responsável já é o primeiro-ministro, que mantém a senhora ministra”, atirou Pedro Nuno Santos.
“Não creio que tenha, até agora, acontecido nenhuma situação absolutamente grave que leva a que eu esteja aqui a pedir a demissão da senhora ministra, mas aconteceram já situações suficientes para que eu peça ao senhor primeiro-ministro que pondere bem se a atual ministra é a pessoa certa”, sugeriu igualmente Rui Rocha, da Inciativa Liberal.
André Ventura, que é favorável ao direito à greve na PSP e com quem Luís Montenegro travou precisamente essa discussão num debate para as eleições legislativas de 2024, aproveitou o erro de Blasco para atirar ao primeiro-ministro. “É curioso porque ou o nosso Governo não tem qualquer unidade política, em que cada um diz o que lhe passa pela cabeça, em completa contradição, ou é um Governo que se esquece do que disse, o que também pode ser o caso. O primeiro-ministro parece que não criou no seu Governo uma unidade política e ideológica”. Apesar da evidente pressão, é muito improvável que Montenegro faça o favor à oposição. Não para já, seguramente.