Lucília Moreno entrou pela associação de moradores do bairro da Zambujal quando lá estava o líder do PS e aproveitou para uma lista de queixas “com anos” para a Câmara da Amadora sobre o estado das habitações por ali. A sua fica no prédio mesmo ao lado e era os políticos quererem que podiam ir lá espreitar o estado da entrada comum: sem luz, com o elevador avariado sem porta para separar a entrada suja do exterior. “Isso é responsabilidade do IHRU”, dizia-lhe Pedro Nuno Santos e o presidente da Câmara da Amadora assinava por baixo. No passa-culpas entre Câmara e Estado central, era Lucília quem tinha razão.
“As tomadas [elétricas] estão podres”, dizia ainda a moradora sobre o que se passa dentro de casa. Queixava-se também da insegurança para a filha que sai de madrugada para trabalhar com tudo às escuras por ali abaixo. Pedro Nuno Santos espreitou a entrada e admitiu que o país “não é rico, mas consegue fazer os mínimos. Mas aqui nem os mínimos estamos a fazer” — e aqui nem apontava ao atual Governo, embora sublinhasse que “grande parte dos programas sociais foram responsabilidade do PS”.
“A Câmara da Amadora tem de ter mais atenção”, pedia a moradora que tinha, minutos depois, um assessor do presidente Vítor Ferreira (que ouvia tudo ao lado do líder socialista) a fazer o inventário dos problemas e a prometer-lhe uma resposta em breve. “Aqui no bairro há muita coisa que precisa de ser feita”, ia avisando com insistência Lucília.
Governo “atrás” do Presidente. E líder do PS com Leão no sapato
A manhã era de chuva intensa, mas Pedro Nuno Santos não se desviou da agenda com que pretendia, neste dia, marcar pontos face ao Governo e, muito em particular, em relação ao primeiro-ministro. Começou logo a dizer que “já é um padrão” a ausência de Luís Montenegro do terreno e que nos incêndios de setembro foi também ele a visitar primeiro populações afectadas.
Dois dias antes destas visitas que o socialista fez agora aos bairros, o Presidente da República tinha por ali passado mas o Governo não. Durante a tarde, a TSF adiantava que tinha existido uma articulação prévia entre Marcelo e Montenegro, mas para o líder socialista essa versão não servia. À tarde, já em Caxias, havia de dizer que “o Governo não se pode esconder atrás do Presidente da República” nas visitas aos bairros sociais.
“A cooperação entre os dois tem de existir e faz sentido conversarem, mas não se pode desculpar de não vir ao terreno por um acordo, uma articulação” com Marcelo. “Independentemente disso é importante que [o Governo] assuma as suas responsabilidades”, disse argumentando: “No final do dia quem tem mais meios para promover a coesão é o Governo.” E desafiou mesmo Montenegro e os seus governantes a irem para o terreno, dizendo que “há diferentes formas de estar na vida política. Uma delas é chamarmos aos nossos gabinetes representantes das associações que estão no terreno. Outra forma é ir ao terreno, não só reunir com as associações, mas ter contacto com as populações”.
A morte de Odair Moniz, há duas semanas, “ainda é uma ferida a sangrar” no Zambujal, dizia-lhe Gilberto Pinto da associação de moradores. E sobre esse momento que esteve na origem dos tumultos das últimas semanas, o líder socialista levava um recado não só para o Governo mas também para “o líder da extrema direita” — não diz o nome de André Ventura.
“A segurança não se constrói só com a repressão, constrói-se e assegura-se com a prevenção”, defendeu numa visita a uma esquadra aberta à comunidade (ler mais abaixo) em Caxias. “Se quisermos ter uma sociedade mais coesa e menos insegura, temos de olhar para a coesão. Achar que resolvemos o problema da segurança só pela via da repressão é não perceber nada”, afirmou numa resposta ao “líder da extrema direita que criticou o PS e o Presidente da República por visitarem os bairros, como se estivéssemos a falar de pessoas excluídas, que têm de ser afastadas”.
Mas no sapato levava uma pedra pesada nesta matéria. Na quarta-feira passada, numa reunião de Câmara em Loures, o PS e o PSD tinham aprovado uma recomendação do Chega a defender despejos em casas municipais de elementos que tivessem estado envolvidos nos distúrbios das últimas semanas. Na sequência disso, o autarca socialista e presidente do PS Lisboa, Ricardo Leão, tinha diso claro: “É óbvio que não quero que um criminoso que tenha participado nestes acontecimentos… se for ele o titular do contrato de arrendamento é para acabar e para despejar”. “Sem dó nem piedade”, dizia então o socialista que tomou Loures ao PCP nas autárquicas de 2021. E, ainda que deixe um aviso, Pedro Nuno segurou-o.
https://observador.pt/2024/11/04/ps-sob-chuva-de-criticas-mas-lider-segura-leao-todos-temos-melhores-e-piores-momentos-mas-isso-nao-nos-define/
Considerou que “obviamente que não foi um bom momento da Câmara Municipal de Loures”, mas dizendo que “todos temos melhores e piores momentos mas isso não nos define, mas sim o trabalho ao longo do tempo e o trabalho do PS e do presidente da Câmara de Loures tem sido muito importante”. “É essa intervenção que o define”, garantiu em declarações aos jornalistas que insistiram com a questão.
Tentou colocar uma pedra sobre um assunto que, nos últimos dias, tem provocado a reação indignada de vários socialistas, com uma garantia que é, ao mesmo tempo, um aviso para dentro: “Todos os eleitos do PS estão obrigados e comprometidos com o cumprimento da lei, da Constituição, com os objetivos da reinserção social e os princípios do humanismo, do respeito pelos outros e com a empatia.”
Pedro Nuno e Isaltino do mesmo lado… e também dos matraquilhos
Depois do Zambujal, de manhã, Pedro Nuno Santos seguiu para a Cova da Moura, também na Amadora. Visitou a associação cultural Moinho da Juventude, onde ouviu Jakilson Pereira (presidente) a pedir aos políticos que não façam de quem mora nos bairros “armas políticas”. O líder do PS tinha almoçado pelo bairro e seguiu a pé até à associação e, depois, até à creche.
Terça e quarta-feira vai continuar nesta frente, recebendo o sindicato dos oficiais da polícia e a associação sindical dos profissionais de polícia, na sede do PS. Esta segunda-feira esteve no terreno o dia todo, acompanhado da líder parlamentar Alexandra Leitão e, de manhã, também de alguns deputados, como Mariana Vieira da Silva (estes dois últimos nomes são os que os socialistas têm colocado na pole position de candidaturas à Câmara de Lisboa), mas também Pedro Delgado Alves, Isabel Moreira, Edite Estrela, Miguel Cabrita ou Pedro Vaz.
Mas o grupo já não ficou todo até ao último ponto do dia, a esquadra aberta à comunidade em Caxias. Aí, quem esteve ao lado de Pedro Nuno Santos, numa parceria inusitada, foi o presidente da Câmara de Oeiras. Isaltino Morais apostou num projeto “determinante” porque “envolve a esquadra com a comunidade”. Logo à entrada, miúdos jogam pingue-pongue e matraquilhos com polícias fardados e lá dentro, no espaço do “Gira no Bairro” (um projeto da associação Mundos de Papel) que funciona dentro da esquadra, há crianças a fazer trabalhos de casa e a prepararem cartões para o Natal nos computadores.
A coordenadora Ana Luísa Santos chama uma delas, Ronaldo, para explicar ele mesmo o que se faz por ali e assumir que se “criou uma amizade” com os polícias, que antes “não conhecia”. A timidez não o deixou ir muito além disso, e ficou a coordenadora a aproveitar as visitas da tarde para avisar que o Programa Escolhas (que ainda vem do tempo de António Guterres) pode vezes atrasa-se no financiamento e há salários que já ficaram em atraso. Fala na “ginástica financeira e emocional” que esta iniciativa lhe tem trazido, mas ao seu lado, Isaltino aponta sobretudo o copo meio cheio da “forma como a polícia e a comunidade se envolvem” e como isso “é determinante”.
“O trabalho ajuda a desanuviar a tensão”, descreveu ainda o líder do PS que, no final, foi questionado sobre este projeto e a ação do autarca de Oeiras no terreno. “Não posso perder-me em elogios“, disse o socialista entre risos sobre o antigo autarca-modelo do PSD (agora independente). Não jogam no mesmo lado político, mas acabaram este dia do mesmo lado da mesa da matraquilhos, com as mãos a comandar os bonecos vermelhos e brancos contra os verdes às riscas. Ganharam aos miúdos que ficaram do outro lado. “Eu marquei dois e o presidente da Câmara ainda marcou um”, desafiava ao longe do líder do PS em direção às crianças. Dentro de um ano jogarão noutro campo, mais hostil.